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terça-feira, 30 de julho de 2024

AMOR NA TARDE! - Dinah Ribeiro de Amorim

 





AMOR NA TARDE!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Fui descansar na casa de praia de um amigo, precisava de férias.  Local isolado, mas simpático, pequena construção em palafitas, no alto de um morro, para evitar a maré alta ou deslizamentos com fortes chuvas.

Logo cedo, mal o sol nascia e o dia clareava, levantava-me e ia passear na praia.

Molhava meus pés cansados e já gastos pela idade, nas primeiras ondas geladas que morriam na areia.

Observava, calmo, como criança, algumas conchas róseas e tartaruguinhas, recém-nascidas que procuravam o mar. Gaivotas voavam baixo, tentando abocanhá-las.

Numa dessas manhãs saudáveis, sentia-me melhor, avisto ao longe um vulto feminino que se encaminha em minha direção.

Uma mulher não muito jovem nem muito esbelta, de chapéu de abas largas e saída de banho esvoaçante, que anda devagar, saboreando também com os pés, a leveza das ondas.

Ao cruzarmos, olhamo-nos interessados como dois estranhos, numa praia deserta, que se cumprimentam, por educação.

Reparei que tirou os óculos, ao me ver e pude observar um par de olhos escuros, de brilho esverdeado, bastante chamativos e atraentes.

Sua fisionomia também era agradável e simpática, aparentando, apesar da idade um pouco avançada, grande vivacidade e energia.

Cumprimentamo-nos e seguimos nossos rumos diários.

Eu voltei para casa, mas, aqueles olhos, não me saiam da cabeça.

Continuei a andar, todas as manhãs, esperando encontrá-la. 

A solidão do local era agradável, sem barulhos de gente, aparelhos ou bichos. Ouvia-se apenas o movimentar das ondas que desmaiavam, sonolentas, até a areia e, outras, mais altas, movidas pela ventania, que batiam contra as rochas, no limite da praia. Beleza de paisagem litorânea.

Comecei a andar pelos arredores, um pouco além de onde estava.

Percebi algum movimento de pessoas, ultrapassando a região dos morros.

Pequenos grupos de jovens acampados, alguns tocando instrumentos pequenos, sons de músicas e vozes.

Um ou outro quiosque aqui e ali, com bebidas e alguns quitutes de praia.

Um pouco de gente também a fim do descanso das cidades e amantes da imensidão do mar. Ao longe, pequenas embarcações coloridas, balançavam, solitárias, à espera dos seus donos. Tudo convidando ao sabor da natureza e esquecimento de problemas. Belezas das praias.

Chego mais perto desse ajuntamento, um pouco tímido, sem demonstrar muita curiosidade, um estranho andarilho pela solidão local e avisto, num relance, a mesma figura feminina que me atraiu com seus olhos.

Sentada, bebericando um aperitivo, olha, sonhadora, para as águas, meditando, talvez, em algo escrito no livro que deixou cair ao colo.

Aproximo-me, calmamente, a cumprimento e ofereço-me para sentar-me ao seu lado. Uma boa dose de conversa seria interessante, para mim, um homem sozinho e, quem sabe, para ela, aparentando estar só.

Exibiu-me um belo sorriso convidativo e colocou seu livro fechado em cima da mesa. Ofereceu-me o drinque, que parecia saboroso, chamando o rapaz que a servia, delicadamente.

Assim, iniciei um bate-papo gostoso, que se estendeu por várias manhãs, enquanto estivemos juntos, nesse local.

A conversa iniciou-se com a nossa necessidade de descanso, trabalho excessivo, falta de distração até se encaminhar para família, tipo de trabalho, cuidados, atenção e sentimentos.

Valéria, além de mulher bonita, pareceu-me inteligente, simpática, atraente. Não sei se correspondi também a essas qualidades, mas sorria frequentemente, respondia meus assuntos com comentários e novas afirmações. Era uma escritora em férias, cansada, à busca de novas ideias.

Eu, um advogado também cansado, às vésperas da aposentadoria, queria esquecer um pouco das palavras divórcio, separação, guarda dos filhos, compartilhamento, divisão de bens, etc.

Valéria contou-me com poucos detalhes que era divorciada há anos, com dois filhos casados e quatro netos, adoráveis, conservando boa amizade com o ex-marido, já casado com outra e filhos menores.

Trabalhou um tempo como professora estadual de literatura, aposentando-se recentemente para dedicar-se a escrever, sua grande paixão. Já havia escrito alguns livros de sucesso, quando resolveu dar um descanso à mente ou preenchê-la com novidades.

