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terça-feira, 20 de junho de 2023

LIMA BARRETO - VIDA E OBRA - PESQUISADO POR CLAUDIONOR DIAS DA COSTA

 

Afonso Henriques de Lima Barreto

 

Nascimento: 13 de maio de 1881, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro

Falecimento: 1 de novembro de 1922, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro

Filhas: Amália Augusta de Lima Barreto

Pais: Amélia Augusta de Lima BarretoJoão Henriques de Lima Barreto

Formação: Escola Politécnica da UFRJ

 

Lima Barreto foi um dos principais escritores do pré-modernismo brasileiro. Além de escritor, ele foi jornalista e suas obras estão relacionadas com temáticas sociais e nacionalistas.

Publicou romances, sátiras, contos, crônicas e uma vasta obra em periódicos, principalmente em revistas populares ilustradas e periódicos anarquistas do início do século XX.

A maior parte de sua obra foi redescoberta e publicada em livro após sua morte levando-o a ser considerado um dos mais importantes escritores brasileiros. “Facílimo na língua, engenhoso, fino, dá impressão de escrever sem torturamento – ao modo das torneiras que fluem uniformemente a sua corda-d’água". (Monteiro Lobato)

 

Biografia

 Era filho de João Henriques de Lima Barreto, filho de uma antiga escrava e de um madeireiro português,[e de Amália Augusta, filha de escrava e agregada da família Pereira Carvalho.Seu pai ganhava a vida como tipógrafo. Aprendeu a profissão no Imperial Instituto Artístico. Sua mãe foi educada com esmero, sendo professora da 1ª à 4ª série. Ela faleceu quando ele tinha apenas seis anos e João Henriques trabalhou muito para sustentar os quatro filhos do casal. João Henriques era monarquista, ligado ao visconde de Ouro Preto, padrinho do futuro escritor. As lembranças de um período frutífero que era do Segundo Reinado[6] de Dom Pedro II, bem como a participação da Princesa Isabel na Abolição da Escravatura marcaram a visão crítica de Lima Barreto sobre o regime republicano.

Em abril de 1907, Lima Barreto fez suas primeiras contribuições para uma revista de grande circulação, ao se tornar secretário da Fon-Fon, a pedido do poeta e jornalista Mário Pederneiras.[7] Contudo, sua estadia na revista não durou muito: em junho do mesmo ano, sentindo-se desvalorizado, demite-se e, em outubro, lança a revista Floreal, da qual foi o diretor e principal contribuinte.[7] Além destas, Barreto também contribuiu para as revistas A.B.C. e Careta.[7]

Em 1911, publicou o romance Triste Fim de Policarpo Quaresma nas páginas do Jornal do Commercio, pagando do próprio bolso a edição em livro lançada em dezembro de 1915. Nessa época, tornaram-se mais agudas as crises de alcoolismo e depressão do escritor, o que provocou sua primeira internação no hospício em 1914.

Publicou textos em periódicos com viés socialista.

Passados quatro anos da primeira internação no Hospital dos Alienados devido ao alcoolismo, seus problemas de saúde pioraram e Lima Barreto foi aposentado em dezembro de 1918.( com 37 anos)

Nos  períodos de internação no hospício continuou a escrever para diários e romances.Em 1921,  o autor apresentaria sua terceira candidatura à Academia Brasileira de Letras (nas duas tentativas anteriores, fora preterido; nesta última, o próprio escritor desistiria antes das eleições).

De 1909 a 1922 foi excluído da crítica oficial com um "silêncio implacável" quanto aos seus escritos.[8] Em sua época não era fácil ter um original aceito pelos maiores editores do Rio, e ele, como vários outros apelaram por publicações em Portugal, tendo sido sua obra Recordações do Escrivão Isaías Caminha seguido esse caminho em 1907.

Sua "posição combativa" e sua "crítica contundente" custaram-lhe a marginalidade e a indiferença da elite cultural.[8] Este comportamento de seus pares temporais encontra-se refletido no fato da descoberta e valorização de sua obra após a sua morte, fato que pode facilmente ser associado à sua afirmação em artigo publicado no dia 6 de junho de 1922 na Revista Careta: "O Brasil não tem povo, tem público", típico de sua visão do mundo que o cercava e que aparece na dominante ironia presente em seu personagem narrador: Quaresma.

