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quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

CAFÉ e TRAIÇÃO - Helio Fernando Salema

 

CAFÉ e TRAIÇÃO

Helio Fernando Salema

 

No café mais imponente da cidade, Café Sedução, a esposa do gerente, uma loira de olhos verdes, simpática e linda, trabalhava cuidando da qualidade dos produtos. Durante a noite fazia o curso de engenharia de alimentos. Ele, funcionário antigo do café, nunca quis estudar. Preferia nas horas de folga, se divertir com amigos.

Há poucas semanas uma nova funcionária, que só trabalhava durante o dia, atraiu a atenção de muita gente. Inclusive do gerente. Bem mais nova do que ele e a esposa, ambos na faixa dos quarenta, também tinha suas noites livres, pois não estudava. Apenas com o segundo grau, dava-se por satisfeita.

A troca constante de olhares e gentilezas aumentava a cada dia. Bastou um convite para tomar uns drinks. A noite era livre para os dois e ocupada para a esposa do gerente. Num barzinho, não muito distante e bastante reservado, os encontros tornaram-se frequentes. Até que ele conseguiu que um amigo lhe emprestasse o apartamento. Durante alguns meses, tudo transcorria na mais perfeita relação.

Com o fim do período das aulas, os encontros ficaram mais escassos. A esposa queria aproveitar o período de férias e ficar com o marido, sair à noite, no horário de folga de ambos, pois gostavam de teatro e cinema, mas não em companhia de amigos.

Para atender à esposa, ele foi obrigado a se ausentar do apartamento do amigo. A amante, com toda certeza, se viu abandonada. Num raro momento em que estiveram a sós, no café, ela reclamou da ausência dele. Ele se justificou, dizendo que no período de férias escolares não seria possível manter os encontros. Por mais que jurasse que estava com saudades, não a convenceu. Até que ocorreu o ultimato:

— A separação é a solução!

Temendo trocar a certa e tranquila relação, por uma outra, embora gratificante, não se sentiu atraído. Percebendo que ele “balançava” acrescentou:

— Se você foi sincero quando queria me conquistar, qual a dúvida agora?

Silêncio, foi a única coisa que ele pode fazer. Aproveitou que alguém lhe chamava, saiu rapidamente, sem dizer uma palavra sequer. Naquele silêncio e abandono, uma terrível luz acendeu na mente obscura.

O Café Sedução ficava num local muito movimentado. Perto de uma faculdade e vários prédios comerciais. Tinha uma freguesia bastante diversificada. Jovens estudantes, profissionais liberais e adultos de várias faixas etárias. A amante que era jovem, bonita e atraente não teve dúvidas. Escolheu um rapaz muito bonito, charmoso e que demonstrava ser um hábil conquistador. Assim provocaria ciúme ao seu amante. Todas as vezes que o rapaz chegava, ela como uma fera, que corre ao encalço da presa, se apressava em atendê-lo. Com aquele sorriso encantador e simpatia, não foi difícil atrair a atenção do jovem.

Dias depois, era ele quem a procurava assim que chegava ao café. A conversa entre eles despertou a atenção dos demais, inclusive do gerente.

Até que um dia, após aquela conversa amorosa, o jovem sai. Minutos depois um entregador chegava com um belíssimo buquê de rosas vermelhas. Após olhar atentamente para todas as funcionárias, identifica e entrega à linda e charmosa morena. Ao receber e ler o cartão, sorri prazerosamente, com uma felicidade jamais demonstrada por alguém naquele recinto.

O gerente imediatamente foi para a cozinha, como querendo se esconder e temendo demonstrar suas reações.

Os dias foram passando e o gerente cada momento demonstrava mais irritação. Não era mais tão atencioso com os fregueses, menos ainda com os funcionários, incluindo aí a própria esposa. Por outro lado, sua ex-amante cada dia mais radiante, alegre e por que não, mais atraente. Passou a frequentar academia, cabeleireiro e ao chegar estava sempre muito bem vestida. Chamando a atenção de todos.

A mudança do comportamento do gerente era evidente. Dia após dia, mais mal-humorado e de pouca conversa. Algumas noites antes de voltar para a casa, ficava nos bares bebendo até tarde. Não raro chegava em casa embriagado.

Após uma noite mal dormida, devido ao excesso de bebidas e “broncas” da esposa, chega ao trabalho ainda mais irritado. Vai até a cozinha e prossegue a discussão iniciada em casa. Ambos se irritam bastante. Chamado ao salão para atender a reclamação de um freguês assíduo, ouviu atentamente e, embora não concordasse, engoliu tudo em seco. O freguês por sua vez, também saiu demonstrando não estar satisfeito. Esperava ser melhor atendido pelo gerente.

Ao retornar à cozinha, sua esposa estava concentrada no celular e não ouviu o que ele perguntara. Irritado quis ver aquilo que a deixava tão concentrada, que não lhe dava atenção. Quis tomar o celular à força. Ela mais rápida que ele, levou as mãos para trás. Por mais que tentasse ela não permitia. Desesperado pegou uma faca que estava sobre a mesa. Apontou na direção dela e gritou para que entregasse o celular. Ela com medo e estranhando a atitude dele:

— Não faça isso!

Num gesto de desespero, querendo demonstrar que ele era capaz de pelo menos uma reação na vida. Cravou a faca com toda força no ventre da esposa. Ela gritou. Ele se afastou, como não acreditando no que via.

Várias pessoas correram para socorrê-la Ele se sentou numa cadeira e começou a chorar desesperadamente.

Depois de alguns meses, a ex-funcionária do Café Sedução, Maria Imaculada dos Anjos, agora trabalhando como vendedora de perfumes e cosmético a domicílio, vai, pelo menos uma vez por semana, ao presídio, visitar seu ex-chefe e ex-amante, também ex-gerente do Café Sedução, Arcanjo Fortunato dos Prazeres.



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