A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

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sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

ROMANCINHO DE HELIO SALEMA - AS FAMÍLIAS (segundo colocado)

 


AS FAMÍLIAS

HELIO SALEMA



“Interpretações são frutos da mente humana”


CAPÍTULO UM



O clube mais imponente e luxuoso da região, no interior do Estado, estava repleto das figuras mais ricas, influentes e respeitadas da cidade. Era a festa do casamento mais aguardado dos últimos anos, Maria Helena e Augusto José. Das expectativas mais sonhadas, por aqueles que acreditavam que seriam convidados, às mais debochadas e desrespeitadas por aqueles, que com certeza, não iriam nem para catar os restos e limpar o chão.

 A decoração luxuosa e belíssima sem precedente no local. Iluminação perfeita, destacando cada detalhe, meticulosamente colocada para tornar o ambiente, não só agradável, mas causar um “frisson” a todos. A orquestra no palco dava um ar de cinema.

Horas antes à frente da principal igreja da cidade começavam a chegar pessoas das mais diversas classes. Eram fotógrafos, cinegrafistas, organizadores profissionais e até os músicos com seus violinos acompanhados das moças do coral. Como não poderiam faltar, curiosos convictos.

As organizadoras, muito educadas, tiveram dificuldade para acomodar os convidados e familiares, embora estivessem seus lugares previamente reservados.

Por mais organizadas, não foi possível evitar alguns problemas. O Senhor Prefeito, a primeira dama e filha chegaram pouco antes da noiva. Ficaram em pé por alguns minutos. Até que alguém resolveu ceder parte dos lugares ocupados por seus familiares. O que provocou espanto e comentários de alguns:

— Está querendo um emprego ou uma boquinha.

— É “puxa” profissional.

A chegada da noiva foi triunfal, na frente um carro com meninas vestidas impecavelmente. Cada uma trazendo uma rosa vermelha na mão esquerda e na direita buquê branco. Assim que o carro da noiva parou as meninas se posicionaram, formando uma passagem. A noiva desceu do carro e se posicionou entre as meninas. Embora sorrindo, demonstrava uma indisfarçável ansiedade.

Tudo isso exaustivamente fotografado e filmado. Depois de longos minutos se dirigiram até a porta da igreja, sempre as meninas à frente. Novamente, uma longa espera. Finalmente, de fora, ouvia-se um som vindo de dentro da igreja.

Era o rufar dos tambores. Em seguida, o som dos clarins. Após um silêncio, a porta se abriu e lentamente, as meninas entraram demonstrando que foram muito bem treinadas. Finalmente a noiva entra ao som de violinos, tocando a AVE MARIA. Quando a noiva estava na metade do trajeto, foi a vez do coral, acompanhado dos violinos, cantar AVE MARIA. Uma cena que jamais será esquecida por todos aqueles que tiveram o privilégio de ali estar. Principalmente no momento das alianças, quando os violinos tocavam uma música bem conhecida e o coral, repetidas vezes, cantava:

— FICA MAL COM DEUS QUEM NÃO SABE DAR, FICA MAL COMIGO QUEM NÃO SABE AMAR.

Na saída, assim que os noivos atravessam a porta, ouve-se um barulho. Um helicóptero despejava pétalas de rosas brancas e vermelhas sobre os noivos, todos ficaram incrivelmente, surpresos. Exceto um dos padrinhos que sorria a todo vapor, como alguém que dá, e ao mesmo tempo, recebe o presente.

Na chegada dos convidados ao clube, mais trabalho para os organizadores: levar cada família até à mesa previamente reservada. Muito depois de estarem todos acomodados, chega o casal.

Novamente, um momento de esplendor, a orquestra começa a tocar uma música empolgante e triunfal. Os noivos entram acompanhados pelos familiares. Ao se acomodarem, o noivo vai até a orquestra pega o microfone, a orquestra começa a tocar uma música e ele canta para a noiva … “Minha Namorada”.