 

Morte

Com a saúde cada vez mais debilitada, Lima Barreto faleceu de um colapso cardíaco no dia 1º de novembro de 1922, aos 41 anos, em sua casa, no bairro de Todos os Santos, no Rio de Janeiro.

 

Crítica

Muitos críticos apontam que a obra literária de Lima Barreto ora alcança altos níveis de criatividade e realização estética, ora abdica de maiores preocupações artísticas para se assumir como panfleto ou meio de documentação social, política e histórica. 

Temas

Lima Barreto foi o crítico mais agudo da época da Primeira República Brasileira, rompendo com o nacionalismo ufanista e pondo a nu a roupagem republicana que manteve os privilégios de famílias aristocráticas e dos militares.Sua produção literária está quase inteiramente voltada para a investigação das desigualdades sociais, da hipocrisia e da falsidade dos homens e das mulheres em suas relações dentro da sociedade. Em muitas obras, como no seu célebre romance Triste Fim de Policarpo Quaresma e no conto "O Homem que Sabia Javanês", o método escolhido por Lima Barreto para tratar desses temas é o da sátira, cheia de ironia, humor e sarcasmo.

Em sua obra, de temática social, privilegiou os pobres, os boêmios e os arruinados, assim como a sátira que criticava de maneira sagaz e bem-humorada os vícios e corrupções da sociedade e da política .Suas obras seguem duas vertentes principais: a sátira menipeiaA sátira menipeia é uma forma de sátira escrita geralmente em prosa, com extensão e estrutura similar a um romance, caracterizada pela crítica às atitudes mentais ao invés de a indivíduos específicos) e o romance do realismo resgatando em ambos os formatos as tradições cômicas, carnavalescas e picarescas da cultura popular.[11]

Para Lima Barreto, escrever tinha a finalidade de criticar o mundo circundante para despertar alternativas renovadoras dos costumes e de práticas que, na sociedade, privilegiavam certas classes sociais, indivíduos e grupos.

Barreto ganha certos contornos macabros ao narrar a história dos habitantes de uma pequena cidade que, ao descobrirem que se poderia fabricar ouro a partir de ossos humanos, esquecem todos os seus supostos valores éticos e morais, de extrato cristão, e cometem profanações e assassinatos em função da possibilidade de riqueza e ascensão social.

Lima Barreto declara diversas vezes não aprovar nenhum tipo de preciosismo na escrita literária. Também publicou sob pseudônimos.

 

Lista de obras

Romances

·         Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909)

·         Triste Fim de Policarpo Quaresma (1911)

·         Numa e a Ninfa (1915)

·         Clara dos Anjos (1922/1948), póstumo

Novelas

·         O Subterrâneo do Morro do Castelo[nota 1] (1905/1997), póstumo

·         As Aventuras do Dr. Bogoloff[nota 2] (1912/1950), póstumo

·         Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919)

Teatro

·         "Casa de Poetas" (1951), póstumo

·         "Os Negros" (1951), póstumo

Coletâneas de contos

·         Histórias e Sonhos (1920)

·         O homem que sabia javanês e outros contos (1997), póstumo

Coletâneas de crônicas

·         Bagatelas (1923), póstumo

·         Os Bruzundangas (1923), póstumo

·         Feiras e Mafuás (1953), póstumo

·         Marginália (1953), póstumo

·         Vida Urbana (1953), póstumo

·         Coisas do Reino de Jambon (1956), póstumo

·         Impressões de Leitura (1956), póstumo

·         Sátiras e outras subversões: textos inéditos[nota 3] (2016), póstumo

Memórias e correspondência

·         Diário Íntimo (1953), póstumo

·         Cemitério dos Vivos (1956), póstumo e inacabado

·         Correspondência (1956), póstumo, 2 volumes

Adaptações

·         Osso, Amor e Papagaios (1957), de Carlos Alberto de Souza Barros e César Memolo Jr.

