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quarta-feira, 21 de setembro de 2022

RUA QUINTINO BOCAIÚVA - Henrique Schnaider

 

RUA QUINTINO BOCAIÚVA

Henrique Schnaider

 

Houve um tempo em que as ruas de São Paulo eram conhecidas pelo nome dos seus moradores e a Rua Quintino Bocaiúva que inicialmente era conhecida pelo nome de rua do Padre Tomé, pois o Cônego Tomé Pinto Guedes residiu nela por volta de 1765, e que só se tornou com o nome de Quintino Bocaiúva em 1916.

Com o tempo também ficou conhecida como rua da Cruz Preta, pois na esquina com a antiga Rua da Freira, agora conhecida como Senador Feijó, ergueu-se uma grande cruz de madeira pintada de preto.

As famílias tinham o costume de fazerem verdadeiros terços em frente a Cruz Preta e dezenas de famílias faziam suas orações e veneravam e acreditavam que ela tinha poderes e até realizava milagres.

— Eu sou uma casa que foi construída aqui nesta Rua há muito tempo. O meu pai construtor foi Dom Agnelo. Ele me construiu com muito capricho, confortável, grande, tanto que eu acomodava uma família de umas vinte pessoas. E com o passar do tempo, presenciei muitas histórias nesta Rua Quintino Bocaiuva.

Lá pelos anos de 1.900 a rua era de terra batida e só eu sei que quando aconteciam aqueles temporais ou chuvas prolongadas, o lamaçal que virava a minha querida Rua, era de chorar de ver. Os cavalos vinham puxando suas carroças com um esforço enorme, arrastando e atolando uma pata depois da outra, mas apesar da irritação, não deixavam de me cumprimentar com um bom dia ou boa tarde.

Certa ocasião, um grupo de estudantes que gostavam de fazer traquinagens, pegaram a Cruz Preta de madrugada levaram e a jogaram no Rio Anhangabaú, e só por milagre a mesma não foi arrastada pela correnteza, mas ficou ali fincada enfrentando aqueles moleques travessos. Don Agnelo montou uma equipe de busca e acabou achando a Cruz Preta no rio e a levaram de volta ao seu devido lugar.

— Na minha rua havia de tudo. A casa pensão onde as pessoas iam comer era gorda uma verdadeira bola.

A casa do comércio onde havia de tudo e se achava a tal de tão metida que era, a dona da rua. A casa onde vendiam as roupas de mulheres chiques. Esta casa era fina e tinha até nome francês e eu diria que ela era até meio esnobe.

Tinha a casa boteco onde os moradores depois da lida do dia paravam antes de se recolher ao lar e tomavam sua cachaça de boa precedência. Esta era uma casa que vivia devido à quantidade de bebida, meio de cabeça cheia.

— Tinha a casa das mulheres de vida fácil, cheia de dondocas, esperando seus clientes, os quais vinham as dezenas. Esta casa de nome Renata, tinha uma reputação muito baixa e eu como uma casa decente não trocava uma palavra com ela.

A Cruz Preta voltou ao seu devido lugar, aumentou a fama devido ao fato acontecido e vivia cheia de devotos fazendo suas orações.

O meu pai construtor me cuidou muito bem e até o seu falecimento, e a cada 10 anos me reformava por completo. Seus netos continuaram com esta missão, de sempre me deixar em perfeita ordem, muito bonita.

— Bom eu já contei muita coisa envolvendo a Rua Quintino Bocaiúva e agora vou aproveitar antes que escureça e o silêncio aconteça, vou puxar uma prosa com as minhas vizinhas que me aguardam ansiosas.

— Até logo e até qualquer outro dia, sempre estarei aqui à disposição.

 

2 comentários:

  1. Gostei. Uma visão diferente das casas e da rua.
    Abraços Helio

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  2. Interessante esta forma de narração, feita por um narrador protagonista inanimado, caracterizando o ambiente de uma época. Muito legal.

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