O desempenho do noivo foi esplêndido, recebeu da noiva, em lágrimas, um prolongado abraço e, beijos. O público aplaudiu de pé por um longo tempo. Enquanto isso a orquestra tocava músicas suaves, complementando assim com um ar de romantismo a belíssima festa. Os noivos dançam ao som de “Suave é a Noite”. Em seguida, ainda dançando, convidam todos a participarem. Em poucos minutos o salão estava repleto. Tudo tão maravilhoso, como num filme dos velhos tempos.

Quando os noivos acabaram de se despedir, mesa por mesa, e saíram, uma multidão foi até o lado de fora para bater palmas e cantar. Muitos ainda queriam cumprimentá-los mais uma vez.

A festa acompanhou a madrugada. Os últimos convidados, ao saírem, se depararam com o clarão do sol, avisando aos boêmios que já era outro dia, havia muito tempo.



CAPÍTULO DOIS



Hoje, dia do meu aniversário. Vinte e cinco anos, último ano de faculdade e bem de saúde física. Emocionalmente arrasado. Nos últimos anos, agora, eu estaria junto com amigos.

Independente do lugar, da hora e de qualquer coisa.

Não sei se foi destino ou fatalidade. Há duas semanas perdi dois amigos num acidente de carro. Sorte não estar naquela viagem, simplesmente, porque não aprecio show de rock.

Ficar em casa e conversar com meu avô Giba. Ouvir minhas músicas preferidas da MPB, e curtir o frio, coisas que me agradam. Receber alguns telefonemas, certamente, pois avisei que não haveria comemoração. Tomei esta atitude mesmo sabendo que a presença de uns poderia amenizar a ausência dos outros.

Ainda há pouco, quando Dona Abaci chegou e me deu os parabéns, eu lhe disse que meu único presente hoje, será dado por ela. Um prato de nhoque, aquele maravilhoso que só ela sabe fazer. Também é o preferido de meu avô Giba. Ela mudou sua expressão de espanto por um sorriso de satisfação. O que me fez muito bem.

Eu e meu avô usufruímos aquele maravilhoso almoço. Lembramos e comentamos como Dona Abaci transformava a casa num verdadeiro lar. Daqui a duas semanas meu avô Giba completará 80 anos e disse que desejava repetir a comemoração.

Depois fomos para a cobertura conversar. Estava um dia claro e agradável, podíamos desfrutar da paisagem. Aproveitei para falar que estava começando a escrever a história de nossa família. A partir do meu nascimento. Pensei que ele fosse relatar detalhes, mas preferiu ficar pensativo. Então falei de como me agrada olhar daqui de cima e ver como é grande, magnífica e linda nossa capital. Ele que também nasceu e cresceu aqui, sempre demonstrou ser grande entusiasta desta metrópole. Falou de como o bairro evoluiu nestes últimos anos.

Em seguida para eu não voltar ao assunto perguntou pelos preparativos da formatura. Falei que pouco sabia, já que não participava da organização. Parecia que estava indo bem, apesar das divergências de costume.

Resolvi comentar sobre meu outro plano na certeza de que ele participaria. Minha carreira como advogado, junto com o Doutor Luís Castro, que alugara a nossa sala, onde meu pai trabalhou. Foi uma conversa longa e muito boa, pois meu avô sempre me apoiou na minha escolha profissional. Muitos elogios ao Dr. Luís Castro, filho de um dos seus melhores amigos.

Concluiu dizendo:

— Família de pessoas competentes e honestas. Com certeza você estará num bom e acolhedor ambiente de trabalho.

Até que o efeito do almoço lhe deu sono e ele foi cochilar. Fui para o meu quarto, preparei os objetos necessários para iniciar aquela árdua e longa tarefa. Relatar fatos dos parentes e amigos, com certeza seria a parte mais difícil. Fiquei em dúvida se conseguiria. Resolvi primeiro me deitar e ouvir música.



CAPÍTULO TRÊS



No dia seguinte, os noivos embarcaram para um cruzeiro de vinte dias por vários países. Os pais recebiam, quase todos os dias, notícias e as comentavam com os demais parentes. Também com amigos que ansiosamente, aguardavam por notícias.

Poucos dias antes do retorno, começaram os planos para recepcioná-los. Alguns gostariam que fosse uma segunda festa. Outros pensavam que, após uma viagem cansativa, seria melhor uma recepção breve. Prevaleceu o grupo festeiro. Imediatamente iniciaram os preparativos.

