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sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

VIDAS INTERROMPIDAS (romance - primeiro colocado) - ADELAIDE DITTMERS

 


O melhor romancinho 2021
Um patrocínio da DE TOMMASO
Prêmio: Uma bela mala de viagem para os vencedores




VIDAS INTERROMPIDAS

ADELAIDE DITTMERS



A chuva tamborilava no telhado do frio alojamento.  Aos poucos as gotas foram engrossando e flocos de neve caíram suavemente do céu escuro.   Dentro do grande barracão, um grupo de mulheres cercava uma jovem, que gemia e se debatia com as dores do parto.  Entre os dentes, tinham lhe colocado um pedaço de pano para que seus gritos não fossem ouvidos do lado de fora.

A madrugada gélida espantara os guardas daquele lugar de dor e extermínio para o calor dos seus aposentos.  Havensbrück era um campo de concentração só para mulheres, onde eram obrigadas a executar trabalhos escravos e exaustivos, que lhes minavam a saúde e a energia.

Durante sua existência, milhares de mulheres, judias, ciganas e prostitutas eram executadas ou morriam de exaustão.  Somente as mais fortes conseguiam sobreviver.

Naquela noite, Sara contorcia-se, enquanto as outras prisioneiras ajudavam-na.  Por sorte, uma delas formara-se em enfermagem e era parteira e fazia as manobras do parto.

De repente, o choro do recém-nascido irrompeu pelo lugar e as mulheres pegaram a criança e a embrulharam em pedaços de pano.  Sara, exausta, pelo esforço, deu um grande suspiro e lágrimas inundaram-lhe o rosto triste.

— Querida amiga, o que você quer que façamos com a criança? Perguntou Esther, a parteira.

A moça olhou para o filho.  Seus olhos contraíram-se e ela apertou os lábios num esgar de desespero.

— É meu filho! Não tem culpa de nada.  E estendeu os braços para aninhá-lo junto ao peito.

As mulheres entreolharam-se.  Os olhos refletiram a compaixão que sentiam pela pobre moça. E uma delas disse:

— Vamos ter que escondê-lo para não ser morto por esses monstros.  Temos que pensar em um plano. 

Sara apenas balançou a cabeça concordando.  Seus pensamentos foram para o dia em que um oficial a arrastou para um aposento e a violentou brutalmente. Sacudiu a cabeça, tentando esquecer essa terrível lembrança e um cansaço físico e emocional a tomou por inteiro.  Adormeceu e durante toda a noite pesadelos sacudiram-lhe o corpo debilitado.

A manhã fria acordou-as para outro dia de trabalhos intensos.  A neve cobria tudo com seu manto branco.  As mulheres tinham decidido que iram enganar os oficiais, respondendo por Sara na hora da inspeção.  As roupas pesadas e as toucas iriam ajudá-las no disfarce e assim a companheira poderia descansar pelo menos por um dia.

 Com muito medo, mas com firmeza conseguiram passar pela inspeção.

No dia seguinte, no entanto, Sara mesmo enfraquecida enfrentou o trabalho duro.   Por uma semana Sara fora convocada a fazer um trabalho dentro do campo, o que lhe possibilitou uma maneira de alimentar o bebê. Com a desculpa de ir ao banheiro corria para o alojamento e o amamentava por uns minutos.  Nesses momentos, o medo misturava-se a uma forte determinação e satisfação de enganar aqueles impiedosos algozes.

Enquanto isso, na sala dos oficiais, uma reunião de urgência ocorria e o nervosismo e a agitação ferviam no coração daqueles homens arrogantes e frios.  O exército russo aproximava-se daquela área e eles não queriam que eles se deparassem com o grande número de prisioneiras e percebessem os atos criminosos que lá praticavam. 

Discutiam o que fazer com aquelas mulheres.  Gritavam uns com os outros.  Não havia mais tempo para exterminá-las, mas podiam diminuir a população, então resolveram que abririam os portões para que a maioria delas saísse do campo. O frio e a debilidade física iriam acabar com quase todas, deduziram friamente.

No dia seguinte, uma multidão de mulheres foi reunida no pátio e a ordem foi dada e os portões abriram-se.

Sara desesperou-se e se descobrissem a criança, mas ajudada pelas companheiras de infortúnio, cobriu o filho com o largo casaco e se enfiou no meio do enorme grupo de mulheres.  Auxiliada por Esther e Ruth, as grandes amigas naquele infernal lugar, colocou um pedaço do pano do vestido na boquinha do bebê para abafar o choro e saíram pelo grande portão.

A estrada à frente perdia-se de vista.  Caminhavam muito juntas para tentar aquecerem-se mutuamente e suportarem o frio intenso.  Muitas choravam baixinho.  Andavam devagar e os rostos refletiam o sofrimento e a desesperança de alcançarem a salvação.  Sabiam que a morte as espreitava a cada passo.

Sara apoiava-se em Esther e Ruth e assim andaram alguns quilômetros.  Muitas delas exaustas e combalidas caíram pelo caminho. Era um cenário de horror, que expunha de uma maneira ímpar aonde a maldade e a loucura humana podem chegar.

— Não aguento mais!  Vou ficar por aqui!  Murmurou Sara.

— De jeito nenhum! Vamos parar um pouco.  Respondeu Esther com firmeza.

Pararam e trocaram o bebê de colo para aliviar a extenuada companheira.  Depois de descansarem, Ruth disse:

— Vamos continuar!  E amparou Sara.  Quase se arrastando as três seguiram pela estrada.

De repente, a uns poucos metros, uma casa de campo surgiu ao lado do caminho. Tinha um jardim, onde arbustos se curvavam pelo peso da neve, que caíra. Com passos já cambaleantes tentavam continuar a caminhada, mas nesse momento, Sara caiu desfalecida.  As amigas desesperadas tentavam reanimá-la.  Uma senhora de cabelos prateados e grandes olhos azuis surgiu diante delas.

— O que está acontecendo?  Para onde vocês vão? E olhando para o pequeno grupo, que ainda resistia ao cansaço e ao frio.

— Para onde vão por essa estrada gelada?

Os olhos de Esther e Ruth fixaram a mulher e neles havia uma súplica silenciosa por ajuda.


— Meu Deus, essa moça desmaiou!  Vamos levá-la para dentro.  Ruth e a senhora arrastaram Sara para o interior da casa.  Nesse momento, a criança que estava em baixo do casaco de Esther chorou.

— Vocês têm uma criança escondida aí?  Exclamou, surpresa.

As duas mulheres concordaram, apenas balançando a cabeça.          

Dentro da casa, o calor abraçou-as como um afago há muito esquecido.

— Deitem a jovem aqui.  Vou buscar uns sais para acordá-la.  E indicando um sofá saiu com passos rápidos. Voltou em seguida e aproximou os sais para reanimá-la.

Minutos depois, Sara abriu os olhos.  Um grande espanto espalhava-se pelo seu rosto pálido.  O que acontecera? Onde estava? A mulher olhava-a com piedade.

— Que bom! Você voltou a si!  E dirigindo o olhar para as três mulheres, disse num estalo de compreensão:

— Vocês vieram de Ravensbrück, não é? Como saíram de lá?

— Sim, responderam com voz fraca.  Abriram o portão para muitas de nós! Não sabemos por que, mas achamos que queriam que morrêssemos pelo caminho.

A indignação cobriu o rosto da senhora, mas não foi percebida pelas mulheres esgotadas pelo esforço de se manterem vivas.

—Sentem-se!  Vou fazer um chá para aquecê-las, mas antes vou cuidar dessa criança.  Pegou o bebê e o levou com ela.

As mulheres entreolharam-se. Pareciam não acreditar no que estava acontecendo.  Com dificuldade, Sara sentou-se no sofá e de mãos dadas agradeceram a Deus por ter posto aquele bom ser humano em seus caminhos.

Esther, subitamente, disse em voz baixa:

— Ela é alemã. Será que não nos vai trair.  Estou com medo.

E as três abraçaram-se para que a força as unissem.

Depois de um tempo, a senhora voltou com o pequenino nos braços.

— Dei um banho quentinho nele.  O coitadinho estava quase morto.

O bebê estava vestido, o que espantou ainda mais as três.

— Não se espantem! As roupinhas eram do meu neto, que guardei de recordação.  Disse com um sorriso simpático. E acrescentou:

— Quem é a mãe deste bebê?  É bom amamentá-lo.  Deve estar com muita fome.

Sara respondeu com um fio de voz:

— Sou eu! E, com dificuldade, estendeu os braços para o filho, perguntando:

— Por que a senhora está nos ajudando? Somos judias e os alemães nos odeiam.

— Não sou nazista, querida!  Desprezo esse regime.  Muitos alemães, como eu, nunca concordaram com o louco, que nos levou a essa guerra insana.

As três suspiraram aliviadas.

— Esperem um pouco.  Vou buscar o chá.  E saiu apressada.

A criança aconchegada à mãe, sugava com força o leite materno.

Poucos minutos depois, o chá foi servido pela boa mulher, que as acolhera. Um prato com pão caseiro e gordura de porco completava a pequena refeição.

— Depois de se alimentarem, vocês devem tomar um banho e trocar essas roupas horríveis e úmidas.  Temos muito que conversar.

As três companheiras devoraram o lanche.  Não comiam desde a noite anterior. A senhora observou como elas engoliam com avidez o alimento.  Estavam famintas e pensou com tristeza quanto sofrimento essa guerra maldita vinha causando.

Mais tarde, já aquecidas pelo banho e agasalhadas com roupas secas, sentaram-se na sala e a boa mulher juntou-se a elas e começou a falar:

Meu nome é Herta.  Vivo sozinha aqui.  Consegui sobreviver porque crio galinhas, patos e porcos. Tenho também uma horta no quintal, de onde colho legumes e algumas verduras, que transformo em conservas para o inverno.  Com a guerra, os produtos básicos começaram a faltar. Uma vez por semana, temos que enfrentar enormes filas para nos abastecer com um mínimo de artigos de necessidade.

 Meu marido morreu há muitos anos.  Meu filho, Joachim, foi convocado logo no início da guerra e sucumbiu em combate. Eu já odiava o homem causador de tudo isso, cujo nome não gosto de pronunciar e o odiei ainda mais, porque roubou meu Joachim.  Ele era casado e tinha um filho.  Minha nora, Anne, morava comigo e juntas cuidávamos do menino.  Quando Anne recebeu a notícia da morte do marido, não quis mais ficar na Alemanha.  Os pais dela tinham emigrado para o Brasil e ela quis ir para lá.  Queria me levar, mas eu me senti sem coragem de começar uma nova vida em um país tão distante.

Ela conseguiu sair da Alemanha, por Berlim, onde voou para Portugal e de lá partiu de navio para o Brasil. Com a guerra é difícil ter notícias deles, mas sei onde moram e que estão bem. Nas poucas cartas, que recebi, eles escreveram que estão adorando morar no novo país, o que me deixa mais conformada com a distância que nos separa.

E é por esse motivo, que tenho roupas dela e do menino guardadas até hoje. Às vezes olho para elas e choro de saudades.

Sara, Esther e Ruth estavam caladas.  Apesar da fraqueza e do cansaço, uma ternura e um respeito inesperados as invadiram por aquela boa mulher.

No decorrer do dia, as três relataram os horrores por que tinham passado. O trabalho pesado por doze horas, as parcas refeições, as torturas emocionais, os estupros e o medo de serem enviadas para as câmaras de gás.  O clima pesado dos tristes relatos era interrompido pelo choro da criança.  Sara então descobria o peito e o alimentava.

Ao cair da tarde, Herta levantou-se e disse-lhes para se deitarem um pouco, enquanto ela iria preparar uma sopa para o jantar. Elas insistiram em ajudá-la, mas ela recusou, por que achava que tinham que descansar para se recompor do que tinham passado naquele dia.