·         O Homem que Sabia Javanês (1988), de Maurício Buffa

·         Fera Ferida (1993), de Aguinaldo SilvaAna Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares

·         O Homem que Sabia Javanês (1994), de Guel ArraesJorge Furtado e João Falcão

·         Policarpo Quaresma, Herói do Brasil (1998), de Paulo Thiago

·         Miss Edith e Seu Tio (2000), de Francisco Vilachã

·         O Homem que Sabia Javanês (2004), de Xavier de Oliveira

·         O Homem que Sabia Javanês (2005), de Jô Fevereiro

·         Um Músico Extraordinário (2005), de Francisco Vilachã

·         O Triste Fim de Policarpo Quaresma (2008), de Ronaldo Antonelli e Francisco Vilachã

·         Triste Fim de Policarpo Quaresma (2010), de Antunes Filho

·         A Nova Califórnia (2010), de Francisco Vilachã

·         Clara dos Anjos (2011), de Marcelo Lelis e Wander Antunes

·         Triste Fim de Policarpo Quaresma (2013), de Luiz Antonio Aguiar e Cesar Lobo




Características das Obras

As obras de Lima Barreto apresentam uma linguagem coloquial e fluida. Uma das características é o teor satírico e humorístico presente em seus escritos.

Em grande parte, suas obras estão pautadas na temática social, expressando muitas injustiças como preconceito e o racismo.

Além disso, criticou os modelos políticos da República Velha e do Positivismo. Foi simpatizante do socialismo e do anarquismo, rompendo com o nacionalista ufanista.

Triste Fim de Policarpo Quaresma

Sua obra que merece destaque é o “Triste Fim de Policarpo Quaresma”. Ela foi escrita em 1911 nos folhetins e representa uma das mais importantes do movimento pré-modernista.

Narrada em terceira pessoa, apresenta uma linguagem coloquial e trata-se de uma crítica à sociedade urbana da época.

Ela foi adaptada para o cinema em 1998 intitulada: Policarpo Quaresma, Herói do Brasil.

Frases de Lima Barreto

·    O Brasil não tem povo, tem público.”

·    Não é só a morte que iguala a gente. O crime, a doença e a loucura também acabam com as diferenças que a gente inventa.”

·    E chegada no mundo - escrevia em 1948 - a hora de reformarmos a sociedade, a humanidade, não politicamente, que nada adianta; mas socialmente, que é tudo.”

·    O football é uma escola de violência e brutalidade e não merece nenhuma proteção dos poderes públicos, a menos que estes nos queiram ensinar o assassinato.”

·    Por esse intrincado labirinto de ruas e bibocas é que vive uma grande parte da população da cidade, a cuja existência o governo fecha os olhos, embora lhe cobre atrozes impostos, empregados em obras inúteis e suntuárias noutros pontos do Rio de Janeiro.”

 


Retrato de Lima Barreto, em sua ficha de internação no Hospício Nacional de Alienados, no ano de 1914.

 

Ocupação

escritorjornalista

Período de atividade

1902–1922

Género literário

Movimento literário

 




segunda-feira, 19 de junho de 2023

UM CINTURÃO - GRACILIANO RAMOS

 










UM CINTURÃO

GRACILIANO RAMOS


OUÇA  AQUI O CONTO UM CINTURÃO - GRACILIANO RAMOS


OUÇA AQUI UMA LEITURA ANALÍTICA


OUÇA AQUI OUTRA ANÁLISE DO CONTO


Um cinturão

Conto de Graciliano Ramos

 

As minhas primeiras relações com a justiça foram dolorosas e deixaram-me funda impressão. Eu devia ter quatro ou cinco anos, por aí, e figurei na qualidade de réu. Certamente já me haviam feito representar esse papel, mas ninguém me dera a entender que se tratava de julgamento. Batiam-me porque podiam bater-me, e isto era natural.

Os golpes que recebi antes do caso do cinturão, puramente físicos, desapareciam quando findava a dor. Certa vez minha mãe surrou-me com uma corda nodosa que me pintou as costas de manchas sangrentas. Moído, virando a cabeça com dificuldade, eu distinguia nas costelas grandes lanhos vermelhos. Deitaram-me, enrolaram-me em panos molhados com água de sal – e houve uma discussão na família. Minha avó, que nos visitava, condenou o procedimento da filha e esta afligiu-se. Irritada, ferira-me à toa, sem querer. Não guardei ódio a minha mãe: o culpado era o nó. Se não fosse ele, a flagelação me haveria causado menor estrago. E estaria esquecida. A história do cinturão, que veio pouco depois, avivou-a.

