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quarta-feira, 22 de novembro de 2023

SVALBARD - Alberto Landi

 



SVALBARD

Alberto Landi

 

Há algum tempo, me inscrevi num site do Arquipélago de Svalbard

O objetivo era visitar o Silo Global de Sementes, apreciar a Aurora Boreal, as geleiras do Ártico e os costumes dos residentes. Decorrido bastante tempo recebi um convite para integrar um grupo com guia para visitação da ilha.

Parti de São Paulo rumo a Seattle com duração media de voo 17 horas numa distância de 11.000 km com escalas e de Seattle para Svalbard, com escala em Oslo, são mais 7 horas de voo, a uma distância aproximada de 6.000 km.

Quando o avião se aproximou do Arquipélago, pensei daqui se pode ir ao Polo Norte de trenó puxado por cães Huskys siberianos.

Quando chegamos no aeroporto recebemos roupas adequadas para a temperatura que iria fazer nos 4 dias de permanência. Tudo organizado para visitação.

Acho que esse lugar é um dos mais sigilosos do mundo, pode se comparar aos arquivos secretos do Vaticano.

Por ser um lugar tão isolado e de difícil acesso, tem algumas peculiaridades interessantes.

Devido ao grande número de ursos polares, qualquer pessoa ou grupo que passeiam precisam carregar rifles. Se um urso estiver correndo em sua direção, por lei, primeiro você tem que dar um tiro para cima, mas estiver a 200 m de você e não tem como fugir, só então poderá atirar.


As leis são extremamente severas para quem mata ursos.



É um lugar tão frio que os corpos não se decompõem. Quem morre em Svalbard tem que ser transportado para fora do arquipélago e ser enterrado no continente.


O mesmo acontece com nascimentos, a mulher tem que ser levada ao continente.

Durante o inverno fica no escuro por quase quatro meses, então é possível ver a Aurora Boreal a qualquer hora do dia, inclusive de manhã, após o sol nascer não é mais possível.

É um território ártico norueguês banhado pelo Oceano Glacial Ártico ao norte, pelo mar de Barents a leste e pelo mar da Noruega e mar da Groenlândia a oeste.

É o ponto da terra permanentemente habitado e mais próximo do Polo Norte.

A capital é Longyearbyen com aproximadamente 3.000 habitantes.

É formada por um grupo de ilhas e ilhéus.

No interior de uma montanha na ilha de Spilsbergen, há quase 1 milhão de variedades de sementes do mundo inteiro guardadas em segurança.

Este é o Silo Global de Sementes e um dos lugares mais sigilosos do mundo.

Fui informado bem antes da viagem que era quase impossível de entrar no silo sem estar credenciado, mas não era o meu caso, iria apreciar tudo com detalhes e com um grupo.

A coleção era formada pelos espécimes mais importantes de sementes cultiváveis do mundo.

Uma ilha 60% coberta de geleiras e 100% no meio do nada.

Eu pertencia a um grupo de pessoas convidadas na qual grande parte da viagem foi subsidiada pelo governo norueguês, a visitar as sementes de 12.000 anos de passado, presente e futuro da agricultura.

Lembrava uma fortaleza. Pensei, será que seria um excesso de zelo essa caixa forte? Será que estamos caminhando para uma extinção agrícola em massa? Creio que quase metade da alimentação ocidental se baseia em gramíneas, trigo, milho e arroz.

A Noruega com sua fama internacional de neutralidade e sem nenhuma grande participação na agricultura global defendeu a idéia de um estoque de reserva seguro e em 2007 assumiu o custo de nove milhões de dólares de construção desse silo, carinhosamente apelidado de Arco de Noé das sementes.

Foi erguido em concreto para durar dezenas de milhares de anos, foi projetado para suportar bombas e terremotos.

Além disso, por estarem profundamente inseridas na encosta da montanha, as três câmaras de armazenamento podem continuar congeladas 200 anos sem eletricidade, caso falte.

A entrada sai da montanha 130 metros acima do nível do mar, alto o suficiente para o caso de o gelo da calota polar derreter.

Em maio de 2017, após um inverno ameno, a água conseguiu se infiltrar pela entrada do túnel. Isso provocou um alvoroço na mídia. Todos diziam a salvaguarda do futuro alimentar estaria em risco? A resposta é não. Todas as sementes no fundo da montanha estavam salvas.