Ao se deitarem nas camas macias, agradeceram mais uma vez a Deus por aquela mulher que as acolhera. Mais tarde a sopa as revigorou mais um pouco, mas foram dormir cedo para estarem completamente restabelecidas no próximo dia.

Na manhã seguinte, a neve voltou a cobrir os campos ao redor.  A bela região cercada de florestas acomodou-se embaixo do cobertor branco e espesso daquela primavera fria.  Os ramos das árvores, ainda despidos de folhas, foram vestidos pela camada de gelo. 

Herta, como de costume, acordou cedo e começou o trabalho diário.  Alimentou os animais, resguardados em um galpão, onde ficavam quando o frio era intenso.

Entrou e fez a primeira refeição da manhã.  Estava feliz por ter a companhia daquelas infelizes mulheres, cujas vidas tinham sido interrompidas bruscamente pela loucura de um homem.

Aos poucos, Esther, Ruth e Lara foram aparecendo na cozinha aconchegante. O aroma do pão no forno era um presente para elas. Estavam mais dispostas, apesar do ar abatido dos seus rostos.   Cumprimentaram Herta com um abraço e ofereceram-se para ajudar nos serviços domésticos.

Sentaram-se à mesa e as histórias fluíram como a chuva que cai para limpar o céu cinzento.

 

ESTHER

 

Na pequena cidade às margens do Reno, bonita e antiga, com ruelas estreitas, calçadas por grandes pedras e de onde se avistava um imponente castelo do outro lado do largo rio, maior via fluvial da Alemanha até os dias de hoje, a vida deslizava calma e a convivência entre os habitantes era tranquila.  As pessoas se conheciam, mas o respeito pela vida particular dos outros sempre foi uma característica do povo alemão.

Uma pequena parcela de judeus mantinha algumas lojas, de onde tiravam o sustento de cada dia.  Os pais de Esther vendiam roupas, principalmente de inverno.  Ela fez um curso de enfermagem e tornou-se parteira.  Ajudou muitas crianças a virem ao mundo. Ela amava sua profissão, que abraçou bem jovem.  

Com o começo da guerra e a perseguição aos judeus, a vida da família foi virada do avesso.  Tudo se desenrolou de maneira muito rápida e inesperada.  Forças do exército nazista invadiram a cidade e depredaram as lojas da colônia judaica. Os pais de Esther foram arrancados de casa e levados pelos soldados.

No meio da confusão, a moça conseguiu refugiar-se na casa de uns amigos alemães, onde permaneceu escondida por um ano.  Porém a Gestapo começou a perceber que muitas pessoas tentavam ajudar os judeus, abrigando-os ou ajudando-os a fugir. E novamente o exército tomou conta de várias cidades, invadindo as residências à procura de judeus.

As notícias sobre essas invasões chegaram à pacata cidade do Reno e Esther, não querendo colocar a vida dos amigos em risco, avisou-os que iria fugir e em uma noite saiu sorrateiramente protegida pela escuridão.

Para onde ela iria? Com uma pequena sacola com alimentos e poucas roupas dirigiu-se a uma estreita estrada, para talvez encontrar abrigo em algum lugar mais seguro.  O caminho subia pelas encostas íngremes cobertas de vinhedos daquela bela e romântica região histórica, onde a riqueza de velhos tempos era representada pelos suntuosos castelos, que margeavam o rio, engastados como pedras preciosas nas altas montanhas.  Os vastos parreirais também contribuíam para a beleza e a fama daquele vale, fornecendo as uvas, que se transformavam no delicioso vinho daquelas plagas.

Esther caminhava devagar.  Ao alcançar um patamar, em que havia algumas árvores, já morta de cansaço, sentou-se e encostada a uma delas adormeceu. As primeiras luzes da aurora a acordaram, ela pegou um pedaço de pão com queijo e água e se alimentou.  Depois levantou-se e como estivesse carregando um peso enorme, continuou sua caminhada.  Mais além encontrou um agricultor, que cuidava de sua plantação.  Parou e perguntou-lhe se precisava de alguém para ajudá-lo.  O homem a examinou dos pés à cabeça e perguntou o que ela estava fazendo sozinha por aquele lugar.  Um frio correu-lhe pela espinha, mas não quis mentir e disse que estava fugindo por que era judia.  Ele franziu a testa e negou-lhe ajuda.

Decepcionada, seguiu o caminho.  Perambulou sem rumo pelo dia inteiro.  Onde poderia se esconder e se abrigar.  Ao anoitecer, exausta, deitou-se em uma relva, escondida por uns arbustos, perto de um extenso vinhedo e adormeceu.

Horas depois, quando o dia já começava a despertar, foi sacudida violentamente e abrindo os olhos assustada, viu-se agarrada por um soldado.  Tentou com todas as suas forças desvencilhar-se dele, mas a mão pesada segurou seu pulso, o que fez com que soltasse um grito de dor.

— Quem é você? Perguntou o soldado com brutalidade.  O que está fazendo? Fugindo?

— Estou procurando trabalho! Gaguejou com olhos arregalados de terror.  A guerra me tirou o que eu tinha.

— E aqui, neste lugar, você pretende arrumar trabalho? Como é seu nome?

— Esther.  Respondeu com uma voz quase inaudível.

— Nome judeu! Grunhiu o soldado.

— Há muitas alemãs com esse nome. É um nome bíblico.

— Você não é alemã.  Seus traços não mentem.  E apertou o pescoço da moça. Confesse ou eu te mato aqui mesmo. Os olhos do homem faiscavam de ódio.

Cheia de medo e cada vez mais assustada, ela confessou com uma raiva incontida.

— Sim, pertenço a uma família judaica, cujos bens foram arrancados por vocês e meus pais levados para não sei aonde.

O soldado desferiu-lhe uma forte bofetada, que a fez cair para trás e levou-a arrastada.  Ela tentava se soltar dele, ao que ele reagia, sacudindo-a com violência.

Foi levada a uma estação, onde a colocaram em um trem lotado, que a levou a Havensbrück.  Nunca mais soube do paradeiro da família. Os pais, tios, primos e um irmão desapareceram naquele dia fatídico em que os nazistas invadiram a pequena cidade.

Um pesado silêncio abateu-se na cozinha, quando ela terminou sua história. Durante algum tempo as mulheres ficaram estáticas como estátuas de pedra.

Herta levantou-se de repente e tentando animá-las, disse:

— Vamos meninas! Vamos nos mexer. O trabalho distrai nossas almas e espanta a tristeza.

As moças também se levantaram e as quatro dividiram os trabalhos rotineiros.  Sara e Herta cuidavam do bebê, ao mesmo tempo em que auxiliavam as outras.  Herta via o neto, que partira para sempre, naquela criança.

Depois do almoço, sentaram-se na sala, perto da lareira, que estalava e enchia o aposento de calor.  As chamas pareciam hipnotizar as mulheres e dessa vez, Ruth contou sua história.

 

RUTH

 

O verão tão esperado chegou com sol e céu azul na grande cidade, espantando o cinza escuro do resto do ano.  As pessoas passeavam animadas pelo parque e muitas se sentavam no gramado para aproveitar ao máximo o belo dia da estação mais quente do ano.  A temperatura estava amena, característica dos verões na Alemanha. 

Com um vestido florido e chapéu, Ruth sentou-se na relva para saborear o belo dia e aquele sol tão esperado.  Estava feliz.  Tinha começado um namoro há pouco tempo com um colega do trabalho e tinham marcado um encontro no belo parque.  Levantou o rosto para o céu, fechando os olhos com ar sonhador, pensando no porvir, que parecia auspicioso.  Quais surpresas que a vida lhe traria, tudo estava correndo tão bem. O trabalho como técnica de farmácia em uma grande empresa. A chegada do amor, que a estava enchendo de mil projetos...

De repente, o chapéu foi puxado para trás, descobrindo os cabelos dourados da moça. E lá estava ele, com um sorriso nos lábios.  Ruth devolveu o sorriso e Peter sentou-se ao seu lado.

— Bom dia, bela princesa!

— Bom dia! Onde está seu cavalo branco, querido príncipe.  Ela disse, devolvendo a brincadeira.

Riram alegres, provocando-se um ao outro em divertidas disputas.  Gostavam das mesmas coisas e tinham os mesmos objetivos e ambições.

Depois de algum tempo, levantaram-se e um demorado beijo os uniu. De mãos dadas, passearam pelo parque.  Jogaram pequenas pedras no riacho de águas verdes, que, entre altas e frondosas árvores, atravessava o extenso parque.

O dia foi se deitando mansamente, enlevado pelos raios avermelhados do pôr-do-sol.  A noite chegou sem pressa, estendendo o manto estrelado pela cidade.

Os dois jovens despediram-se, depois de um dia em que compartilharam o amor, que estava nascendo com força dentro deles.

Na manhã seguinte, Ruth foi trabalhar.  A felicidade espalhava-se pelo seu rosto.  Quando chegou ao laboratório, Peter veio ao seu encontro com um rosto sério e preocupado.

— O que aconteceu? Por que você está com essa cara?

— As notícias não são boas. O homem lá de cima está com umas ideias loucas. Uma delas é de nos perseguir por sermos judeus. Anda dizendo que somos donos da riqueza do país. E parece que quer conquistar outros países e difundir suas ideias.

— Li sobre isso, mas não acreditei que tais ideias fossem adiante.

— Mas pelas notícias estão se tornando realidade. 

Um frio intenso a invadiu.  Seu povo sempre sofreu perseguições ao longo dos séculos.  Mas por que isso agora?  Eram outros tempos. Trabalhavam e estudavam muito para progredir na vida com seu esforço e seguiam a religião secular dos antepassados com discrição.  Não podia entender.

— Ruth, vou sair da Alemanha.  Não confio nesse governo.  Tenho tios nos Estados Unidos.  Quero ir para lá.

A moça quase desabou com a notícia.

— E nós? Perguntou angustiada.

— Venha comigo.  Amo você.  Podemos nos casar lá.  Aqui está ficando muito perigoso.

— Não posso deixar minha família.

— Convença-os de ir também.

Arrasada, a jovem dirigiu-se à bancada, em que trabalhava.

Pense bem, querida! Peter disse, elevando a voz e foi para seus afazeres.

À noite, em casa, Ruth contou aos pais e irmãs, o que Peter lhe dissera.

O alvoroço tomou conta de todos. Não podiam ir.  As notícias eram exageradas.  O pai era engenheiro em uma fábrica de automóveis e era muito respeitado por seus pares e subordinados. Não, não podiam deixar para trás tudo o que tinham construído.  Ruth foi dormir como o coração amargurado, dividida entre a família e o homem de sua vida.

Os dias foram passando e Peter estava cada vez mais decidido em partir.  Convencera a família em ir com ele.

Ruth estava confusa. O medo crescia dentro dela, mas os pais e irmãs queriam esperar mais para ver o que iria acontecer.

Chegou o dia da grande decisão, Peter perguntou-lhe pela última vez, se iria com eles.  As passagens estavam compradas e eles iriam partir logo, antes que fosse tarde demais. Ainda dava tempo de ela comprar a passagem.

Ruth abraçou-se a ele e as lágrimas molharam o rosto do namorado.

— Não posso ir.  Não vou deixar meus pais.

Segurou o rosto do rapaz e deu-lhe um beijo demorado de despedida.  A dor da perda e o fim de seus sonhos estavam estampados no seu rosto triste.  Virou-se e saiu correndo sem olhar para trás.

Uma semana depois, o pai de Ruth chegou em casa com um semblante carregado.  Tinha sido demitido.  As perseguições e depredações nas casas dos judeus começaram cada vez mais fortes.  Eram marcados com a cruz de Davi para serem identificados.

Ruth e a família fugiram para o campo, porque as fronteiras já estavam fechadas para eles, porém ao sair do trem foram presos e separados.

Começou aí o calvário, que a levou para Havensbrück e os pais com certeza para um triste fim. O trem lotado e imundo, transportando pessoas para um incerto e infeliz destino, sem a mínima chance de se defender era uma de suas memórias mais terríveis.