A decoração ficou a cargos dos familiares. Escolheram algo que lembrava a cada um dos noivos acontecimentos de sua infância e juventude. Também do início do namoro. Como surpresa um enorme painel com as fotos da cerimônia na igreja e da festa no clube. Numa sala especial foram colocados todos os presentes, ainda na embalagem, com os respectivos cartões.



CAPÍTULO QUATRO



Poucos dias após meu nascimento minha mãe veio a falecer. Sempre foi uma pessoa frágil e doente. O que provavelmente levou meu pai a aceitar morar com sogro e cunhada. Era uma casa grande, bonita e confortável. Onde moramos até o falecimento de meu pai, cinco anos após o da minha mãe.

Meu avô não quis continuar naquela casa. Era muito grande para ele, tia Cristina, que naquela época já estava noiva, e eu. Quando passo por lá vejo e admiro a casa, mas não me lembro dos detalhes internos.

Hoje a minha família se resume em mim e meu avô. Minha tia Cristina casou e mudou-se para os Estados Unidos. Seu marido já vivia lá algum tempo, trabalhando como piloto de avião comercial.

Estudei na melhor escola da capital. Frequentei os melhores clubes, mas as minhas reais amizades eram de poucos amigos, não mais que meia dúzia. Nenhum me acompanhou na faculdade, escolheram outros cursos. Um deles, Fabrício, junto com os pais, foi para Portugal. Reduzindo a dois, os mais ligados, até que aconteceu o acidente fatal. A partir daí minhas amizades foram bastante superficiais.

A família de meu pai sempre morou no interior, numa pequena cidade. Muito longe, estrada horrível. Só fui lá duas vezes, no aniversário do meu avô José, quando ainda era criança e depois quando ele faleceu. Na primeira vez eu e meu primo Felipe brigamos. Ele me xingou e disse que eu não era da família. Imediatamente, meu avô José interveio e zangou-se muito com ele. Isso me magoou mais do que os socos e empurrões. Até hoje quando me lembro da maldita frase, me entristeço. Também por não saber se é verdadeira ou não. Está dúvida me corrói. Nunca consegui uma resposta convincente.

Quando do falecimento do avô José, conheci uma de minhas primas, Maria Helena, muito simpática, bonita e bastante atraente. Muita semelhança com minha mãe, além do mesmo nome, principalmente, nos retratos de minha mãe adolescente. Conversa agradável que durou muitas horas. Mais satisfeito fiquei quando Felipe apareceu e ela me disse que o detestava.

Ela é a única pessoa da família do meu pai e daquela cidade que eu gostaria de reencontrar.



CAPÍTULO CINCO



 No porto, duas famílias vindas do interior, aguardavam com muita alegria e ansiedade o atracamento do navio, que trazia o casal. Vieram numa caravana de vários carros para conduzi-los até a cidade natal, onde uma grandiosa festa já estava pronta, no haras dos pais da noiva.  Só para os membros de ambas as famílias.

A festa durou o sábado inteiro, inclusive com “palestras” sobre a viagem.  No domingo o tradicional “enterro dos ossos”. Os recém-casados só iniciaram vida normal na segunda-feira, quando puderam, a sós, entrar na rotina da vida a dois.

O marido ainda teve uma semana de férias. Aproveitou para acompanhar a esposa ao haras. Ela que sempre foi apaixonada pelos animais mais contente ainda estava, pela companhia dele nesses dias.

Quando o marido voltou a trabalhar, Maria Helena além de cuidar da casa, continuou participando da administração do haras, o que sempre fazia desde o início da adolescência junto com o pai. O contato com os animais e o ambiente lhes davam segurança e tranquilidade. Principalmente, pelos bons resultados obtidos em concursos. Além dos prêmios e recursos financeiros.

Com o falecimento do seu pai, dois anos depois, assumiu inteiramente a administração sem atropelos.