Hospedou-se em pequena pousada de amigos que deixaram a cidade e buscaram as praias.  Já estava lá uns dez dias e gostando muito.

Eu, num bangalô também de amigos, há dias, contei-lhe que era viúvo, com esposa falecida de câncer há uns quinze anos, possuía um filho, estudando, atualmente, na Inglaterra, fazendo mestrado em paleontologia, assunto que o apaixona. Talvez nem voltasse mais ao Brasil. Falávamos através do Face-Time, toda semana, essa grande invenção. Preocupado comigo, queria que fosse viver com ele, mas ainda não tive coragem. Acostumado ao Brasil, com o nosso meio, reclamamos de muita coisa, mas não queremos mudar de vida, assunto que Valéria também concordou.

Das conversas amigas, passamos para caminhadas pelas praias, até conhecermos toda a região. Cansados, descansávamos nas barracas ou à beira-mar, com preguiçosos mergulhos, secando-nos ao sol.

Os amigos de Valéria, ao saber de nosso relacionamento, convidaram para um gostoso almoço, um peixe ensopado da região, conhecido como robalo, e uma farofa com arroz, à moda da casa. Foram muito gentis e terminamos com um bom vinho tinto.

Meio entontecido, bastante alegre, saí de lá achando que havia tido um momento memorável em minha tranquila e silenciosa vida. Devia isso, em grande parte, à companhia de minha nova amiga Valéria, a presença que estava ocupando, aos poucos, meus momentos e pensamentos.

 

Resolvi convidá-la também para almoçarmos no bangalô, embora desconhecesse como cozinhar corretamente os pratos principais. Ia tentar algo simples, e esconder, na realidade, o motivo principal, a sua companhia.

Valéria chegou, sorridente, como sempre, e, auxiliando-me, já retomamos nossas conversas intermináveis. Dessa vez, um aviso da editora. Estavam para lançar um novo livro e pediam sua presença para algumas correções e avaliação. Já estávamos falando, com tristeza, de retorno à cidade.

Mesmo assim, nosso almoço agradável, embora meio feito às pressas, sem muita habilidade, foi bom e, como sempre, permanecemos satisfeitos juntos.

Não sei se foi a pequena chuva que caiu de repente, a alegria de estarmos um com o outro, novo sentimento nascendo, o dia transcorreu rápido e adormecemos juntos, numa noite inesquecível, há muito tempo, novidade, para os dois.

Acordei feliz, na manhã seguinte, com um leve aroma vindo da cozinha, tapioca de bananas e café, diferente das minhas antigas manhãs rápidas e insípidas.

Permanecemos juntos por mais uma semana, Valéria transferindo seus pertences para o bangalô, até resolver voltar a São Paulo, por necessidades do livro a editar, e eu prometendo voltar a encontrá-la, alguns dias após, retornando também ao meu trabalho.

Nossos dias felizes não terminaram como um simples relacionamento de férias, continuamos a nos ver com maior frequência, terminando por morarmos juntos, em meu apartamento, um pouco maior que o dela, e a tentativa de um novo casamento para os dois, mais tarde.

Foram anos de convivência amigável, apaixonada e nada monótona, com nossas viagens frequentes a lugares desconhecidos e pitorescos. Fomos várias vezes à Inglaterra, visitar meu filho, já casado, com um filho de três anos.

Eu, que me sentia, anos antes, em final de vida, encontro, após aquelas férias, um recomeço, uma nova tentativa de felicidade.

O tempo, esse companheiro inseparável, amigo às vezes, inimigo quase sempre, cansou-se dos momentos felizes, aparecendo em Valéria, após dez anos, uma doença incurável, principalmente para uma escritora, amante das ideias aventureiras, o terrível mal de Alzheimer, em processo rápido. Após várias consultas a famosos especialistas, tentativas de internações em clínicas especializadas, chegou o momento de nossa separação mental, quando já não me reconhecia mais, seu amor na tarde, como dizia sempre. Enquanto suas células mentais morriam, desfaleciam também as minhas faculdades emocionais, meu coração desmoronou.

Vencida pela doença e debilidade física, seus momentos de ausência não demoraram a tirar-lhe a vida, deixando-me viúvo entristecido pela segunda vez.

Vejo-me agora mais velho, andar lento, cabelos totalmente brancos, à espera do meu filho Alfredo e do neto Lucas, que avisto de longe, no aeroporto Heathrow, de Londres, para uma mudança de ares. Finalmente, vou morar com eles, vontade inicial dele, antes do meu feliz recomeço.

 

 

 

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