Quando acabou o relato, baixou a cabeça, quase murmurando;

— Essa é a minha história.

Sara, que estava a seu lado, apertou a mão da amiga. Herta levantou-se.

— Vamos meninas! Vamos preparar o jantar! E com um sorriso escondeu o que lhe ia por dentro.

Levantando-se lentamente, as três a seguiram.

Quando acordaram no outro dia, tiveram uma agradável surpresa: um sol pálido esforçava-se em romper as nuvens. Ora aparecia, ora desaparecia.  Aos poucos, venceu a barreira que o escondia e timidamente firmou-se no céu.  A neve iluminada pelo astro rei refletia com intensidade a alvura do gelo, quase cegando quem olhasse para ela.

Herta abriu a porta da cozinha e sorveu o ar puro com prazer.  Depois de tantos dias escuros, a alegria de um dia ensolarado tomou conta dela.  Logo o verde e as flores viriam enfeitar os campos.  Ouviu passos atrás dela e virou-se.  Sara sorriu e ela quase se desmanchou ao ver aquele sorriso, apesar de perceber que a tristeza ainda morava nos olhos da moça.

— Venha querida! Hoje temos sol e céu azul.  E estendeu as mãos, tentando passar um pouco de força àquela nova mãe.

Em silêncio, as duas apreciaram o dia claro, que estava nascendo.  Depois entraram para fazer o café da manhã.  Logo depois, as quatro mulheres estavam sentadas à volta da mesa, os olhos voltados para a janela, perdidas em seus pensamentos.

Herta interrompeu o silêncio:

Vejam meninas, hoje está um bonito dia.  Podemos dar uma volta!

As três estremeceram, voltando a realidade e a conversa pela primeira vez foi entremeada de boas lembranças, o que desanuviou o ambiente.  O pequenino dormia placidamente ao lado delas no carrinho, que fora do neto de Herta.

Naquele momento, Sara olhou para o filho e começou a contar a sua história.

 

SARA

 

A pequena fazenda dos pais de Sara na Baviera, na região dos Alpes, ficava perto de um lago azul, rodeado de uma relva macia, onde, na primavera flores de diversas cores bordavam o verde.  Os pinheiros e os picos nevados ao longe completavam a beleza da paisagem.

Criadores de vacas leiteiras, o trabalho da família era intenso, apesar de contarem com alguns empregados, que ajudavam na lide diária.

Eram cinco irmãos.  Dois rapazes e três moças. Um irmão cursava engenharia em Munique, o outro ajudava o pai na administração da fazenda, onde também fabricavam deliciosos queijos.  Uma das irmãs era secretária em uma grande empresa de Munique.  A mais nova ainda estudava na escola local.

Sara era professora e lecionava em uma escola rural.  Adorava crianças e dar aulas era algo mágico para ela. Muitas vezes levava a turma para as florestas próximas para mostrar os pequenos animais e ensinar-lhes sobre a vegetação nativa.  Criativa, era muito admirada pela dedicação de transmitir conhecimentos de uma maneira lúdica e divertida.

Os sábados da família eram reservados para as práticas religiosas.  Nos domingos, depois da ordenha e da alimentação dos animais, reuniam-se à mesa, em que a conversa sobre a rotina de cada um corria alegre e solta.  Unida, a família, colaborava uns com os outros.

À tarde, Samuel aparecia para buscar Sara para longos passeios por aquele lugar paradisíaco.  Conheciam-se desde a infância. Eram inseparáveis. Corriam pelos campos.  Deliciavam-se com os frutos silvestres e no inverno deslizavam pela montanha em um trenó de madeira, feito pelo pai de Samuel, que era marceneiro.  Aos poucos, aquela amizade foi se transformando em um profundo amor.

Estudioso e inteligente entrou na faculdade de direito de Munique.  A jovem ficou feliz por ele, mas ao mesmo tempo receosa que a distância os afastasse.  Na estação, ele colocou um anel de compromisso no delicado dedo de Sara, que ficou surpreendida e emocionada.  Forte, decidida e de opiniões firmes, ela tinha também um lado muito sensível, que procurava esconder e só transparecia quando lidava com os pequenos alunos, que tanto amava.

Os anos de estudos de Samuel passaram entremeados de encontros, que aliviaram a separação. Ao voltar, depois da formatura, a data do casamento foi marcada.

Em uma manhã de fim de agosto, de temperatura amena e ensolarada, o movimento na casada da fazenda era frenético.  Na cozinha, muitas mulheres tagarelavam e riam enquanto preparavam o almoço. Uma grande mesa foi armada no jardim, coberta por uma toalha branca e enfeitada por vasos com flores coloridas. Os compridos bancos de madeira, que a cercavam davam o toque rústico à decoração.

Em um dos quartos, as duas irmãs ajudavam Sara a se vestir. O vestido simples e uma coroa de flores do campo enfeitavam o belo rosto da noiva. Os cabelos castanhos e os olhos de um profundo azul acentuavam ainda mais a beleza da jovem.

 A excitação e a alegria espalhavam-se pela casa inteira.  Afinal, chegara o grande dia para Sara e Samuel.

Quando Sara saiu para a realização da cerimônia, todos ficaram emocionados.  Ela estava linda.  A tranquilidade e felicidade iluminavam seu rosto.

Um noivo muito ansioso e também emocionado a recebeu em um altar improvisado no jardim, onde o rabino, amigo de muitos anos da família iria realizar os rituais do casamento.

O almoço farto e a alegria dos convidados prolongaram a festa até o entardecer.

Durante dois meses, o novo casal desfrutou do grande amor que os unira. Felizes passeavam pelos campos, fazendo planos para o futuro.  Decidiram que nos primeiros tempos morariam na fazenda e depois talvez mudassem para uma cidade maior.

Certa tarde, porém, Samuel chegou à casa, muito assustado.  Ouvira na pequena cidade, que o exército nazista se aproximava da região e que judeus eram mortos ou levados para trabalhos forçados.

O pai de Sara ligou o velho rádio.  As notícias eram assustadoras.  O povo era incitado a revelar o paradeiro dos judeus, ciganos e pessoas consideradas não arianas.  A guerra começara com invasões aos países vizinhos.

 

— Precisamos ir embora!  Temos que fugir o mais rápido possível! Exclamou Samuel.

— Não.  Vou esperar mais um pouco.  Talvez as coisas melhorem.  Não quero me precipitar.

Como em muitas outras famílias de judeus, as pessoas não queriam acreditar que as suas vidas estavam em perigo.

— Por favor, Sr. Kaufman, temos que sair da Alemanha. As coisas vão só piorar!

Mas o velho sogro não queria deixar tudo o que tinha: a amada fazenda, os animais, o lugar que vivera a vida toda e ir para um destino incerto.  Queria esperar um pouco para ver o desenrolar dos fatos.

O clima ficou tenso.  Sara concordou com o marido e tentava convencer o pai de fugirem.

Três dias depois, Samuel foi à cidade para conversar com os pais e mais uma vez convencê-los de fugir o mais depressa possível.  Todos estavam aturdidos.  Não queriam acreditar que tinham que deixar o que construíram por anos.

Na fazenda, os trabalhos diários começaram, mas uma nuvem escura envolvia o coração de todos.  Sara não foi à escola.  Sentiu que a energia e disposição, que sempre tivera, foram sugadas por um rodamoinho de emoções contraditórias.  Medo e revolta travavam-lhe a razão. Tentou concentrar-se nos trabalhos caseiros.

Às dez horas da manhã, um barulho estranho, como um tropel aproximou-se da fazenda.  Todos pararam o que faziam para ver o que estava acontecendo.  Consternados, depararam-se com uma tropa de oficiais, que entrou pela fazenda como feras, que correm para apanhar suas presas. O terror estampou-se no rosto de cada um. O pai de Sara adiantou-se e gritou com raiva:

— O que vocês querem aqui?

— Quem você pensa que é? O comandante gritou.

E apontando a arma, disparou, matando o pobre homem. Vários tiros ecoaram pelo lugar e um a um, os homens foram caindo.

A mãe de Sara apareceu à porta da cozinha.  Desesperada, chamava pelo marido.  Correu até o corpo, meio encolhido no meio do pátio e debruçou-se.  Um choro convulso sacudia-lhe toda. Um oficial aproximou-se e sem piedade atirou.

Sara assistiu a tudo de uma das janelas da casa e quase desfaleceu ao ver aquela cena de horror, mas juntando as forças, que sempre tivera, correu para dentro, chamou a irmã mais nova e subiram as escadas, que levava ao sótão e lá se esconderam embaixo de uma cama de casal.

Os nazistas invadiram a casa e vasculharam cada cômodo, destruindo tudo que encontravam pela frente.  Dois deles subiram até o sótão e abriram as portas de um armário, procurando por alguém escondido.  Já iam descer, quando a irmã começou a soluçar.  Sara tapou-lhe a boca, mas era tarde demais.  Foram descobertas.  Puxaram-nas com violência e um deles apontou a arma. O outro, porém, o deteve.

— Não, não atire.  Essas são jovens e fortes. Podem ser úteis nos campos de trabalho.

E as arrastaram pela casa.  Sara tentava desvencilhar-se dos algozes. Já lá fora, Sara ao passar pelos corpos dos pais, do irmão e dos outros sentiu um ódio tão profundo, que apertou seu coração e escureceu seus olhos.  Levantou a cabeça, como a desafiar os homens e seguiu pela estrada.  Queria se manter viva.  Essa seria a vitória sobre eles.

Mais tarde, foram enviadas em um trem de carga, onde as pessoas se apinhavam de forma desumana.  O cheiro do medo espalhava-se pelo vagão.  Sara abraçou a irmã e procurava dar-lhe coragem.

O trem parou em três estações, onde muitos eram despejados como uma mercadoria para destinos imprevistos. Em uma dessas paragens arrancaram a irmã de Sara, que se agarrava a ela com desespero e a levaram.  Os gritos lancinantes da jovem eram ouvidos ao longe.  Sara quis ir com ela, mas a empurraram para dentro e ela caiu sentada no chão duro.  Com as mãos cobriu o rosto e os soluços a sacudiram. Nenhuma lágrima brotou em seus olhos.  Era como se ela houvesse secado por dentro e a alma tivesse sido deixada para trás.  Esquecendo a promessa que fez a si mesma, naquele momento desejou morrer.

Depois de horas, chegaram a Berlim e ela foi levada ao campo de concentração de Havensbrück.  Cortaram-lhe os longos cabelos e ela vestiu as roupas largas das prisioneiras.  Nas primeiras semanas, ela agia como um autômato.  Com o rosto sem expressão, executava o pesado trabalho, que impunham e se escondia atrás de uma revoltada mudez.  A morte seria um alívio, pensava constantemente.

As companheiras, compreendendo o sofrimento da moça, começaram a incentivá-la a reagir e não se deixar levar pela crueldade da situação. Tinham que sobreviver a qualquer custo, diziam a ela.  Aos poucos, a força que sempre tivera voltou devagar e ela começou a lutar pela vida, como se tinha prometido ao ser presa.

Os anos foram passando.  Sara trabalhava doze horas por dia como operária em uma grande empresa.  O trabalho era extenuante, mas as refeições compensavam. Várias companheiras tornaram-se amigas dela, mas duas eram as mais próximas, Esther e Ruth, que trabalhavam ao lado dela na fábrica.

Muitas mulheres, porém, não resistiam aos trabalhos pesados e aos maus tratos no campo.  A brutalidade dos oficiais estava sempre presente.  Depois de algum tempo, câmaras de gás foram instaladas e as mulheres debilitadas, que já não conseguiam trabalhar ou que estavam grávidas eram levadas para lá. O medo era uma emoção que pairava sobre elas.

Magra e pálida, apenas os olhos de intenso azul de Sara ainda marcavam sua beleza. Certo dia, um dos oficiais, que fazia a chamada diária notou os belos olhos da prisioneira e a delicadeza do rosto dela.  Aproximou-se dela e disse de maneira grosseira:

— Hoje você não vai com as outras. Vai ficar comigo.

