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quinta-feira, 27 de maio de 2021

Serei eu o herói de minha própria história, ou qualquer outro tomará esse lugar - Do Carmo

 




Serei eu o herói de minha própria história, ou qualquer outro tomará esse lugar

Do Carmo

 

Fim de tarde de um gélido domingo, íamos eu, papai e minha irmã, à padaria Dengosa, que sobrevive até hoje, que fica bem próxima da minha casa, a duas quadras de distância apenas. Compras domingueiras e infalíveis.

Seus pães, doces e tortas, salgados ou doces, eram terrivelmente deliciosos, bolos e docinhos, tinham sabor de quero mais e o estonteante perfume delicado, que embriagava o ambiente, era uma declaração de amor.

Já éramos clientes antigos e conhecidos do proprietário, amava participar dessas compras, porque sempre era presenteada com várias guloseimas, as quais só podia comê-las em casa, depois de lavar as mãos. Era um ritual macabro para mim, eu achava muito demorado.

Ao nos despedirmos dos funcionários, nos deparamos com uma cena muito triste, uma menininha chorava e um menino, pouco mais velho que ela, soluçava baixinho, e o pai, com voz melancólica, dizia:

- Queridos, vocês sabem da nossa situação de vida. Somos pobres, eu e a mamãe trabalhamos muito, mas com nossos salários, mal conseguimos pagar os compromissos mensais, e com muita dor no meu coração, não poderei satisfazer esse desejo de vocês. Sei que estão com vontade de comer algum desses doces, mas filhos, o papai não tem dinheiro.

Meu pequeno coração, retorceu-se dentro de mim ao ouvir, entre lágrimas, a menininha ainda chorando, dizer:

- Está bom, papai, você guarda um pouquinho do seu dinheiro, todo dia e quando tiver bastante, você compra para nós, não é maninho?

- É isso mesmo. Sabe papai, eu até não tenho mais vontade. Já passou.

Não me contive, soltei a mão de meu pai, aproximei-me deles e com a minha sacolinha recheada das compras, disse:  

- Menina, esta sacolinha está com alguns doces e pãezinhos, nós já comemos lá dento, então você quer ficar com ela?

A menininha, passando as mãos no rosto molhado, olhou para o pai que olhava para o meu pai com olhos desesperados e estendendo a mão para meu pai, disse;

 - O senhor tem uma joia valiosa, que tem um coração maior do que o mundo, uma criança colocando-se no lugar de outra que é muito carente. Eu aceito e agradeço a generosidade.

Com a alegria que sempre foi um dom de meu pai, sorrindo apertou a mão estendida e convidou-o a tomar um café, enquanto as crianças tomassem um saboroso chocolate quente com os pãezinhos e bolo, que escolhessem. Diante de toda essa cena, o proprietário da casa, alegremente ao servir-nos disse:

- Hoje este lanche é por conta da casa, pois recebi uma lição imensa de amor, vinda de uma criança heroica, pois não titubeou em entregar seus doces à uma menininha, carente e desejosa, que não conhecia.     

Meu pai ficou muito agradecido com os comentários do proprietário e pediu que fizesse outra sacolinha, que ele fazia empenho em pagar, para sua filha. Nos despedimos e cada um seguiu seu caminho. Ao chegar em casa, abrindo a bandeja, admirada ao extremo, vi a quantidade de doces e salgados que ele havia acrescentado ao novo pedido de meu pai. Com sentimento de dever cumprido, lanchamos naquela noite de domingo especial, como se fosse a primeira de nossas vidas.  

 

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