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terça-feira, 30 de julho de 2024

Faz tanto tempo… - Hirtis Lazarin

 



Faz tanto tempo…

Hirtis Lazarin



Apesar dos quase oitenta anos, ele caminhava em ritmo acelerado pela trilha estreita, esquivando-se dos arbustos espinhosos e agressivos. 

Em casa, a esposa inquieta “ranzinzava” da cozinha pra sala, da sala para o quarto, do quarto pra janela da sala, aguardando a chegada do Joaquim. Franzia e apertava os olhos pra que a visão chegasse mais longe. Os óculos estavam quebrados. “Ele é muito teimoso. Insiste em ir sozinho até a vila. Que Nossa Senhora o proteja! Percebi que hoje ele estava mais lento das ideias”.

Dona Rosa correu até o pequeno altar da santa protetora e acendeu outra vela.

Meia hora mais tarde o homem chegou esbaforido, pingando suor. Jogou-se numa cadeira de palha. Todas eram de palha e já bem esgarçadas. Bebeu num gole só quase meio litro de água. O cachorrinho pulou no seu colo e Joaquim afastou-o. Estava cansado e sem ânimo para brincar. 

Arrastando os passos, chegou ao banheiro que ficava do lado de fora. Tomou um banho bem rápido pra evitar desperdício de água. O dinheiro da aposentadoria mal dava pro arroz, feijão, um pedacinho de carne e muitos remédios. Há algum tempo ele deixou de cuidar da horta que os servia com verduras e alguns legumes. O peso dos anos vividos causa estrago no corpo.

Enquanto Rosa preparava o jantar, Joaquim sentou-se nos degraus à frente de casa. Acendeu um cigarro e, entre uma baforada e outra, pôs-se a prestar atenção na paisagem. Sentiu-a melancólica. A tarde estava diferente das outras. Era o outono chegando trazendo um cheiro sonolento. A mangueira, até então verde brilhante, amarelecia. Muitas folhas já se soltaram dos galhos, deixando-se levar.

Lá embaixo, no píer abandonado, um barco pintado de azul à espera de mãos que o tirassem do ócio.

Uma viagem no tempo levou o velho senhor há muitos… há muitos anos. Apareceu nesse cenário um menino de oito anos que o acompanhava nas pescarias. Ajudava a cavar o chão à procura de minhocas, a carregar as varas com cuidado e, pacientemente, esperar os peixes se confundirem nos anzóis prisioneiros. Era uma felicidade maior que o mundo. Tudo aconteceu como tinha que ser.

Seu Joaquim, homem de olhar analítico e personalidade forte, aprendeu, não nos livros, e sim com a vida. Aprendeu onde nadam os peixes, pra onde voam as andorinhas, pra onde vão as correntes marítimas e se aquelas nuvens trariam chuva. E, pra dar certo, tudo tem que ter planejamento, que não vivemos sempre na calmaria, mas que ela volta. Temos que aprender a esperar…

Dona Rosa observava-o na porta. “Joaquim, a janta tá pronta”.

Sentados à mesa, a mulher nem percebeu que, dos olhos vermelhos do marido, escorreu um punhadinho de lágrimas, caiu no prato e deixou a sopa um tantinho mais salgada.

 

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