Meu pai dormia na rede, armada na sala enorme. Tudo é nebuloso. Paredes extraordinariamente afastadas, rede infinita, os armadores longe, e meu pai acordando, levantando-se de mau humor, batendo com os chinelos no chão, a cara enferrujada. Naturalmente não me lembro da ferrugem, das rugas, da voz áspera, do tempo que ele consumiu rosnando uma exigência. Sei que estava bastante zangado, e isto me trouxe a covardia habitual. Desejei vê-lo dirigir-se a minha mãe e a José Baía, pessoas grandes, que não levavam pancada. Tentei ansiosamente fixar-me nessa esperança frágil. A força de meu pai encontraria resistência e gastar-se-ia em palavras.

Débil e ignorante, incapaz de conversa ou defesa, fui encolher-me num canto, para lá dos caixões verdes. Se o pavor não me segurasse, tentaria escapulir-me: pela porta da frente chegaria ao açude, pela do corredor acharia o pé do turco. Devo ter pensado nisso, imóvel, atrás dos caixões. Só queria que minha mãe, sinhá Leopoldina, Amaro e José Baía surgissem de repente, me livrassem daquele perigo.

Ninguém veio, meu pai me descobriu acocorado e sem fôlego, colado ao muro, e arrancou-me dali violentamente, reclamando um cinturão. Onde estava o cinturão? Eu não sabia, mas era difícil explicar-me: atrapalhava-me, gaguejava, embrutecido, sem atinar com o motivo da raiva. Os modos brutais, coléricos, atavam-me; os sons duros morriam, desprovidos de significação.

Não consigo reproduzir toda a cena. Juntando vagas lembranças dela a fatos que se deram depois, imagino os berros de meu pai, a zanga terrível, a minha tremura infeliz. Provavelmente fui sacudido. O assombro gelava-me o sangue, escancarava-me os olhos.

Onde estava o cinturão? Impossível responder. Ainda que tivesse escondido o infame objeto, emudeceria, tão apavorado me achava. Situações deste gênero constituíram as maiores torturas da minha infância, e as conseqüências delas me acompanharam.

O homem não me perguntava se eu tinha guardado a miserável correia: ordenava que a entregasse imediatamente. Os seus gritos me entravam na cabeça, nunca ninguém se esgoelou de semelhante maneira.

Onde estava o cinturão? Hoje não posso ouvir uma pessoa falar alto. O coração bate-me forte, desanima, como se fosse parar, a voz emperra, a vista escurece, uma cólera doida agita coisas adormecidas cá dentro. A horrível sensação de que me furam os tímpanos com pontas de ferro.

Onde estava o cinturão? A pergunta repisada ficou-me na lembrança: parece que foi pregada a martelo.

A fúria louca ia aumentar, causar-me sério desgosto. Conservar-me-ia ali desmaiado, encolhido, movendo os dedos frios, os beiços trêmulos e silenciosos. Se o moleque José ou um cachorro entrasse na sala, talvez as pancadas se transferissem. O moleque e os cachorros eram inocentes, mas não se tratava disto. Responsabilizando qualquer deles, meu pai me esqueceria, deixar-me-ia fugir, esconder-me na beira do açude ou no quintal. Minha mãe, José Baía, Amaro, sinhá Leopoldina, o moleque e os cachorros da fazenda abandonaram-me. Aperto na garganta, a casa a girar, o meu corpo a cair lento, voando, abelhas de todos os cortiços enchendo-me os ouvidos – e, nesse zunzum, a pergunta medonha. Náusea, sono. Onde estava o cinturão? Dormir muito, atrás de caixões, livre do martírio.

Havia uma neblina, e não percebi direito os movimentos de meu pai. Não o vi aproximar-se do torno e pegar o chicote. A mão cabeluda prendeu-me, arrastou-me para o meio da sala, a folha de couro fustigou-me as costas. Uivos, alarido inútil, estertor. Já então eu devia saber que gogos e adulações exasperavam o algoz. Nenhum socorro. José Baía, meu amigo, era um pobre-diabo.

Achava-me num deserto. A casa escura, triste; as pessoas tristes. Penso com horror nesse ermo, recordo-me de cemitérios e de ruínas mal-assombradas. Cerravam-se as portas e as janelas, do teto negro pendiam teias de aranha. Nos quartos lúgubres minha irmãzinha engatinhava, começava a aprendizagem dolorosa.

Junto de mim, um homem furioso, segurando-me um braço, açoitando-me. Talvez as vergastadas não fossem muito fortes: comparadas ao que senti depois, quando me ensinaram a carta de A B C, valiam pouco. Certamente o meu choro, os saltos, as tentativas para rodopiar na sala como carrapeta eram menos um sinal de dor que a explosão do medo reprimido. Estivera sem bulir, quase sem respirar. Agora esvaziava os pulmões, movia-me num desespero.

