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quinta-feira, 12 de novembro de 2020

TENTATIVAS - Hirtis Lazarin

 



 TENTATIVAS 

HIRTIS LAZARIN


Eram dezessete horas quando Cícero subiu no ônibus.  E assim fazia todos os dias.  

Do sonho nordestino em busca de uma vida melhor na cidade grande, restavam apenas fiapos.

O rosto vincado pelo cansaço, os olhos sem brilho mostravam qualquer coisa de assustado que lembrava um bichinho tímido.

Atravessaria a cidade toda até chegar em casa.  Uma viagem que lhe permitia recostar a cabeça na mochila gasta e tirar uma soneca.

 Ele vivia numa viela com esposa e três filhos miudinhos.

As construções pareciam grudadas umas às outras.  Todas as casas eram muito pequenas e nervosas.  Não mais que duas janelas pra espiar o mundo lá fora.  Tijolos à vista desequilibrados e cimento escorrido feito sorvete derretido.  Poucas árvores.  A maioria nus mais parecendo porta-chapéus à entrada de residências estilosas.

As ruas no conjunto eram um longo tubo cinzento e corredores úmidos.  Um labirinto.

Cícero preferia descer alguns pontos antes, adiando pouco mais a chegada em casa.  A caminhada e uns goles de cachaça no boteco faziam-no inventar uma esperança que o deixava mais sereno.

Trocava conversa com conhecidos no bar, quando rajadas de vento chegaram inesperadamente, levantando poeira das ruas, arrastando lixo e atirando longe coberturas improvisadas dos barracos.

Nuvens negras mexiam-se tanto no céu parecendo sopa em ebulição; a chuva despencou e os bueiros entupidos devolviam água suja e garrafas pets rodopiavam na loucura do abandono.  Em pouco tempo, ruas e calçadas ficaram inundadas.

Cícero tentou correr, mas não deu.  Abrigou-se no bar.  O celular sem bateria.  Sua casa frágil, o teto com goteiras que não se opunham nem aos pingos finos da chuva.  As crianças indefesas... A ansiedade ardia... Aceitar o fracasso?  Arrumar as malas e voltar pro sertão? 

A chuva finalmente afinou.  Já era possível ver o asfalto esburacado.  As pessoas se juntando solidárias pra refazer o que tinha que ser feito.  Tudo voltaria como era antes. 

Cícero sabia que a noite é apressada, que o dia amanhece rápido e que às cinco da manhã tem que estar novamente dentro do mesmo ônibus.  Tudo igual outra vez.

 

"Nada pode nos salvar da morte, mas o AMOR pode nos salvar a vida."

 

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