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sexta-feira, 19 de maio de 2017

O inferno - Ana Catarina SantAnna Maués


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O inferno
Ana Catarina SantAnna Maués

             No céu fogos de artifício marcavam a chegada de mais um ano. O espetáculo era apreciado da varanda da grande sala oval do Centro de Estudos em Teologia, que levava o nome do mestre Dr. Ulisses, já falecido.  Brindes eram erguidos com votos de felicidade aos presentes.  Ali estava a nata dos mais conceituados teólogos dedicados aos estudos a respeito de Deus, Religiões, Bem e Mal, e assuntos afins. Em ocasiões como estas, Dr. Ulisses era sempre lembrado com carinho, pois suas teorias a respeito dos mistérios do além, do pós-morte, eram consideradas por todos, como verdadeiras pérolas. Iniciaram então vários comentários sobre o Dr. Ulisses, elogios foram tecidos ao caráter da ilustre personalidade, principalmente do modo como defendia suas teses, com eloquência admirável, e sempre muito bem elaboradas. A noite foi mesmo só de lembranças sobre a grande contribuição que ele deixou para a teologia.        
          Na primeira reunião do grupo após a festa de réveillon, os ilustres professores foram chegando ao local, e como de costume cumprimentos calorosos e animadas conversas paralelas tomaram conta do ambiente. Até que um dos presentes citou o curioso sonho que teve justamente no primeiro dia do ano:
— Caros colegas, vou expor com fidelidade o que sonhei, mesmo porque as palavras que ouvi me foram reveladoras como teólogo, e ficaram gravadas na mente, como o ferro em brasa marca um gado, mas por certo não conseguirei transmitir a sensação que tomou conta de mim na hora em que estava sonhando. Confesso que acordei impressionado, foi muito real. Bem, vamos lá. Estava em minha cama quando de repente um vento frio arrepiou meu corpo, logo depois uma voz de homem, sussurrou próximo ao meu ouvido, dizendo que as aspirações do homem ficam acumuladas em sua alma imortal. Enquanto vive, parte destes desejos são realizados através de seu corpo físico. Ao morrer, perde-se o corpo, mas as aspirações seguem impregnadas na alma. Sem a consciência imediata de que morreu, o tempo passa e a alma começa a inquietar-se. Não sabe onde está, não enxerga nada nem ninguém, mas sente que tem gente ao redor. Mexe os membros, mas não vê que os mexeu, coloca a mão no peito, mas não sente nenhum peito, tudo é escuridão. Um desejo incontrolável de querer coisas e pessoas invade o ser, iniciando grande tormento.  Só trevas em volta e ausência de esperança, pois ela faz parte da vida e não da morte. Este estado permanente sem satisfação, vai transformando-se em ódio. Você entende que você acabou, mas permaneceu.  Não encontrando algo para direcionar tanto tormento, ele cresce e multiplica. As lembranças da vida que teve, irão acentua-lo, que é como fogo, que com o tempo eterno começará a iluminar o ambiente, e então perceberá que está no inferno.
                 Ao fim do relato, todos permaneceram estáticos, um silêncio perturbador, até que um deles gaguejando disse:
— Tive o mesmo sonho nesta data também.

                 Ao mesmo tempo outros dois professores assumiram que tiveram a mesma experiência. E assim foi indo e indo, cada vez era um que denunciava ao grupo que sonhara a mesma coisa, até que concluíram que ocorreu um evento sobrenatural com eles.  Nesta noite não houve reunião, estavam demasiadamente intrigados com o sucedido. Nenhum deles ousava declarar que a voz reveladora do sonho, era de alguém conhecido, o excelso Dr. Ulisses.

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