O suplício durou bastante, mas, por muito prolongado que tenha sido, não igualava a mortificação da fase preparatória: o olho duro a magnetizar-me, os gestos ameaçadores, a voz rouca a mastigar uma interrogação incompreensível.

Solto, fui enroscar-me perto dos caixões, coçar as pisaduras, engolir soluços, gemer baixinho e embalar-me com os gemidos. Antes de adormecer, cansado, vi meu pai dirigir-se à rede, afastar as varandas, sentar-se e logo se levantar, agarrando uma tira de sola, o maldito cinturão, a que desprendera a fivela quando se deitara. Resmungou e entrou a passear agitado. Tive a impressão de que ia falar-me: baixou a cabeça, a cara enrugada serenou, os olhos esmoreceram, procuraram o refúgio onde me abatia, aniquilado.

Pareceu-me que a figura imponente minguava — e a minha desgraça diminuiu. Se meu pai se tivesse chegado a mim, eu o teria recebido sem o arrepio que a presença dele sempre me deu. Não se aproximou: conservou-se longe, rondando, inquieto. Depois se afastou.

Sozinho, vi-o de novo cruel e forte, soprando, espumando. E ali permaneci, miúdo, insignificante, tão insignificante e miúdo como as aranhas que trabalhavam na telha negra.

Foi esse o primeiro contato que tive com a justiça.

(RAMOS, Graciliano. Um Cinturão. In: Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século. Org. MORICONI, Ítalo. Rio de Janeiro: OBJETIVA, 2000, p.144-146)


terça-feira, 6 de junho de 2023

A CAÇADA - CLAUDIONOR DIAS DA COSTA

 


A CAÇADA

(As palavras grifadas foram escolhidas para compor a história)

Claudionor Dias da Costa

 

No jardim de minha casa havia muitas borboletas que sempre faziam magnifica dança frenética em voos cruzados.

Olhei pela janela e mantive o olhar circunspecto, atento naquela exótica  bailarina de cor azul que se destacava naquele bale telúrico.

Mas, meus pensamentos românticos e sonhadores se dissolveram consumidos pela ambição de sacrificar aquele exemplar por conta do dinheiro que poderia ganhar. Corri para o velho catálogo de espécimes que possuía desde a época de menino, quando  vivia solto pelos campos correndo atrás delas.

Fui como um foguete em direção à garagem e do alto da prateleira do armário empoeirado encontrei o velho puçá que guardava, não sei bem por quê. Surgiu agora a oportunidade de usá-lo com lucro. Melhorar minha conta corrente.!

Que maravilha!

Meu pensamento ficou fixo no bolo de dinheiro que teria vendendo-a a um colecionador…. Aquilo parecia um martelo a bater sem parar na minha cabeça.

Tão afobado e eufórico, me detive de repente à porta, e minha atenção se dirigiu para um curió que cantava perto das borboletas, pareciam acompanhar, dançando, seu canto. Logo afastei aquela boba visão romântica outra vez e pensei cochichando para mim mesmo:

- Uma borboleta-azul e branca rara e um passarinho raro como o curió quanto não valerão…

Cuidadosamente, tirei os sapatos para não os espantar.

Pé ante pé… muito devagar… numa distração do bichinho…Pluft, lancei o puçá e consegui pegá-lo apesar do vento.

Arregalei os olhos, minha ambição começou a gritar:

— Falta a borboleta. Não a perca.

Aquele azul contrastando com o branco parecia refletir a luz do sol, aumentando minha ansiedade. Após guardar o curió num pequeno aquário, saí em perseguição daquela raridade azul.

Por incrível que pareça, foi mais difícil do que o passarinho. Fiquei atrás por um bom tempo sacudindo o puçá. Várias tentativas, e eu já cansado estava a ponto de desistir, quando a vi pousar sobre uma flor no jardim. Dei um salto de atleta e a apanhei. Coloquei-a numa pequena caixa de papelão.

Todo vitorioso e já pensando quanto arrecadaria com o sucesso da minha caça, ouvi uma voz de criança entrando pelo portão.

Era minha filha de treze anos retornando da escola. Olá, papai. Foi logo dizendo e me beijou.