A pobre moça arregalou os olhos. Sabia perfeitamente o que isso significava.  O estupro era uma das torturas, que as mulheres sofriam ali.  Ela ficou estática, como se fosse feita de pedra.  O oficial a puxou e a levou para uma sala, onde extravasou os instintos mais primitivos.  Quando Sara voltou ao alojamento, lavou o corpo todo e era como também quisesse limpar a alma.

Durante vários dias, o homem a levava para a sala.  Ela estava devastada pela violência, que sofria.  Um dia ele não apareceu e as mulheres supuseram que fora transferido.

Dois meses passaram e Sara percebeu, que o corpo estava mudando.  Estava grávida.  Como iria enfrentar mais esse desafio.  Nos primeiros meses, à noite, no catre duro, em que dormia, batia na barriga, com raiva, tentando provocar um aborto.  Os guardas não podiam desconfiar, que estava grávida, senão iria para a câmara de gás.  O tempo foi passando e ao sentir os movimentos da criança dentro de si, um sentimento contraditório a invadiu.  Aquele ser era também parte dela e não tinha culpa de ter sido gerado, mas ao mesmo tempo era fruto da violência de um homem, por quem sentia asco e odiava.  A dúvida foi vencida pelo forte instinto materno, que sempre tivera e que a tornou uma professora tão querida.

Durante os nove meses de gravidez, teve o apoio e a proteção das companheiras, principalmente das duas grandes amigas, Esther e Ruth.

Quando terminou de contar sua história, estava exausta, pelo turbilhão de emoções, que essas lembranças causaram, mas ao mesmo tempo, aliviada de pôr aquilo tudo para fora.  As lágrimas das companheiras molhavam a mesa.  O silêncio foi quebrado pelo choro do bebê.  Todas o olharam com compaixão e ternura.  A mãe vencedora de difíceis batalhas o pegou no colo e o amamentou, enquanto, com carinho, passava a mão pelo rostinho daquele filho inesperado.

 

 

Dias depois, uma onda de notícias desencontradas invadiu os jornais e rádio locais.  A Alemanha estava sendo tomada pelos aliados.  As pessoas ansiosas procuravam saber se isso realmente era verdadeiro.  Logo de manhã, Herta ligou o velho rádio e com surpresa, ouviu a notícia da rendição da Alemanha. Era oito de maio de 1945.  A alegria e a esperança tomaram conta daquelas intrépidas e sofridas mulheres.  As quatro abraçaram-se e a bondosa senhora fez um bolo e tirou do fundo do armário uma velha garrafa de champanhe para comemorar o fim da guerra.

Esther, Ruth e Sara conversaram com Herta, dizendo que tinham que seguir suas vidas.  Herta, porém, se opôs.  Naqueles poucos dias, tinha se apegado às hospedes, que trouxeram movimento a alegria a sua solidão, apesar dos anos negros por que tinham passado.

— Entendo que queiram continuar as vidas que interromperam, mas acho que devem fazer isso com calma.  Para onde vocês pretendem ir? Já sabem?

Ruth foi a primeira a responder:

— Um primo muito amigo de meu pai mora nos Estados Unidos, mais precisamente em Nova York e trocavam tantas cartas, que eu gostava de ler, que guardei o endereço dele na memória. Tenho certeza que me receberia bem até eu arrumar minha vida.

—Ótimo, Ruth! Precisamos descobrir como você pode chegar até lá.

— É verdade! Respondeu ela pensativa.

— Infelizmente não tenho ninguém fora da Alemanha a não ser um parente distante, que emigrou para a Austrália e nunca mais tivemos notícias dele.  Exclamou Esther.

— Também não tenho ninguém fora da Alemanha.  Disse pesarosa Sara.

— Então temos que resolver para onde vocês irão, com muita calma.  Tenho certeza que vamos conseguir. Disse Herta.

Na Alemanha arrasada, o povo tentava se reerguer.  Uns partiam de lá com medo de novas guerras, outros tentavam reorganizar as vidas.

Herta e Ruth souberam que havia um escritório americano em Berlim para tratar da divisão da cidade entre os aliados.  Arriscaram ir até lá, onde contaram a história de Ruth e mostraram o endereço da família em Nova York.  Depois de diversas idas e vindas, o primo de Ruth foi contatado e ela recebeu autorização para deixar a Alemanha.

O mês de junho veio com temperaturas agradáveis e dias ensolarados.  As flores cobriam os campos e o verde voltou a cobrir a vegetação.  As quatro mulheres aproveitaram para passear pela bela região, para se despedir de Ruth, que ia partir no começo da noite.  Herta queria que ela levasse aquele bonito lugar na memória.  A moça detinha o olhar em cada aspecto da paisagem do país em que nasceu e onde perdeu tudo.

Ao anoitecer, as quatro estavam no aeroporto e entre lágrimas e abraços disseram adeus à amiga.  Sara, apesar de muito emocionada não conseguiu chorar.  O avião que a levaria para uma nova vida decolou com suavidade e elas o seguiram com o olhar, desejando no íntimo que tivesse boa sorte.

Voltaram para casa tristes e felizes ao mesmo tempo.  Tristes pela partida da amiga e felizes por que trilharia um novo caminho.

No café da manhã seguinte, a situação de Sara e Esther foi discutida.  Não queriam permanecer na Alemanha, mas para onde iriam?

Herta lhes disse que poderiam ficar com ela, quanto tempo que quisessem, porque levaram um novo alento para ela.

— A senhora é uma pessoa incrível, mas Esther e eu não queremos ficar neste país, que nos roubou tudo!  Esther assentiu com a cabeça.

— Concordo.  Temos que ir para outro lugar para tentar esquecer o que nos aconteceu aqui.

— Entendo vocês! Se fosse mais jovem talvez também iria embora.  Acho que posso ajudá-las.  Minha nora mora com os pais no Brasil, como vocês sabem.  Vou escrever para eles.  Acho que não se recusarão em ajudá-las.

— Obrigada! Disseram juntas. E Sara acrescentou:

—Nunca seremos capazes de agradecer-lhe pelo bem que nos está fazendo.  A senhora estará sempre em nossos corações e em nossas memórias até o fim de nossas vidas.

— Assino embaixo dessas palavras!  Acrescentou Esther.

Herta, comovida, olhou para as duas com ternura.

— Vou escrever para minha nora!

Mais de um mês depois, veio a resposta e elas não couberam em si de alegria.  Os pais e Anne receberiam as duas e as ajudariam a se estabelecer no país.

Vários foram os trâmites para elas conseguirem sair da Alemanha.  Iriam de avião a Lisboa e de lá partiriam de navio para o Brasil.

Em uma tarde, as três sentaram-se no gramado. O bebê foi colocado em cima de um lençol para tomar sol. Sacudindo as perninhas e os bracinhos, ele sorria, querendo chamar a atenção delas, que se derretiam e lhe mostravam um ursinho de pelúcia.

Sara e Esther tiveram, então, uma longa conversa com a benfeitora.  Queriam que ela fosse com elas para o Brasil. Mostraram todas as vantagens dessa mudança: a proximidade com o neto e a nora, com elas e a distância do país, em que perdeu o único filho.  Mas ela resistiu.

— Não, minhas queridas! Já não tenho mais disposição de sair daqui para um país distante. Não tenho mais idade para recomeçar.  Não sei onde meu filho foi enterrado, mas para mim, parece que aqui estou mais perto dele. Tenho também velhos amigos, que me apoiaram nos anos difíceis da guerra.

Sara e Esther olharam para ela com tristeza. Ela foi como uma mãe naqueles meses.

— Vamos sempre nos comunicar.  Queremos enviar e receber muitas cartas. E gostaria de lhe dizer outra decisão minha.  Meu filho vai se chamar Joachim. Quero que ele tenha o nome de seu filho.

Herta abraçou Sara, comovida.

— Obrigada, por essa homenagem ao Joachim.

Uma semana depois, elas e a criança partiram. A despedida foi repleta de emoções.  Herta abanou um lenço até elas entrarem no avião.

Chegaram a Lisboa e foram abrigadas pelo governo português por três dias, depois dos quais embarcaram em um navio de bandeira portuguesa para Santos.

A viagem marítima costumava demorar cerca de quinze dias. O céu e o mar eram a única paisagem.  O tédio e a expectativa desencadearam ansiedade nas duas mulheres.  Após dias sem ver terra, a costa brasileira foi avistada e a beleza verdejante do litoral encantou-as.  Que belo país era esse, que seria o novo lar delas.

Chegaram a Santos em um dia claro.  Nuvens brancas encobriam um pouco o sol.  Curiosas admiravam a praia ao longe, debruada por grandes casarões. O navio foi se aproximando do porto e atracou mansamente.  No cais uma pequena multidão esperava por entes queridos. As duas perguntaram-se como encontrariam Anne e a família, que tinha escrito que iriam esperá-las.  Herta tinha lhes dado uma fotografia da nora e dos pais, mas de anos atrás.

  Nervosas desceram devagar do navio e ficaram paradas na plataforma. Joachim ia de um colo para outro, excitado com o movimento.  O cais foi esvaziando e elas viram um casal acompanhado de uma moça e um menino.  Ao mesmo tempo, eles viram as duas moças paradas com o bebê, que pareciam perdidas à procura de alguém.  Aproximaram-se e a recepção calorosa apaziguou-as.  A dúvida de que seriam um peso para aquela família desvaneceu-se.

Os Schmidt moravam na zona sul de São Paulo, região que abrigava uma grande parte da colônia alemã da cidade.  A casa era grande e confortável com um grande jardim e um quintal, onde jabuticabeiras e abacateiros cercados por um gramado e uma pequena horta cresciam vigorosos. No fundo, havia uma construção com um amplo quarto, banheiro e uma pequena cozinha.

Lá as hóspedes foram instaladas para terem mais liberdade e se sentirem à vontade. Antes da chegada delas, o Sr. Schmidt já tinha pesquisado lugares em que elas pudessem trabalhar. Por ter muitos conhecimentos, soube que havia uma vaga de enfermeira no hospital alemão da cidade.  Esther teria que ir a uma entrevista para conseguir o lugar.  Descobriu também que uma escola judaica no Brás estava precisando de professores.

Sara e Esther ficaram entusiasmadas por essas possibilidades, que estavam surgindo tão rapidamente.

A família de Anne as tratava com muito carinho e respeito, ajudando-as a se adaptar à nova vida.  Anne começou a ensinar-lhes português.

Uma manhã, Anne levou Esther para a entrevista. Quando saiu, a jovem tinha um sorriso satisfeito.  Tinha sido aceita.  Na conversa mostrou que tinha sólidos conhecimentos de enfermagem.

Dois dias depois, foi a vez de Sara ser entrevistada na escola.  A descrição de como trabalhava conquistou o diretor, que ficou admirado com a capacidade dela em envolver os alunos.

As duas estavam felizes.  Tinham conseguido trabalho.

A família, que as acolheu, acalmou-as.  Elas poderiam ficar morando com eles.  Eles cuidariam do bebê de Sara, enquanto estivesse fora.  As duas não podiam acreditar na sorte, que estavam tendo. Pareceu-lhes que Deus as estava compensando dos terríveis anos, que haviam vivido.

Sara e Esther ingressaram nos novos trabalhos, que absorviam a atenção e desviavam os pensamentos das tristes memórias, que lhes assaltavam de vez em quando.

Passo a passo, foram dominando a nova língua.  A única dificuldade era o sotaque alemão, que era difícil de desaparecer.

Depois de três meses de trabalho fizeram questão de pagar um aluguel à família.  Sara ofereceu uma pequena quantia por tomarem conta de Joachim. Eles protestaram. Não precisavam daquelas dependências e cuidar da criança os alegrava.  O menino estava se desenvolvendo bem e se tornou muito apegado a eles. Por isso, não queriam aceitar, mas elas insistiram tanto que, para não as constranger e as deixar à vontade, concordaram.

