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quarta-feira, 16 de novembro de 2022

A PILHA - Leon A. Vagliengo

 

 


A PILHA

Incluindo a esperança de Liberdade, ainda que tardia.

Leon Alfonsin Vagliengo

       

Olho em volta de mim, tentando descobrir algo que me inspire para escrever uma boa história. Estou em meu pequeno escritório, onde se encontram muitos objetos apropriados para o local, como canetas, lápis, réguas, computador, livros, impressora etc., mas nada disso me parece sugestivo para a elaboração de algum texto interessante. Minha imaginação é uma noite escura, nenhuma ideia a ilumina.

        Finalmente, uma porta se abriu deixando entrar a luz do pensamento, quando meu olhar pousou sobre uma enorme pilha de papéis. Nela, documentos bem recentes, amontoados sobre outros, antigos, alguns até muito antigos, concorrem para produzir em mim um desalento crônico, uma impressão desagradável de que nunca me libertarei de seu jugo cruel. Encontrei a minha estrada, passo a percorrê-la.

        Alguns desses documentos representam pagamentos inadiáveis, exigindo total prioridade; são processados assim que chegam e imediatamente mudam de categoria, juntando-se a outros porque trazem informações para registros contábeis e elaboração de relatórios. Os piores, porém, são aqueles que representam problemas que precisam ser solucionados, mas parecem não ter solução. Estes ficam, ficam... e ficam.

Entre esses papéis, existe até uma folha com vinte selos postais, que deverão ser utilizados para o envio de cartas pessoais que não consegui tempo para escrever. Seriam várias, não escrevi nenhuma até agora. Um dia ainda as escreverei, e farão parte de um interessante e simpático treino de redação idealizado pela professora de escrita literária, com a utilização de um recurso que hoje já se tornou arcaico, mas assume, neste contexto, uma conotação saudosista quase poética.

Ah! A escrita literária!

Que vontade de retomar e completar cada um dos rascunhos de histórias que tenho acumulados em arquivos de meu computador! Ou, de escrever todos os textos semanais recomendados nas aulas! Mas não tem sido possível, o tempo é escasso, as preocupações rotineiras desviam os meus pensamentos, muitas vezes escravizam o meu cérebro.

Apesar de tudo, ainda tenho encontrado algum tempo para o prazer de escrever alguns textos. Não consigo fazer muitos, mas não desisto. Sempre sai algum, e assim vou levando.

        Porém, a grande pilha, simbolizando tantos afazeres de que não consigo dar conta, continua sempre lá, impiedosa e ostensivamente, para que eu a veja todos os dias.

No início, constatar o seu contínuo crescimento me desesperava. Com o passar do tempo, porém, a habitualidade em vê-la foi criando em mim uma espécie de calo mental, fui desenvolvendo naturalmente defesas psicológicas que me permitem, hoje, conviver tranquilamente com as suas pendências, sem mais pesar em minha consciência o fato de não conseguir extingui-la.

        Muitas vezes penso nisso e fico com a sensação de que me tornei um sem-vergonha.

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