CAPÍTULO SEIS



Na semana seguinte após completar 85 anos, meu avô Giba, acometido por um mal súbito, teve que ser hospitalizado. O médico recomendou a internação para fazer exames e avaliar melhor. Quando estávamos a sós me avisou que, aparentemente demonstrava um quadro grave, que necessitava de uma avaliação junto com outros médicos. Preocupado e faminto fui à procura de algo para comer.

 Na lanchonete do hospital encontrei Bárbara, uma amiga, que conversava com uma mulher muito bonita e atraente, tanto quanto um prato de nhoque para quem estava faminto. Por alguns instantes, fiquei de longe, deslumbrado, olhando as maravilhas que a natureza produziu e o meu coração sucumbiu. Não demorou para que Bárbara me visse e acenasse para eu ir aonde elas estavam.

Ao me aproximar a linda flor me fitou com um olhar que não consegui entender e me deixou bastante confuso. Percebi a aliança e o meu coração gelou, tão de repente que comecei a sentir todo o meu corpo congelado. Fomos apresentados, mas gelado ainda fiquei ao ouvir:

— Prazer, Maria Helena.

Não lembro o que eu disse, ainda bem que Bárbara começou a falar que Maria Helena era filha de uma conhecida, que residia no interior. Que o marido Augusto José estava na sala para uma cirurgia do coração. E a convenceu a se alimentar, já que a cirurgia seria longa. Aproveitei para falar do meu avô que estava internado para fazer exames. Maria Helena falou da sua preocupação com a cirurgia do marido, e também com os sogros que residiam no interior, e que certamente estariam aflitos.

 Aproveitei para lanchar junto com elas. Assim que terminaram, elas foram para o quarto aguardar as notícias. Fiquei sozinho, pensando… “Maria Helena … A segunda mulher que vejo, que subitamente me encanta e que tem o mesmo nome de minha mãe”.

No dia seguinte nos encontramos no elevador do hospital. Perguntei como o Augusto estava passando, ela respondeu que estava na UTI e passava bem. Em seguida a porta do elevador se abriu, ela se despediu e saiu. Minha cabeça fervia de pensamentos e desejos. Desejos naturais para um homem no início dos seus trinta anos. Diante de uma mulher formosa em tudo que era visível e mais ainda no imaginário.

Ao chegar ao quarto, no dia seguinte, meu avô estava acordado, notei-o abatido, quieto e pensativo. Cumprimentei. Ele respondeu, mas não me perguntou nada. Era normal ele querer saber alguma coisa. Respeitei o silêncio dele, embora tenha ficado muito preocupado.

Depois de alguns minutos ele olhou para mim e começou a falar:

— Acho que há uma coisa importante para você relatar na história da família. A morte do seu pai não foi apenas um acidente. Embora ele estivesse muito ferido, havia uma bala no crânio. A polícia da cidade onde ocorreu o acidente investigou, mas não obteve resultado. Algumas pessoas sugeriram que contratássemos uma investigação particular. Eu e sua tia decidimos deixar por conta da polícia. Consideramos que seria melhor nos preocuparmos com você e seu futuro. Pois nenhuma novidade poderia trazer seu pai de volta.

— Não havia nenhuma desconfiança?

— Desconfiança não resolveria. Talvez trouxesse mais aborrecimentos e tristezas. Depois, longo silêncio e um suspiro profundo:

— Quando seu pai tinha pesadelos falava:

— Marieta… Marieta… Cuidado com os cavalos.

— Uma única vez perguntei-lhe quem era Marieta, ele não respondeu. Isso começou depois que terminou a sociedade com Dr. Antônio. Também passou a apostar em cavalos. Viajar nos fins de semana e beber, mais que o normal.

— Por que desfizeram a sociedade?

— Nunca quis dar detalhes. Apenas disse que saiu da sociedade. Não queria trabalhar com um traidor. Muito estranho, já que eram amigos desde o colégio. Dr. Antônio voltou para seu estado de origem, e nunca mais tivemos notícia alguma.  Sentimos sua falta. Pelo menos uma vez por semana, jantava conosco e tínhamos uma boa conversa.

— O que levou meu pai a passar os imóveis para o meu nome?