Herta não foi esquecida.  Trocavam cartas com ela, contando sobre os trabalhos e o menino, que crescia.  Correspondiam-se também com Ruth, que tinha um bom emprego e ganhava bem.  Souberam que depois de dois anos deixou a casa do primo e alugou um pequeno apartamento.  Tinha algumas aventuras amorosas, mas não queria se prender a ninguém.  Depois de tanto tempo presa, queria liberdade de fazer o que quisesse. Adorava ir a exposições e a concertos. E perambular pela cidade, sentindo a vida vibrante da cidade a inebriava.  Estava completamente adaptada ao estilo de vida americano.

Os anos foram passando.  Aos quatro anos, Joachim ingressou na escola em que Sara dava aulas.  Saia cedo com a mãe e voltava por volta do meio do dia.  Era um caminho longo.  Pegavam o bonde, que ia até a Praça João Mendes e caminhavam até a Praça Clóvis Bevilaqua para pegar o ônibus até o Brás. Na maioria das vezes, o pequeno adormecia no colo da mãe ao voltar para casa.

Passaram-se seis anos.  Joachim e Thomas, filho de Anne, eram a alegria da casa.  Apesar da diferença de idade eram grandes amigos e juntos aprontavam algumas traquinagens. Ajudado por Thomas. Joachim aprendeu a subir nas árvores do quintal, o que deixava Sara em pânico, com receio que ele caísse, mas ele era muito esperto e sabia se segurar nos galhos como Thomas.

Aos domingos almoçavam todos juntos.  As mulheres preparavam o almoço e conversavam sobre os acontecimentos da semana.  À tarde, muitas vezes, Anne, Sara e Esther e os meninos iam ao cinema ou passeavam pela cidade.  A amizade entre as três cresceu ao longo do tempo.  Em um domingo, em que se deliciavam com um sorvete no centro da cidade, Anne contou que estava interessada em um rapaz.  Ambos trabalhavam na mesma empresa.  Iam almoçar todos os dias juntos e ele era muito atencioso, sempre procurando agradá-la.  Sara e Esther divertiram-se em brincar com ela e em incentivá-la a construir um novo relacionamento, depois de tantos anos de viuvez.

Na sua rotina diária, Esther conheceu um médico e o amor brotou entre eles.  O namoro enlevou a enfermeira e um brilho de felicidade surgiu nos olhos da moça.

As duas começaram a sair aos domingos com os namorados e Sara se sentiu mais só. Dedicava-se cada vez mais a Joachim, o que preenchia o vazio, que sentia dentro dela.

Em uma tarde, Sara voltou da escola com o menino e a mãe de Anne veio ao seu encontro com um aspecto sério e triste.

 — O que aconteceu? Perguntou assustada.

Frieda segurou as mãos dela e apertou.

— Chegou uma carta da Alemanha. Herta morreu de um ataque de coração.

— Não, não pode ser! Ela era tão forte.  Ainda na semana passada, recebemos uma carta dela. E encostou a cabeça no ombro na sua boa amiga.

— Por que você está assim, mamãe? Perguntou assustado Joachin.

— A sua vovó da Alemanha foi para o céu.  Disse, recompondo-se.

— Ela morreu! Agora eu não tenho mais a minha avó alemã! Resmungou ele lamurioso.

Sara olhou para Frieda e disse:

— E esta avó bem aqui na sua frente.   

O menino agarrou-se às pernas da outra avó, que ganhara ao chegar ao Brasil e ela pegou-o no colo.

Certo dia, Joachim acordou com febre e dor de garganta.  Sara foi para a escola sozinha.  Era dia de folga de Esther, que ficou cuidando dele.  Estava preocupada, mas sabia-o em boas mãos.

Na volta para casa, no horário costumeiro, Sara esperava pelo bonde na Praça João Mendes.  Estava ansiosa para chegar em casa e ver o filho.

De repente, um aperto no coração a imobilizou.  A poucos metros dela, estava um rapaz, elegantemente vestido de terno e gravata. ¨Não pode ser¨, pensou.  ¨Devo estar sonhando. Estava mais velho.  Alguns frios brancos enfeitavam lhe as têmporas.  Mas era ele. Andou em sua direção e gritou:

— Samuel?

Ele olhou para ela e o espanto invadiu seu rosto.

— Sara? É você? Como pode ser?

Os dois abraçaram-se confusos.  Depois olharam-se como se reconhecendo.

— Você está viva! Pensei que tinha morrido naquele dia fatídico.

— Não, não morri com eles.  É uma longa história.

Puxando-a pela mão, ele a levou até um bar próximo e sentaram-se em um banco alto, junto ao balcão. Depois de pedir uma bebida, contou-lhe que estivera na fazenda depois da chacina. Os corpos não estavam mais lá, mas havia muito sangue espalhado pelo chão.  Urrando de dor e ódio voltou para a cidade. Os pais também tinham desaparecido e a marcenaria depredada.

Pegou o diploma, os documentos e uma troca de roupa e subiu na velha caminhonete do pai.  Saiu como um louco pela velha estrada, conhecida apenas pelos habitantes locais.  Estava fora de si.  Até hoje não sabe como conseguiu dirigir.  Depois de algumas horas, atordoado pelo acontecido e os solavancos da estrada chegou perto da fronteira da Suíça e com muita cautela conseguiu passar para o outro lado em uma área desabitada.  A Suíça era um país neutro e lá estaria mais seguro.  Chegou a Berna depois de muitas horas e pediu asilo.  Foi informado que era melhor ir para um país longe dali e lhe indicaram o consulado brasileiro.  Depois de muito insistir, informaram, que na França, um cônsul português, estava concedendo vistos aos judeus. Implorou para que lhe dessem uma passagem até a França.  Conseguido o bilhete, partiu para a França, onde obteve o tão desejado visto, que o levou a Portugal.  Chegando lá, descobriu que Salazar não via com bons olhos o ingresso de judeus no país e por essa razão o governo quis logo despachá-lo para o Brasil, o que para ele foi um motivo de muita satisfação.

Chegando aqui, procurou uma sinagoga para contar sua história. O rabino entrou em contato com alguns membros da colônia judaica e arranjou-lhe abrigo na casa de um comerciante, com a condição de trabalhar em sua loja.  Durante dois anos trabalhou no pequeno estabelecimento do anfitrião. À noite dedicava-se com afinco em conhecer as leis brasileiras.  No fim desses anos, soube que precisava prestar exame na OAB para exercer a advocacia no Brasil. Estudou muito durante algum tempo e confiante prestou o exame.  Passou e conseguiu trabalho em um escritório de advogados. Especializou-se em direito internacional e galgou vários degraus na profissão.

Terminou o relato com um profundo suspiro.

— E aqui estou eu, desde então, levando minha vida.  Tive várias candidatas ao meu coração, mas não consegui me ligar a nenhuma.  Sua lembrança esteve sempre presente em mim.

— E você, o que lhe aconteceu?

Sara contou a sua história. A voz pausada era interrompida por segundos de silêncio, em que respirava fundo, procurando o ar que lhe fugia.

Samuel ouvia com o peito apertado pela descrição do sofrimento que ela passara. Ela desviava o rosto para não ver a reação do rapaz. O relato do estupro fez com que ele fechasse o punho e desse um soco no balcão, balançando a cabeça transtornado.  O nascimento do filho de Sara, a decisão de aceitá-lo e o amor que ela tinha por ele nublou o rosto de Samuel.  Baixando os olhos, contou-lhe como fora salva por uma bondosa mulher, junto com as amigas e como era sua vida no país que a acolheu. 

Quando terminou, pousou o olhar no rosto do marido e estranhou a expressão dele.  O rosto contraído do rapaz destilava ódio e um esgar de desprezo apertou-lhe os lábios.

— Como você fez isso? Ficar com o filho de um desgraçado desse?

Ela encolheu-se.

— Ele é parte de mim. Não podia deixá-lo morrer.  Foi parte do meu corpo durante nove meses. Adoro meu filho. É uma criança meiga e linda, que me dá forças para lutar.  Hoje não está comigo porque está doente.  Se não estaria aqui agora.  Frequenta a escola, em que dou aulas no Brás.  Não sei se você conhece. É uma escola judaica.

— Já ouvi falar. Respondeu secamente.

Sua atitude tinha mudado. Estava com uma expressão dura e fria.

Sara estendeu a mão para segurar a dele, mas Samuel a retirou de maneira brusca.

— Por que você está agindo assim?

— Não posso te aceitar de volta, por mais que você foi a mulher de minha vida.  Não quero ter perto de mim o filho de um torturador de judeus.  E levantou-se e foi embora sem olhar para trás, ela levantou-se do banco devagar, como que hipnotizada.

Mais tarde contou para Esther e Anne o acontecido.  A palidez pintava o rosto bonito. A amargura transparecia na sua voz. Elas a consolaram, dizendo que se Samuel agiu assim, não merecia a grande mulher, que ela era.

À noite, mediu a temperatura de Joachim e ficou aliviada ao ver que estava sem febre. Era um menino forte.  Colocou-o com um beijo na cama e deitou-se ao lado dele.  Pela segunda vez tinha perdido o grande amor de sua vida, mas não se arrependeu da escolha que fez naquela noite fria em que o menino veio ao mundo.  Ele era sua força e o que a movia para um futuro melhor.

Passaram-se semanas.  Sara cumpriu as horas de aulas e foi buscar Joachim na outra sala.  Conversou com a professora, que sempre elogiava o comportamento e a inteligência do menino.  Os dois saíram de mãos dadas. O menino tagarelava sem parar, contando tudo o que tinha feito na classe e com os coleguinhas. Ela sorria pelo entusiasmo que ele sempre tinha ao sair da escola.

Ao levantar os olhos, estacou de repente surpreendida.  Perto da porta da escola, estava Samuel parado.  Um arrepio percorreu seu corpo.

— Por que você parou, mamãe?

 Ela não respondeu.  Samuel veio em sua direção. O rosto estava sério, mas o olhar era de um homem apaixonado.

 — Desculpe, Sara. Fui bruto. O ódio cegou-me.  Precisei digerir tudo o que lhe aconteceu. Nunca deixei de te amar. E dizendo isso, abraçou-a. Ela correspondeu ao abraço e pela primeira vez em muitos anos, lágrimas rolaram pelo seu rosto.

— Mamãe, quem é esse homem?

Samuel virou-se para ele e pegou-o ao colo e respondeu emocionado:

 — Sou seu pai.

O menino gritou de alegria:

—Eu tenho um pai!  Eu tenho um pai!

Ele olhou para o menino e percebeu que ele era a cara da mãe.  Um lindo menino, de cabelos castanhos e profundos olhos azuis.

Colocou-o com delicadeza no chão e os três de mãos dadas foram pela rua.  O nascimento de uma nova vida principiou naquele momento.

 







DE TOMMASO, sempre muito interessada em acompanhar as atividades do ICAL, patrocinou a premiação para este romance vencedor, uma mala de viagem para a Adelaide viajar, aproveitar a vida.





ROMANCINHO DE HELIO SALEMA - AS FAMÍLIAS (segundo colocado)

 


AS FAMÍLIAS

HELIO SALEMA



“Interpretações são frutos da mente humana”


CAPÍTULO UM



O clube mais imponente e luxuoso da região, no interior do Estado, estava repleto das figuras mais ricas, influentes e respeitadas da cidade. Era a festa do casamento mais aguardado dos últimos anos, Maria Helena e Augusto José. Das expectativas mais sonhadas, por aqueles que acreditavam que seriam convidados, às mais debochadas e desrespeitadas por aqueles, que com certeza, não iriam nem para catar os restos e limpar o chão.

 A decoração luxuosa e belíssima sem precedente no local. Iluminação perfeita, destacando cada detalhe, meticulosamente colocada para tornar o ambiente, não só agradável, mas causar um “frisson” a todos. A orquestra no palco dava um ar de cinema.