Com olhar sorrateiro e todo orgulhoso, disse a ela:

— Veja, minha querida, que tenho duas surpresas para mostrar a você. E ainda ganharemos um bom dinheirinho com elas.

Levei-a à garagem e mostrei minhas conquistas.

Quando ela viu, ficou parada como se não acreditasse.

— Papai, você mesmo que apanhou?

 Olhei de peito estufado para ela, e sorrindo, confirmei.

— Não acredito… Aquele pai que vivia me falando sobre amar a natureza e protegê-la teve coragem de fazer isso?

Desfilou um longo discurso sobre ecologia, que com certeza aprendeu na escola, mostrou até aspectos espirituais e direitos que os animais têm idênticos aos do ser humano.

Fiquei mudo, refletindo sobre o que estava me dizendo, engoli minha ambição desmedida e, porque não dizer ignorante. Como se diz: “caiu a ficha” e dei “a mão à palmatória”. Assumi, perante aquela doce e meiga menina que me olhava com seus olhos da cor de jabuticaba, meu erro.

Depois do perdão concedido por ela, nos sentamos no banco do jardim e entregando a ela agora minha vergonhosa caçada, deixei que soltasse o curió e a borboleta.

Ficamos parados vendo os bichinhos voarem…

Para nossa surpresa o curió foi ao alto da árvore e próximo ao amontoado de borboletas, agora comandado pela azul e branca, cantou como que agradecido àquela menina.

Confesso que senti até um alívio pela lição que aprendi. Não pude deixar de lembrar as imagens de quando criança quando corria nos campos só pelo prazer de achar que brincava com as borboletas…

 

NO JARDIM DA MINHA CASA - Henrique Schnaider




NO JARDIM DA MINHA CASA

Henrique Schnaider

 

Nasci numa casa muito grande, havia espaço, suficiente para que eu brincasse à vontade. Eu brincava principalmente no jardim da casa. Era um jardim extenso que beirava a mureta da frente da edificação, com variados tipos de plantas. Mas, me encantavam, as flores delicadas ou exóticas. Elas pintavam o lugar de diversas cores, exalavam múltiplos perfumes, e agradavam quem passasse. Os manacás dominavam o quintal, as rosas o enfeitavam, os cravos o perfumavam juntamente com a lavanda e madressilva.

Com estas árvores muito bem cuidadas principalmente por minha mãe que tinha um grande amor pelo jardim da nossa casa. Todos os dias ela vinha ao jardim e eu a acompanhava e com amor e carinho regava todas as plantas e enquanto regava, conversava com elas e o que me impressionava era que as plantas reagiam as palavras de minha mãe.

Eu tinha um tio irmão do meu pai, enquanto meu pai era uma pessoa desprendida sem ambições, ele era uma pessoa boa de verdade. Já meu tio era o oposto do meu pai, ambicioso, charlatão, jogador inveterado. Um dia ele veio visitar meu pai e aproveitou para ir ao jardim ver se tinha algo interessante para ganhar alguns trocados.

Caminhando pelas Alamedas floridas, meu tio avistou uma borboleta. A beleza dela concorria com a beleza do sol. Asas azuis e brancas e de tamanho grande. Seu apetite cresceu, ao pensar que se pegasse esta borboleta rara, poderia ganhar um bom dinheiro. 

Viu um puçá e pensou, — vai ser fácil de pegar esta borboleta. Fiquei ali observando para ver no que ia dar, o que meu tio estava fazendo. Nisso ele com o puçá na mão fez um movimento certeiro e caçou a borboleta. Mas ele era muito ambicioso e avistou um passarinho Curió, ficou encantado, pássaro raro e muito valioso, pensando no bolo de dinheiro que ganharia.

Ele foi até a garagem do meu pai e pegou um alçapão, para tentar pegar o curió, tirou os sapatos para não o espantar e apesar do vento conseguiu apanhá-lo. Eu só olhando assombrado com o que meu tio acabava de fazer, já que meus pais e principalmente minha mãe sempre me ensinaram a não fazer este tipo de coisa.

De repente aparece no jardim a minha mãe avistando o meu tio com a borboleta e o curió capturados. Minha mãe ficou furiosa e deu uma tremenda bronca no meu tio e exigiu que ele soltasse os bichinhos de volta para o jardim, já que lá era a moradia deles.

Meu tio baixou as orelhas envergonhado pela bronca recebida dela, que lhe ensinou a ter bons modos e deixar de ser tão ambicioso no que ele prometeu mudar e não ser um mau-caráter ambicioso.