O nosso guia era um americano de meia-idade, Mr. Anthony, que nos brindou com muitos detalhes e curiosidades.

Ele era aposentado do FBI em Seattle, e estava tentando recapturar momentos no tempo quando ele havia sido grandioso em suas atividades. Passou 31 anos como agente. Era reconhecido por sua velocidade, seu pensamento ágil e aguçado.

Com seus 60 anos, achou que a aposentadoria não seria tão difícil. Tentou se ocupar do tempo ora lendo sobre armas, como eram fabricadas e as várias maneiras de uso, sendo essa bastante familiar pelo trabalho exercido, lia muito sobre ficção e sobre crimes virtuais. Porém, não conseguiu se realizar pós-aposentadoria até que surgiu uma proposta de trabalho como administrador do Silo Global de Sementes em Svalbard, na Noruega.

Apesar de ter um clima nada agradável, aceitou o desafio. 

Dentro do silo o frio parecia se prender ao revestimento curvo de metal ondulado das paredes da primeira passagem interna.

As lâmpadas fluorescentes que zumbiam em todos os 146 m de extensão do túnel acrescentavam um clima de estação espacial.

As paredes de aço se tornaram um duto grosseiramente aberto na pedra, e o frio aumentou muito.

As condições ideais para armazenar sementes a longo prazo são – 18C e ar muito seco.

O interior da câmara 6x27x10 parecia uma garagem bem arrumada.

Esse silo é uma iniciativa global com instituições de mais de 70 países e rara participação em comum de inimigos culturais e políticos.

As sementes ficam em caixas que nunca são abertas, são propriedades do depositante, Svalbard meramente as guarda só se extrairá se e quando os proprietários solicitarem. A maioria das caixas está cheio de dezenas de variedades de semente, seladas a vácuo em bolsas de Mylar com rótulos e códigos de barras do sistema de catalogação do próprio depositante.


O guia se posicionou diante de um espaço nas prateleiras e explicou que esses lugares vagos são fora do normal. As caixas de sementes são sempre guardadas na ordem de recebimento e não são catalogadas geograficamente.

Havia um local do Centro vazio porque o Centro Internacional de Pesquisa Agrícola em áreas secas, um consórcio sem fins lucrativos que realiza pesquisas em mais de 50 países, retirou uma parte de seu banco de sementes.


Preserva cultivares únicos de cereais, leguminosas e forrageiras originárias de lugares com grande importância agrícola no mundo.

Durante a guerra civil na Síria, esse Centro em Alepo, que já foi um dos mais importantes repositórios de sementes do mundo, em parte devido à relevância histórica da Síria como país de onde veio o trigo, teve de ser evacuado. Somente 87% da coleção de sementes puderam ser salvas.

Esse Centro requisitou suas sementes para que as variedades pudessem ser plantadas no Marrocos e Líbano, para assim refazer o estoque de sementes. Então houve dois redepósitos em Svalbard de sementes que se regeneraram.

 Terminada a visita meus dentes batiam, e os dedos dormentes, a temperatura externa era de – 26C.

O grupo se reunia no hotel após as visitas, e as noites agitadas consistia em muitas taças de vinho enquanto conversávamos e assistíamos à série televisiva Grey's Anatomy.

Com certeza este é um lugar inspirador de paz e segurança alimentar para toda a humanidade

Saímos na luz azul do ártico silencioso, uma paisagem maravilhosa e percebi que me sentia ambivalente a respeito do estoque de sementes, que   de tão longe vim para apreciar. A mudança climática está deixando nossos agricultores perplexos, e suas opções são cada vez mais limitadas. E os interesses corporativos tentarão aumentar a capacidade de regular a venda e controlar a genética das sementes.

A redução da biodiversidade do sistema alimentar deixou nações e cientistas alarmados a ponto de resolverem estocar a genética das sementes.

Mas será que essa é a melhor opção?

Svalbard não tem nenhum poder sobre o clima global e nem sobre os interesses corporativos, sem falar da transferência geracional de conhecimento.

Mas manter sementes trancadas dentro do Polo Norte é um lembrete doloroso de sua escassez.

 

Você que está lendo esse pequeno texto é a favor da manutenção do Silo Global de Sementes, cujo custo operacional ao ano é de um milhão de dólares e sempre buscando possíveis financiadores para manutenção e ampliação ou manter o máximo possível nas mãos dos agricultores que detém o conhecimento de quando, onde e como plantá-las?.

 




 

 

 

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