Horas antes à frente da principal igreja da cidade começavam a chegar pessoas das mais diversas classes. Eram fotógrafos, cinegrafistas, organizadores profissionais e até os músicos com seus violinos acompanhados das moças do coral. Como não poderiam faltar, curiosos convictos.

As organizadoras, muito educadas, tiveram dificuldade para acomodar os convidados e familiares, embora estivessem seus lugares previamente reservados.

Por mais organizadas, não foi possível evitar alguns problemas. O Senhor Prefeito, a primeira dama e filha chegaram pouco antes da noiva. Ficaram em pé por alguns minutos. Até que alguém resolveu ceder parte dos lugares ocupados por seus familiares. O que provocou espanto e comentários de alguns:

— Está querendo um emprego ou uma boquinha.

— É “puxa” profissional.

A chegada da noiva foi triunfal, na frente um carro com meninas vestidas impecavelmente. Cada uma trazendo uma rosa vermelha na mão esquerda e na direita buquê branco. Assim que o carro da noiva parou as meninas se posicionaram, formando uma passagem. A noiva desceu do carro e se posicionou entre as meninas. Embora sorrindo, demonstrava uma indisfarçável ansiedade.

Tudo isso exaustivamente fotografado e filmado. Depois de longos minutos se dirigiram até a porta da igreja, sempre as meninas à frente. Novamente, uma longa espera. Finalmente, de fora, ouvia-se um som vindo de dentro da igreja.

Era o rufar dos tambores. Em seguida, o som dos clarins. Após um silêncio, a porta se abriu e lentamente, as meninas entraram demonstrando que foram muito bem treinadas. Finalmente a noiva entra ao som de violinos, tocando a AVE MARIA. Quando a noiva estava na metade do trajeto, foi a vez do coral, acompanhado dos violinos, cantar AVE MARIA. Uma cena que jamais será esquecida por todos aqueles que tiveram o privilégio de ali estar. Principalmente no momento das alianças, quando os violinos tocavam uma música bem conhecida e o coral, repetidas vezes, cantava:

— FICA MAL COM DEUS QUEM NÃO SABE DAR, FICA MAL COMIGO QUEM NÃO SABE AMAR.

Na saída, assim que os noivos atravessam a porta, ouve-se um barulho. Um helicóptero despejava pétalas de rosas brancas e vermelhas sobre os noivos, todos ficaram incrivelmente, surpresos. Exceto um dos padrinhos que sorria a todo vapor, como alguém que dá, e ao mesmo tempo, recebe o presente.

Na chegada dos convidados ao clube, mais trabalho para os organizadores: levar cada família até à mesa previamente reservada. Muito depois de estarem todos acomodados, chega o casal.

Novamente, um momento de esplendor, a orquestra começa a tocar uma música empolgante e triunfal. Os noivos entram acompanhados pelos familiares. Ao se acomodarem, o noivo vai até a orquestra pega o microfone, a orquestra começa a tocar uma música e ele canta para a noiva … “Minha Namorada”.

O desempenho do noivo foi esplêndido, recebeu da noiva, em lágrimas, um prolongado abraço e, beijos. O público aplaudiu de pé por um longo tempo. Enquanto isso a orquestra tocava músicas suaves, complementando assim com um ar de romantismo a belíssima festa. Os noivos dançam ao som de “Suave é a Noite”. Em seguida, ainda dançando, convidam todos a participarem. Em poucos minutos o salão estava repleto. Tudo tão maravilhoso, como num filme dos velhos tempos.

Quando os noivos acabaram de se despedir, mesa por mesa, e saíram, uma multidão foi até o lado de fora para bater palmas e cantar. Muitos ainda queriam cumprimentá-los mais uma vez.

A festa acompanhou a madrugada. Os últimos convidados, ao saírem, se depararam com o clarão do sol, avisando aos boêmios que já era outro dia, havia muito tempo.



CAPÍTULO DOIS



Hoje, dia do meu aniversário. Vinte e cinco anos, último ano de faculdade e bem de saúde física. Emocionalmente arrasado. Nos últimos anos, agora, eu estaria junto com amigos.

Independente do lugar, da hora e de qualquer coisa.

Não sei se foi destino ou fatalidade. Há duas semanas perdi dois amigos num acidente de carro. Sorte não estar naquela viagem, simplesmente, porque não aprecio show de rock.

Ficar em casa e conversar com meu avô Giba. Ouvir minhas músicas preferidas da MPB, e curtir o frio, coisas que me agradam. Receber alguns telefonemas, certamente, pois avisei que não haveria comemoração. Tomei esta atitude mesmo sabendo que a presença de uns poderia amenizar a ausência dos outros.

Ainda há pouco, quando Dona Abaci chegou e me deu os parabéns, eu lhe disse que meu único presente hoje, será dado por ela. Um prato de nhoque, aquele maravilhoso que só ela sabe fazer. Também é o preferido de meu avô Giba. Ela mudou sua expressão de espanto por um sorriso de satisfação. O que me fez muito bem.

Eu e meu avô usufruímos aquele maravilhoso almoço. Lembramos e comentamos como Dona Abaci transformava a casa num verdadeiro lar. Daqui a duas semanas meu avô Giba completará 80 anos e disse que desejava repetir a comemoração.

Depois fomos para a cobertura conversar. Estava um dia claro e agradável, podíamos desfrutar da paisagem. Aproveitei para falar que estava começando a escrever a história de nossa família. A partir do meu nascimento. Pensei que ele fosse relatar detalhes, mas preferiu ficar pensativo. Então falei de como me agrada olhar daqui de cima e ver como é grande, magnífica e linda nossa capital. Ele que também nasceu e cresceu aqui, sempre demonstrou ser grande entusiasta desta metrópole. Falou de como o bairro evoluiu nestes últimos anos.

Em seguida para eu não voltar ao assunto perguntou pelos preparativos da formatura. Falei que pouco sabia, já que não participava da organização. Parecia que estava indo bem, apesar das divergências de costume.

Resolvi comentar sobre meu outro plano na certeza de que ele participaria. Minha carreira como advogado, junto com o Doutor Luís Castro, que alugara a nossa sala, onde meu pai trabalhou. Foi uma conversa longa e muito boa, pois meu avô sempre me apoiou na minha escolha profissional. Muitos elogios ao Dr. Luís Castro, filho de um dos seus melhores amigos.

Concluiu dizendo:

— Família de pessoas competentes e honestas. Com certeza você estará num bom e acolhedor ambiente de trabalho.

Até que o efeito do almoço lhe deu sono e ele foi cochilar. Fui para o meu quarto, preparei os objetos necessários para iniciar aquela árdua e longa tarefa. Relatar fatos dos parentes e amigos, com certeza seria a parte mais difícil. Fiquei em dúvida se conseguiria. Resolvi primeiro me deitar e ouvir música.



CAPÍTULO TRÊS



No dia seguinte, os noivos embarcaram para um cruzeiro de vinte dias por vários países. Os pais recebiam, quase todos os dias, notícias e as comentavam com os demais parentes. Também com amigos que ansiosamente, aguardavam por notícias.

Poucos dias antes do retorno, começaram os planos para recepcioná-los. Alguns gostariam que fosse uma segunda festa. Outros pensavam que, após uma viagem cansativa, seria melhor uma recepção breve. Prevaleceu o grupo festeiro. Imediatamente iniciaram os preparativos.

A decoração ficou a cargos dos familiares. Escolheram algo que lembrava a cada um dos noivos acontecimentos de sua infância e juventude. Também do início do namoro. Como surpresa um enorme painel com as fotos da cerimônia na igreja e da festa no clube. Numa sala especial foram colocados todos os presentes, ainda na embalagem, com os respectivos cartões.



CAPÍTULO QUATRO



Poucos dias após meu nascimento minha mãe veio a falecer. Sempre foi uma pessoa frágil e doente. O que provavelmente levou meu pai a aceitar morar com sogro e cunhada. Era uma casa grande, bonita e confortável. Onde moramos até o falecimento de meu pai, cinco anos após o da minha mãe.

Meu avô não quis continuar naquela casa. Era muito grande para ele, tia Cristina, que naquela época já estava noiva, e eu. Quando passo por lá vejo e admiro a casa, mas não me lembro dos detalhes internos.

Hoje a minha família se resume em mim e meu avô. Minha tia Cristina casou e mudou-se para os Estados Unidos. Seu marido já vivia lá algum tempo, trabalhando como piloto de avião comercial.

Estudei na melhor escola da capital. Frequentei os melhores clubes, mas as minhas reais amizades eram de poucos amigos, não mais que meia dúzia. Nenhum me acompanhou na faculdade, escolheram outros cursos. Um deles, Fabrício, junto com os pais, foi para Portugal. Reduzindo a dois, os mais ligados, até que aconteceu o acidente fatal. A partir daí minhas amizades foram bastante superficiais.

A família de meu pai sempre morou no interior, numa pequena cidade. Muito longe, estrada horrível. Só fui lá duas vezes, no aniversário do meu avô José, quando ainda era criança e depois quando ele faleceu. Na primeira vez eu e meu primo Felipe brigamos. Ele me xingou e disse que eu não era da família. Imediatamente, meu avô José interveio e zangou-se muito com ele. Isso me magoou mais do que os socos e empurrões. Até hoje quando me lembro da maldita frase, me entristeço. Também por não saber se é verdadeira ou não. Está dúvida me corrói. Nunca consegui uma resposta convincente.

Quando do falecimento do avô José, conheci uma de minhas primas, Maria Helena, muito simpática, bonita e bastante atraente. Muita semelhança com minha mãe, além do mesmo nome, principalmente, nos retratos de minha mãe adolescente. Conversa agradável que durou muitas horas. Mais satisfeito fiquei quando Felipe apareceu e ela me disse que o detestava.

Ela é a única pessoa da família do meu pai e daquela cidade que eu gostaria de reencontrar.



CAPÍTULO CINCO



 No porto, duas famílias vindas do interior, aguardavam com muita alegria e ansiedade o atracamento do navio, que trazia o casal. Vieram numa caravana de vários carros para conduzi-los até a cidade natal, onde uma grandiosa festa já estava pronta, no haras dos pais da noiva.  Só para os membros de ambas as famílias.

A festa durou o sábado inteiro, inclusive com “palestras” sobre a viagem.  No domingo o tradicional “enterro dos ossos”. Os recém-casados só iniciaram vida normal na segunda-feira, quando puderam, a sós, entrar na rotina da vida a dois.

O marido ainda teve uma semana de férias. Aproveitou para acompanhar a esposa ao haras. Ela que sempre foi apaixonada pelos animais mais contente ainda estava, pela companhia dele nesses dias.

Quando o marido voltou a trabalhar, Maria Helena além de cuidar da casa, continuou participando da administração do haras, o que sempre fazia desde o início da adolescência junto com o pai. O contato com os animais e o ambiente lhes davam segurança e tranquilidade. Principalmente, pelos bons resultados obtidos em concursos. Além dos prêmios e recursos financeiros.

Com o falecimento do seu pai, dois anos depois, assumiu inteiramente a administração sem atropelos.



CAPÍTULO SEIS



Na semana seguinte após completar 85 anos, meu avô Giba, acometido por um mal súbito, teve que ser hospitalizado. O médico recomendou a internação para fazer exames e avaliar melhor. Quando estávamos a sós me avisou que, aparentemente demonstrava um quadro grave, que necessitava de uma avaliação junto com outros médicos. Preocupado e faminto fui à procura de algo para comer.

 Na lanchonete do hospital encontrei Bárbara, uma amiga, que conversava com uma mulher muito bonita e atraente, tanto quanto um prato de nhoque para quem estava faminto. Por alguns instantes, fiquei de longe, deslumbrado, olhando as maravilhas que a natureza produziu e o meu coração sucumbiu. Não demorou para que Bárbara me visse e acenasse para eu ir aonde elas estavam.