— Foi depois de uma conversa longa e difícil que consegui convencê-lo a passar os imóveis para o seu nome e os aluguéis depositados na minha conta. O que permitiu manter o nosso padrão de vida.  Os rendimentos obtidos no escritório, ele gastava tudo. Ele sempre dizia que era um aventureiro convicto. Eu nunca duvidei e pensava, comigo mesmo, “aventureiro irresponsável”.

Dois dias depois meu avô faleceu. Senti então o peso e a responsabilidade de ter que viver sozinho. Não ter com quem conversar sobre coisas importantes e ao mesmo tempo banais. A solidão que talvez já existisse, fez sentir sua presença.

No velório Bárbara e o marido chegam juntos com Maria Helena, que me abraçou e beijou meu rosto, como se já nos conhecemos de longa data. Para colocar minha cabeça no lugar, perguntei pelo marido. Ela disse que estava bem, já no quarto, e mandou condolências. Fiz questão de agradecer.

Alguns minutos depois falou que tinha que ir, novamente me abraçou fortemente. Mas desta vez não teve beijos.

Semana seguinte, Bárbara me avisou que o Augusto teve alta e já estava em casa no interior. Pensei…Era a senha para eu esquecer aquela mulher. Minha companheira estaria à minha espera em algum lugar desta grandiosa cidade. Talvez mais perto do que eu poderia imaginar. Era uma questão de tempo, mas quão terrível é a espera.



CAPÍTULO SETE



Ledo engano. Duas semanas depois Bárbara me liga, avisando que o Augusto falecera. Pediu minha companhia para ir ao velório. Fiquei pensando se deveria ir, enquanto ela dava detalhes. Concluí que seria melhor ir. Era sábado, eu não tinha nenhum compromisso. Não ficaríamos para o enterro. Voltaríamos cedo, pois Bárbara tinha um compromisso à noite.

Durante a viagem conversamos muito sobre o acontecido. Ela falou que havia poucos dias Maria Helena telefonou e comentou estar preocupada, pois o marido sentia dores no peito, mas ele achava que era normal.

Alguns minutos de silêncio, em seguida disse estar contente com a minha companhia e que também Maria Helena certamente ficaria.  Achei estranha a maneira dela ao fazer este comentário.  Fiquei aguardando a continuação, apesar de ansioso para saber o porquê, não me atrevi a perguntar.

Comentou sobre a bela paisagem da estrada, o que concordei, em seguida falou que Maria Helena, sempre que se comunicava, perguntava por mim ou falava alguma coisa a meu respeito. Nesse momento pensamentos bons, e outros não tão bons, brigavam na minha cabeça.

Ao chegarmos ao velório eu me senti confuso. Lembrei-me de como ela me tratou no do meu avô. Faria a mesma coisa? Certamente que não. Cumprimentaria sem abraço e, beijos. Muita gente estranha para mim, poucas pessoas conhecidas de minha amiga também. Pensei “estou em terras alheias”. Todo cuidado é pouco.

Ao entramos na capela Bárbara cumprimentou algumas pessoas da família e me apresentou.

Quando Maria Helena nos viu, veio ao nosso encontro, abraçou Bárbara longamente, chorando. Eu, ao lado, tremendo sem entender o porquê. Ela parece que se acalma, olha para mim, vem ao meu encontro. Soluçando me abraça e com voz trêmula agradece minha presença:

— Obrigado por vir, José Antônio.

Outras pessoas se aproximam, ela sai dos meus braços e vai se afastando. Que alívio. Fui saindo bem devagar em direção a um lugar com poucas pessoas. Mesmo longe dela eu me sentia fazendo parte daquela tristeza. Minutos depois minha amiga faz um sinal para sairmos.

Ficamos bem distante dos familiares. Mais alguns minutos saímos sem despedirmos. Pois o clima era bastante tenso.

Na volta incialmente falamos das perdas que já tivemos em nossas famílias. Lembramo-nos de amigos e conhecidos que também se foram. Ela falou da preocupação com a situação difícil da Maria Helena. Depois olhou para mim e completou que ela sem dúvida iria superar. Um olhar que me fez pensar se ela me imaginava fazendo parte da solução. Fiquei só na imaginação. Não tive coragem de perguntar. Fui um covarde ou precavido?