Naquele dia o meu amor e a minha admiração pela minha mãe cresceram muito e aprendi a ser um homem de bons princípios e de muita educação.

Quanto ao meu tio para dizer a verdade não sei se aprendeu a lição, pois depois desse dia ele não apareceu mais lá em casa.

A Borboleta Azul - Adelaide Dittmers

 




A Borboleta Azul

Adelaide Dittmers

 

Borboletas coloridas voejavam pelo jardim banhado pelo sol da manhã.  Aproximei-me da janela para inspirar o ar puro e perfumado das flores.  Na roseira, uma exótica borboleta-azul e preta me chamou a atenção.  Majestosa em suas cores e na forma delicada.

— Não acredito! Gritei. Uma morpho azul! 

“Vale muito dinheiro! ”, pensei.  Há muito tempo catalogava as diversas espécies de borboletas, que apareciam no jardim. E essa era muito rara.

Coloquei na mesa xícara de café, e corri como um foguete até um pequeno depósito, que ficava ao lado da casa. Precisava do puçá.  Caí, ao tropeçar em uma pedra, mas me levantei rápido.  Precisava pegar aquela borboleta.  Não podia perder a oportunidade de vendê-la.

A porta do compartimento estava fechada por uma corrente presa a um cadeado. A chave estava escondida em um pequeno nicho ao lado da porta.  Com a mão trêmula, tentei agarrá-la, que com a minha pressa, caiu no chão. Nervoso, soltei um palavrão. Olhei para a roseira. A borboleta ainda estava lá.  Desajeitadamente, abri a porta.

De jeito nenhum, podia perder o bolo de dinheiro, que essa caça me daria.

Ao tentar alcançar o puçá, inadvertidamente puxei com força um martelo, que atingiu meu pé. Gritei de dor.  Mesmo assim, peguei o puçá e mancando, fui em direção ao meu objetivo, andando bem devagar para não espantá-la. 

Nesse momento, ela voou para um arbusto próximo.  Lentamente, tentei me aproximar, mas estaquei encantado com o canto de um curió, que no galho baixo de uma mangueira.  Estava com sorte, o curió também valia muito dinheiro.

A indecisão tomou conta de mim. O que deveria caçar, a borboleta ou o pássaro?  Distraído, pisei em uma poça de lama, afundando meus sapatos. Livrei-me deles e decidi pegar primeiro o curió.

De repente, uma lufada de vento balançou os galhos da árvore.  Fiquei azul de medo de que o pássaro voasse, mas fui mais rápido do que ele e, zapt, prendi aquele belo espécime.   O curió tentava desesperadamente se livrar de sua minúscula prisão.

Corri até a casa, onde, com muito cuidado, o coloquei em uma velha gaiola, há muito não usada.

Voltei ao jardim.  Tinha que encontrar a borboleta.  As notas de dinheiro voavam em círculo em torno da minha cabeça.

Espantado, vi o filho do empregado, uma criança de sete anos, vindo em minha direção, segurando a cobiçada borboleta pelas asas.

O menino, com um sorriso triunfante, disse:

— O senhor gosta muito de borboletas e esta é linda! Estendeu, então, sua mãozinha para me entregá-la.

Um rubor coloriu meu rosto.  Fiquei com muita vergonha de só considerar ganhar dinheiro, quando o menino só pensou em me deixar feliz com seu presente.

O sol iluminava o jardim com seus raios generosos.  Dentro de mim outro sol aqueceu meu coração e algo no meu íntimo sacudiu minha consciência.

Sorri para a criança:   

— Realmente ela é linda e... merece ser livre.

Soltei-a com cuidado e ela voou soberana, confundindo-se com o azul do céu.

Virei-me e olhei para o pobre curió, encolhido na gaiola com os olhinhos fechados.  Abri a portinhola.  Peguei-o com delicadeza e o soltei.  Bateu as asinhas vigorosamente.  O vento suave o abraçou e o levou...

O menino bateu palmas.

Sentindo a alegria da criança, disse:

— Nada vale mais do que a satisfação de admirar os pequenos seres enfeitarem a natureza. E abaixei a cabeça ao pensar que quase fui vencido pela minha ganância.

O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

  O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA Pedro Henrique        Curioso é pensar na vida e em toda sua construção e forma: medo, terror, desejo, afet...