Ao me aproximar a linda flor me fitou com um olhar que não consegui entender e me deixou bastante confuso. Percebi a aliança e o meu coração gelou, tão de repente que comecei a sentir todo o meu corpo congelado. Fomos apresentados, mas gelado ainda fiquei ao ouvir:

— Prazer, Maria Helena.

Não lembro o que eu disse, ainda bem que Bárbara começou a falar que Maria Helena era filha de uma conhecida, que residia no interior. Que o marido Augusto José estava na sala para uma cirurgia do coração. E a convenceu a se alimentar, já que a cirurgia seria longa. Aproveitei para falar do meu avô que estava internado para fazer exames. Maria Helena falou da sua preocupação com a cirurgia do marido, e também com os sogros que residiam no interior, e que certamente estariam aflitos.

 Aproveitei para lanchar junto com elas. Assim que terminaram, elas foram para o quarto aguardar as notícias. Fiquei sozinho, pensando… “Maria Helena … A segunda mulher que vejo, que subitamente me encanta e que tem o mesmo nome de minha mãe”.

No dia seguinte nos encontramos no elevador do hospital. Perguntei como o Augusto estava passando, ela respondeu que estava na UTI e passava bem. Em seguida a porta do elevador se abriu, ela se despediu e saiu. Minha cabeça fervia de pensamentos e desejos. Desejos naturais para um homem no início dos seus trinta anos. Diante de uma mulher formosa em tudo que era visível e mais ainda no imaginário.

Ao chegar ao quarto, no dia seguinte, meu avô estava acordado, notei-o abatido, quieto e pensativo. Cumprimentei. Ele respondeu, mas não me perguntou nada. Era normal ele querer saber alguma coisa. Respeitei o silêncio dele, embora tenha ficado muito preocupado.

Depois de alguns minutos ele olhou para mim e começou a falar:

— Acho que há uma coisa importante para você relatar na história da família. A morte do seu pai não foi apenas um acidente. Embora ele estivesse muito ferido, havia uma bala no crânio. A polícia da cidade onde ocorreu o acidente investigou, mas não obteve resultado. Algumas pessoas sugeriram que contratássemos uma investigação particular. Eu e sua tia decidimos deixar por conta da polícia. Consideramos que seria melhor nos preocuparmos com você e seu futuro. Pois nenhuma novidade poderia trazer seu pai de volta.

— Não havia nenhuma desconfiança?

— Desconfiança não resolveria. Talvez trouxesse mais aborrecimentos e tristezas. Depois, longo silêncio e um suspiro profundo:

— Quando seu pai tinha pesadelos falava:

— Marieta… Marieta… Cuidado com os cavalos.

— Uma única vez perguntei-lhe quem era Marieta, ele não respondeu. Isso começou depois que terminou a sociedade com Dr. Antônio. Também passou a apostar em cavalos. Viajar nos fins de semana e beber, mais que o normal.

— Por que desfizeram a sociedade?

— Nunca quis dar detalhes. Apenas disse que saiu da sociedade. Não queria trabalhar com um traidor. Muito estranho, já que eram amigos desde o colégio. Dr. Antônio voltou para seu estado de origem, e nunca mais tivemos notícia alguma.  Sentimos sua falta. Pelo menos uma vez por semana, jantava conosco e tínhamos uma boa conversa.

— O que levou meu pai a passar os imóveis para o meu nome?

— Foi depois de uma conversa longa e difícil que consegui convencê-lo a passar os imóveis para o seu nome e os aluguéis depositados na minha conta. O que permitiu manter o nosso padrão de vida.  Os rendimentos obtidos no escritório, ele gastava tudo. Ele sempre dizia que era um aventureiro convicto. Eu nunca duvidei e pensava, comigo mesmo, “aventureiro irresponsável”.

Dois dias depois meu avô faleceu. Senti então o peso e a responsabilidade de ter que viver sozinho. Não ter com quem conversar sobre coisas importantes e ao mesmo tempo banais. A solidão que talvez já existisse, fez sentir sua presença.

No velório Bárbara e o marido chegam juntos com Maria Helena, que me abraçou e beijou meu rosto, como se já nos conhecemos de longa data. Para colocar minha cabeça no lugar, perguntei pelo marido. Ela disse que estava bem, já no quarto, e mandou condolências. Fiz questão de agradecer.

Alguns minutos depois falou que tinha que ir, novamente me abraçou fortemente. Mas desta vez não teve beijos.

Semana seguinte, Bárbara me avisou que o Augusto teve alta e já estava em casa no interior. Pensei…Era a senha para eu esquecer aquela mulher. Minha companheira estaria à minha espera em algum lugar desta grandiosa cidade. Talvez mais perto do que eu poderia imaginar. Era uma questão de tempo, mas quão terrível é a espera.



CAPÍTULO SETE



Ledo engano. Duas semanas depois Bárbara me liga, avisando que o Augusto falecera. Pediu minha companhia para ir ao velório. Fiquei pensando se deveria ir, enquanto ela dava detalhes. Concluí que seria melhor ir. Era sábado, eu não tinha nenhum compromisso. Não ficaríamos para o enterro. Voltaríamos cedo, pois Bárbara tinha um compromisso à noite.

Durante a viagem conversamos muito sobre o acontecido. Ela falou que havia poucos dias Maria Helena telefonou e comentou estar preocupada, pois o marido sentia dores no peito, mas ele achava que era normal.

Alguns minutos de silêncio, em seguida disse estar contente com a minha companhia e que também Maria Helena certamente ficaria.  Achei estranha a maneira dela ao fazer este comentário.  Fiquei aguardando a continuação, apesar de ansioso para saber o porquê, não me atrevi a perguntar.

Comentou sobre a bela paisagem da estrada, o que concordei, em seguida falou que Maria Helena, sempre que se comunicava, perguntava por mim ou falava alguma coisa a meu respeito. Nesse momento pensamentos bons, e outros não tão bons, brigavam na minha cabeça.

Ao chegarmos ao velório eu me senti confuso. Lembrei-me de como ela me tratou no do meu avô. Faria a mesma coisa? Certamente que não. Cumprimentaria sem abraço e, beijos. Muita gente estranha para mim, poucas pessoas conhecidas de minha amiga também. Pensei “estou em terras alheias”. Todo cuidado é pouco.

Ao entramos na capela Bárbara cumprimentou algumas pessoas da família e me apresentou.

Quando Maria Helena nos viu, veio ao nosso encontro, abraçou Bárbara longamente, chorando. Eu, ao lado, tremendo sem entender o porquê. Ela parece que se acalma, olha para mim, vem ao meu encontro. Soluçando me abraça e com voz trêmula agradece minha presença:

— Obrigado por vir, José Antônio.

Outras pessoas se aproximam, ela sai dos meus braços e vai se afastando. Que alívio. Fui saindo bem devagar em direção a um lugar com poucas pessoas. Mesmo longe dela eu me sentia fazendo parte daquela tristeza. Minutos depois minha amiga faz um sinal para sairmos.

Ficamos bem distante dos familiares. Mais alguns minutos saímos sem despedirmos. Pois o clima era bastante tenso.

Na volta incialmente falamos das perdas que já tivemos em nossas famílias. Lembramo-nos de amigos e conhecidos que também se foram. Ela falou da preocupação com a situação difícil da Maria Helena. Depois olhou para mim e completou que ela sem dúvida iria superar. Um olhar que me fez pensar se ela me imaginava fazendo parte da solução. Fiquei só na imaginação. Não tive coragem de perguntar. Fui um covarde ou precavido?

Em casa tomei um banho. Liguei a televisão, mas não conseguia pensar em outra coisa ou outra pessoa. De tanto pensar nela cheguei a acreditar que ficaria maluco.

Semana difícil, os dias não passavam, nem o trabalho me distraía. Ainda mais ao atender uma cliente. Inventário de uma viúva residente no interior, a qual um amigo me indicara.

Na semana seguinte não resisti, assim que consegui o telefone, liguei dizendo que estava muito preocupado com ela. Conversamos sobre nossas perdas e que deveríamos ter esperança de dias melhores. A partir daí nossas conversas tornaram-se quase diárias.

Passados alguns meses, apesar de temer a reação dela, tive a coragem de dizer que gostaria de uma conversa pessoalmente. Não respondeu de imediato. Maldito silêncio. Mais alguns segundos e disse que seria melhor esperar um pouco mais. Concordei. Assim continuamos nos comunicando por e-mail e telefonemas, por algumas semanas.

Novamente fiz o convite, a resposta foi aguardar passar seis meses. Quando finalmente concordou em nos encontrarmos, ela disse que havia discutido o assunto com a mãe, a qual sugeriu que eu fosse até lá, para uma visita.



CAPÍTULO OITO



Chegando à casa fui recebido por uma senhora simpática, toda de branco, que me explicou que D. Marieta e Maria Helena tinham ido ver o potro que acabara de nascer, mas que já estavam vindo. Sorridente me convidou para entrar.

Sentei-me na sala e poucos minutos depois ouvi barulho de pessoas chegando. Era Maria Helena que me apresentou à sua mãe. Ao ouvir seu nome, Marieta, me veio à lembrança o que, me fora dito, pelo meu avô Giba. Perguntou se eu tinha feito boa viagem. Pediu desculpas por terem chegado depois, e disse que a culpa era dela que, muito ansiosa com o nascimento do potro, fez a filha se atrasar. Sorri e disse que não havia problema, eu compreendia a situação.

 Maria Helena também estava toda contente. Fiquei na dúvida se era minha presença ou o nascimento do potro. Ficamos os três conversando. Eu disse que tive um pouco de dificuldade na entrada da cidade. Pelo que a mãe dela perguntou:

— É a primeira vez que vem a esta cidade?

 Não querendo mencionar o dia do enterro, respondi:

— Sim. Sua filha é que sempre falou coisas maravilhosas daqui.

 — Antes o senhor nunca ouviu falar da nossa cidade?

— Não. Meu pai tinha amigos aqui, há muitos anos.

— Mas ele nunca lhe falou nada?

— Não. Ele faleceu quando eu era pequeno.

Depois de alguns segundos, pensativa:

— Qual era o nome do seu pai?

— Dr. Calisto.  Heitor Calisto Flores dos Santos.

Silêncio e um olhar estarrecedor. Parecia que uma notícia inesperada e péssima havia chegado. Levantou-se e anunciou:

— Vou providenciar um café pra nós.

A sós, ficamos a meditar em silêncio.

Maria Helena quebrou o silêncio, perguntando como fora a viagem. Respondi, tranquila e com muita expectativa. Ela sorriu e acrescentou que também esteve muito ansiosa nos últimos dias:

— Ansiosa com o nascimento?

Sorrindo, exclamou:

— Também.

E começou a falar sobre o potro, evitando naquele momento falar dos próprios sentimentos.

Sua mãe chega e avisa que a mesa de café já estava pronta.

 Durante o café nos falamos pouco. Ao término D. Marieta suspira e começa a falar, pausadamente:

— Ficarei muito contente se vocês continuarem com a amizade através da internet e telefonemas.

Maria Helena se assusta, olha para a mãe e pergunta:

— Mãe, por quê?

Aquela senhora que até o momento demonstrava ser forte e segura, coloca as mãos postas em frente ao rosto, como se solicitasse ajuda divina. E em desabafo de um grande peso:

— Filha…você foi fruto de uma paixão divina, arrasadora e obsessiva com um conquistador aventureiro.  VOCÊS SÃO IRMÃOS!


...

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

CAFÉ e TRAIÇÃO - Helio Fernando Salema

 

CAFÉ e TRAIÇÃO

Helio Fernando Salema

 

No café mais imponente da cidade, Café Sedução, a esposa do gerente, uma loira de olhos verdes, simpática e linda, trabalhava cuidando da qualidade dos produtos. Durante a noite fazia o curso de engenharia de alimentos. Ele, funcionário antigo do café, nunca quis estudar. Preferia nas horas de folga, se divertir com amigos.