Em casa tomei um banho. Liguei a televisão, mas não conseguia pensar em outra coisa ou outra pessoa. De tanto pensar nela cheguei a acreditar que ficaria maluco.

Semana difícil, os dias não passavam, nem o trabalho me distraía. Ainda mais ao atender uma cliente. Inventário de uma viúva residente no interior, a qual um amigo me indicara.

Na semana seguinte não resisti, assim que consegui o telefone, liguei dizendo que estava muito preocupado com ela. Conversamos sobre nossas perdas e que deveríamos ter esperança de dias melhores. A partir daí nossas conversas tornaram-se quase diárias.

Passados alguns meses, apesar de temer a reação dela, tive a coragem de dizer que gostaria de uma conversa pessoalmente. Não respondeu de imediato. Maldito silêncio. Mais alguns segundos e disse que seria melhor esperar um pouco mais. Concordei. Assim continuamos nos comunicando por e-mail e telefonemas, por algumas semanas.

Novamente fiz o convite, a resposta foi aguardar passar seis meses. Quando finalmente concordou em nos encontrarmos, ela disse que havia discutido o assunto com a mãe, a qual sugeriu que eu fosse até lá, para uma visita.



CAPÍTULO OITO



Chegando à casa fui recebido por uma senhora simpática, toda de branco, que me explicou que D. Marieta e Maria Helena tinham ido ver o potro que acabara de nascer, mas que já estavam vindo. Sorridente me convidou para entrar.

Sentei-me na sala e poucos minutos depois ouvi barulho de pessoas chegando. Era Maria Helena que me apresentou à sua mãe. Ao ouvir seu nome, Marieta, me veio à lembrança o que, me fora dito, pelo meu avô Giba. Perguntou se eu tinha feito boa viagem. Pediu desculpas por terem chegado depois, e disse que a culpa era dela que, muito ansiosa com o nascimento do potro, fez a filha se atrasar. Sorri e disse que não havia problema, eu compreendia a situação.

 Maria Helena também estava toda contente. Fiquei na dúvida se era minha presença ou o nascimento do potro. Ficamos os três conversando. Eu disse que tive um pouco de dificuldade na entrada da cidade. Pelo que a mãe dela perguntou:

— É a primeira vez que vem a esta cidade?

 Não querendo mencionar o dia do enterro, respondi:

— Sim. Sua filha é que sempre falou coisas maravilhosas daqui.

 — Antes o senhor nunca ouviu falar da nossa cidade?

— Não. Meu pai tinha amigos aqui, há muitos anos.

— Mas ele nunca lhe falou nada?

— Não. Ele faleceu quando eu era pequeno.

Depois de alguns segundos, pensativa:

— Qual era o nome do seu pai?

— Dr. Calisto.  Heitor Calisto Flores dos Santos.

Silêncio e um olhar estarrecedor. Parecia que uma notícia inesperada e péssima havia chegado. Levantou-se e anunciou:

— Vou providenciar um café pra nós.

A sós, ficamos a meditar em silêncio.

Maria Helena quebrou o silêncio, perguntando como fora a viagem. Respondi, tranquila e com muita expectativa. Ela sorriu e acrescentou que também esteve muito ansiosa nos últimos dias:

— Ansiosa com o nascimento?

Sorrindo, exclamou:

— Também.

E começou a falar sobre o potro, evitando naquele momento falar dos próprios sentimentos.

Sua mãe chega e avisa que a mesa de café já estava pronta.

 Durante o café nos falamos pouco. Ao término D. Marieta suspira e começa a falar, pausadamente:

— Ficarei muito contente se vocês continuarem com a amizade através da internet e telefonemas.

Maria Helena se assusta, olha para a mãe e pergunta:

— Mãe, por quê?

Aquela senhora que até o momento demonstrava ser forte e segura, coloca as mãos postas em frente ao rosto, como se solicitasse ajuda divina. E em desabafo de um grande peso:

— Filha…você foi fruto de uma paixão divina, arrasadora e obsessiva com um conquistador aventureiro.  VOCÊS SÃO IRMÃOS!


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