Há poucas semanas uma nova funcionária, que só trabalhava durante o dia, atraiu a atenção de muita gente. Inclusive do gerente. Bem mais nova do que ele e a esposa, ambos na faixa dos quarenta, também tinha suas noites livres, pois não estudava. Apenas com o segundo grau, dava-se por satisfeita.

A troca constante de olhares e gentilezas aumentava a cada dia. Bastou um convite para tomar uns drinks. A noite era livre para os dois e ocupada para a esposa do gerente. Num barzinho, não muito distante e bastante reservado, os encontros tornaram-se frequentes. Até que ele conseguiu que um amigo lhe emprestasse o apartamento. Durante alguns meses, tudo transcorria na mais perfeita relação.

Com o fim do período das aulas, os encontros ficaram mais escassos. A esposa queria aproveitar o período de férias e ficar com o marido, sair à noite, no horário de folga de ambos, pois gostavam de teatro e cinema, mas não em companhia de amigos.

Para atender à esposa, ele foi obrigado a se ausentar do apartamento do amigo. A amante, com toda certeza, se viu abandonada. Num raro momento em que estiveram a sós, no café, ela reclamou da ausência dele. Ele se justificou, dizendo que no período de férias escolares não seria possível manter os encontros. Por mais que jurasse que estava com saudades, não a convenceu. Até que ocorreu o ultimato:

— A separação é a solução!

Temendo trocar a certa e tranquila relação, por uma outra, embora gratificante, não se sentiu atraído. Percebendo que ele “balançava” acrescentou:

— Se você foi sincero quando queria me conquistar, qual a dúvida agora?

Silêncio, foi a única coisa que ele pode fazer. Aproveitou que alguém lhe chamava, saiu rapidamente, sem dizer uma palavra sequer. Naquele silêncio e abandono, uma terrível luz acendeu na mente obscura.

O Café Sedução ficava num local muito movimentado. Perto de uma faculdade e vários prédios comerciais. Tinha uma freguesia bastante diversificada. Jovens estudantes, profissionais liberais e adultos de várias faixas etárias. A amante que era jovem, bonita e atraente não teve dúvidas. Escolheu um rapaz muito bonito, charmoso e que demonstrava ser um hábil conquistador. Assim provocaria ciúme ao seu amante. Todas as vezes que o rapaz chegava, ela como uma fera, que corre ao encalço da presa, se apressava em atendê-lo. Com aquele sorriso encantador e simpatia, não foi difícil atrair a atenção do jovem.

Dias depois, era ele quem a procurava assim que chegava ao café. A conversa entre eles despertou a atenção dos demais, inclusive do gerente.

Até que um dia, após aquela conversa amorosa, o jovem sai. Minutos depois um entregador chegava com um belíssimo buquê de rosas vermelhas. Após olhar atentamente para todas as funcionárias, identifica e entrega à linda e charmosa morena. Ao receber e ler o cartão, sorri prazerosamente, com uma felicidade jamais demonstrada por alguém naquele recinto.

O gerente imediatamente foi para a cozinha, como querendo se esconder e temendo demonstrar suas reações.

Os dias foram passando e o gerente cada momento demonstrava mais irritação. Não era mais tão atencioso com os fregueses, menos ainda com os funcionários, incluindo aí a própria esposa. Por outro lado, sua ex-amante cada dia mais radiante, alegre e por que não, mais atraente. Passou a frequentar academia, cabeleireiro e ao chegar estava sempre muito bem vestida. Chamando a atenção de todos.

A mudança do comportamento do gerente era evidente. Dia após dia, mais mal-humorado e de pouca conversa. Algumas noites antes de voltar para a casa, ficava nos bares bebendo até tarde. Não raro chegava em casa embriagado.

Após uma noite mal dormida, devido ao excesso de bebidas e “broncas” da esposa, chega ao trabalho ainda mais irritado. Vai até a cozinha e prossegue a discussão iniciada em casa. Ambos se irritam bastante. Chamado ao salão para atender a reclamação de um freguês assíduo, ouviu atentamente e, embora não concordasse, engoliu tudo em seco. O freguês por sua vez, também saiu demonstrando não estar satisfeito. Esperava ser melhor atendido pelo gerente.

Ao retornar à cozinha, sua esposa estava concentrada no celular e não ouviu o que ele perguntara. Irritado quis ver aquilo que a deixava tão concentrada, que não lhe dava atenção. Quis tomar o celular à força. Ela mais rápida que ele, levou as mãos para trás. Por mais que tentasse ela não permitia. Desesperado pegou uma faca que estava sobre a mesa. Apontou na direção dela e gritou para que entregasse o celular. Ela com medo e estranhando a atitude dele:

— Não faça isso!

Num gesto de desespero, querendo demonstrar que ele era capaz de pelo menos uma reação na vida. Cravou a faca com toda força no ventre da esposa. Ela gritou. Ele se afastou, como não acreditando no que via.

Várias pessoas correram para socorrê-la Ele se sentou numa cadeira e começou a chorar desesperadamente.

Depois de alguns meses, a ex-funcionária do Café Sedução, Maria Imaculada dos Anjos, agora trabalhando como vendedora de perfumes e cosmético a domicílio, vai, pelo menos uma vez por semana, ao presídio, visitar seu ex-chefe e ex-amante, também ex-gerente do Café Sedução, Arcanjo Fortunato dos Prazeres.



PRAIA DOS AMORES - Hélio Fernando Salema

 


PRAIA DOS AMORES

Hélio Fernando Salema

 

Há vários anos que a família de Santiago dos Santos, no verão, viaja da pequena cidade no interior do Estado, para o litoral. Viagem longa, cansativa, mas sempre muito gratificante. Normalmente tinha a companhia de outras famílias da mesma cidade ou de cidades vizinhas.

Desta vez, no entanto, viajaram somente os três. Santiago, a esposa Madalena e a única filha, Melissa. Também desta vez resolveram ficar num hotel de frente para a praia.

No mesmo andar do hotel se hospedaram, o casal Ricardo e Selma. Residentes na Capital. Este ano para comemorar o quinto aniversário de casamento, escolheram ir para o litoral e não viajar para a fazenda dos pais de Selma no interior.

Numa manhã de sol com todo esplendor, a multidão de turistas lotava a praia. O casal aluga uma tenda e cadeiras. Apesar de parecer que não havia mais espaço, o dono das cadeiras, acostumado com a situação, vai procurando. Muito habilidoso que é, e também interessado em atender seus clientes, consegue um lugar para colocá-los. Finalmente, instalados bem perto da família Santiago.

Enquanto eram colocados os apetrechos de praia na barraca, Ricardo percebeu que a jovem, que estava junto com os pais, olhava em sua direção. Para não deixar que sua esposa percebesse, evitou olhar e se posicionou de costas.

Não demorou muito para a jovem levantar-se e ir em direção ao mar. Ricardo pode então admirar todo o monumento da natureza física, que desfilava, tendo o céu e o mar ao fundo, como querendo abraçar todo aquele esplendor de juventude.

Em poucos minutos as esposas já se entrosaram, falando de suas cidades. Madalena ao saber que Selma residia na Capital, logo se apressou em dizer que jamais moraria numa grande cidade. Selma respondeu que também era nascida e criada numa pequena cidade. Assim que se casou teve que se mudar. Seu marido sempre morou e trabalhou na Capital. Bastou alguns meses, para ela se sentir à vontade.

Os maridos também, sem dificuldades, descobriram que torciam pelo mesmo time. Assim o assunto de futebol dominou a conversa entre eles.

Melissa ao retornar junto aos pais, percebendo o entrosamento, aproveitou para ficar de pé, com a desculpa de pegar um pouco mais de sol. Por mais que Ricardo tentasse evitar, a todo momento a tentação vencia. Algumas vezes os olhares se encontraram e as reações foram inevitáveis. Certo momento Santiago percebeu, e uma preocupação atormentou aquele pai muito tradicional. Olhou para o relógio, chamou a esposa e filha para irem para o hotel. Tomar banho e almoçar antes que o restaurante ficasse cheio.

Durante o almoço nada de anormal. Saíram depois para andar pelas lojas. Esposa e filha aproveitaram para fazer algumas compras.  De volta ao hotel, quando estavam só os três, Santiago aproveitou e calmamente falou para a filha tomar cuidado com Ricardo. Era um homem experiente demais, pois sempre viveu na Capital. Também por ter demonstrado não ser uma pessoa da qual se podia confiar. Que não era capaz de respeitar qualquer pessoa. Melissa ouviu em silêncio, já que nunca se atreveu a contrariar o pai.

No dia seguinte Santiago escolheu um outro ponto da praia para ficar com a família. No restante do dia não se encontraram com o outro casal.  À noite, quando eles estavam sentados no calçadão apreciando as belezas do luar sobre o mar, Melissa disse que ia até a sorveteria.  Afastou dos pais e caminhou ansiosamente.  Como demorou, seu pai preocupadíssimo, foi procurá-la. Deixando a esposa sozinha. Não viu sua filha na sorveteria, nem nas proximidades. Continuou a procurar sem êxito durante alguns minutos. Ao se aproximar de um bar, viu sua filha saindo daquele local. Ficou paralisado. Não teve forças para se locomover, nem voz para chamá-la.

Enquanto ela se afastava, ele respirou fundo e conseguiu dar alguns passos. Lentamente conseguiu chegar até a porta do bar. Ao olhar para dentro, viu Ricardo sentado sozinho. O garçom estava próximo, parecia que estava pagando a conta. Deu mais alguns passos e ficou atrás de uma banca de jornal. Em poucos segundos Ricardo sai carregando um pacote, que parecia de lanche, e vai sozinho, em direção ao hotel.

Santiago volta ao local onde deixou sua esposa. Lá estavam as duas. Lembrando-se da reação que teve minutos antes, e temendo que se repetisse, ficou em silêncio.

Na manhã do dia seguinte, antes do sol nascer, a família Santiago retorna à sua pequena e tranquila cidade.

Duas semanas depois, Melissa que obteve uma excelente nota nos exames, recebe a notícia de que conseguiu vaga na Faculdade Federal de Medicina. Alegria total na casa. Mistura de risos e choros. O que para muitos parecia impossível, aconteceu. Primeira vez que ela tenta e consegue, o que ela mesma achava que seria muito difícil. A notícia de que era na Capital não abalou o entusiasmo de toda a família.

Poucas horas depois, lembrando-se de que outras moças da mesma cidade já cursavam a mesma faculdade. Começaram os preparativos para que a adorada filha fosse realizar seu grande sonho, um dia se tornar uma DOUTORA.

Depois de receberem informações a respeito da nova moradia para a filha, embarcaram os três para a Capital. Poucas dificuldades. Melissa ficou numa casa na qual duas conhecidas já residiam.

Após algumas semanas, Melissa estando a sós no seu quarto resolve pegar aquele pedaço de papel que Ricardo lhe entregou. Era o número do telefone do escritório e o melhor horário para encontrá-lo. Pensou duas vezes e o guardou.

Nos fins de semana, junto com as amigas, ia ao shopping comer alguma coisa ou tomar sorvete. Raramente ia ao cinema. Numa dessas idas ao shopping viu ao longe alguém que parecia ser o Ricardo. Foi naquela direção, mas não o encontrou.

Na segunda-feira resolveu ligar. Na primeira vez ele não estava. A secretaria disse que ele retornaria dali a pouco. No final da tarde ligou. Ele atendeu muito surpreso. Ficou mais surpreso com a notícia de que ela estava estudando na Capital.

Os telefonemas se sucederam. Os encontros aconteceram.


JORNAL DA CAPITAL

CASAL ENCONTRADO MORTO NO QUARTO DE HOTEL

Advogado casado, e jovem estudante solteira

Suspeita de vazamento de gás ou suicídio

O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

  O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA Pedro Henrique        Curioso é pensar na vida e em toda sua construção e forma: medo, terror, desejo, afet...