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quarta-feira, 27 de março de 2024

CRISTINA! - Dinah Ribeiro de Amorim

 



CRISTINA!

Dinah Ribeiro de Amorim

 


Cristina abre os olhos. Acorda. Olha ao redor...

Onde estou, o que aconteceu?

Está numa cama, imóvel, mal consegue se mexer. Parece um hospital.

Alguém entra, uma enfermeira que se espanta ao vê-la acordada e sai rápido para chamar o doutor.

Cristina, mil perguntas lhe vêm à mente. Tenta emitir algum som, e lhe vem um som gutural incompreensível.

Um cirurgião entra no quarto e dirige-se, carinhosamente, a ela.

“Como se sente. Alguma dor? ”

Ela, num grande esforço, responde: “Mal consigo me mexer. O que aconteceu? ”

O Dr. Álvaro, responsável pelo caso, pergunta-lhe: “Não se lembra de nada? ”

— Sofreu um acidente antes de chegar em casa, quebrou várias costelas, teve forte batida na cabeça e esteve inconsciente por quatro dias. Só conseguimos avisar a família, os amigos, quando a polícia fez a busca através das placas do carro.  Tem lembrança do que aconteceu?

Cristina, atordoada, não consegue se lembrar...Nem do acidente, nem de quem é. Amigos, família, nomes, tudo estranho para ela.

O médico, experiente, responde que é normal o seu estado, pois mal acordou para o mundo. Sai, deixando-a descansar.

Ela fecha os olhos e nem percebe a enfermeira que lhe aplica uma injeção.

Adormece novamente.

Acorda, no dia seguinte, e acontece o mesmo ritual. Reconhece que está no hospital. Nada responde à enfermeira e ao médico sobre o que lhe aconteceu. Não sabe quem é, como vive, como se chama?

O Dr. Álvaro, preocupado, avisa-lhe que irá receber a visita de uma policial, mas que não se preocupasse, seriam perguntas rotineiras.

Entra no quarto uma senhora de meia idade, fardada, que se apresenta como Delegada Clara Sobral. Com delicadeza, pergunta-lhe se poderia responder algumas questões sobre o acidente que sofreu.

Cristina franze a testa, nervosa e afirma que não se recorda de nada. Soube do acidente através do médico. Sente-se melhor dos ferimentos, mas sua memória continua apagada.

A Delegada, compreensiva, pergunta-lhe se está em condições de ouvir como foi encontrada.

Cristina sente-se mal, mas responde sim, tem necessidade de saber quem é, o que lhe aconteceu, como era sua vida e o que será agora.

A Dra. Clara conta-lhe que vinha pela via Rodrigo Pereira, talvez em direção à sua casa, perdeu a direção do veículo, que se desviou e tombou à esquerda, lançando-a fora. Foi um verdadeiro milagre não ter perdido a vida. Estava desacordada, por sorte, foi socorrida a tempo por uma equipe de resgate que passava no local.

A delegada, com a desconfiança costumeira, continua: “ Já teve algum problema ao dirigir? Que se lembre? Não encontramos em seu organismo nenhum vestígio de álcool, droga ou outra substância. ”

Cristina permanece em silêncio e depois pergunta:

— Ia para casa? Era cedo ou tarde? Como sabe onde moro? Não consigo me lembrar! Tenho família? Com quem moro? O que faço?

Clara, compadecida, aceitando a amnésia temporária da moça, afirma-lhe que é uma mulher rica, a maior acionista de uma firma de Seguros, única herdeira do pai falecido. Mora em uma bela residência, acompanhada da tia, Antonieta, irmã de seu pai, de setenta e oito anos. Possuem uma auxiliar, Alice, que mora nos fundos da casa, com a família. Ao saber do acidente, procurou estudar o caso, principalmente quando encontraram seus pertences. Tudo indica que foi um acidente mesmo, mas... e a delegada, ao ver o rosto pálido de Cristina, sobrecarregada com tanta informação, para de falar e chama a enfermeira.

Cristina demonstra um cansaço e depressão súbita. O Dr. Álvaro tem que intervir e solicitar o fim da entrevista.

Passam alguns dias e o estado da moça melhora. Sente-se mais disposta, mais atenta, olhos mais abertos. O médico pergunta se está em condições de receber a tia, estava ansiosa para vê-la. Cristina responde sim, embora não se lembre de seu rosto, nem da sua existência.

Entra no quarto uma senhora de olhar simpático e amoroso, aflita para vê-la. É de uma simplicidade elegante, cabelos levemente azulados, presos num coque. Acompanha-a, Alice, a cuidadora da casa, mulher baixinha e robusta, que sorri feliz ao avistar a patroa acordada. Pensou que tinha morrido.

Abraçam Cristina com cuidado, temerosas de machucá-la, vendo-a ainda bastante enfaixada, mas demonstram muita alegria em poder vê-la. A tia Antonieta enxuga rapidamente uma lágrima, mal contida pela emoção que sente.

Ambas perguntam do seu estado, se já está em condições de voltar para casa.

Preferem cuidar dela pessoalmente, colocando uma enfermeira na residência.

Cristina alegra-se com a visita delas, com o carinho que demonstram, mas, no íntimo, tem medo, aflição, por não as reconhecer. Sabe que será difícil a volta para casa, sem memória de nada.

Ao término da visita, para ela exaustiva, o Dr. Álvaro entra no quarto e encontra-a aos soluços, chora copiosamente.

— A memória volta aos poucos, diz-lhe.

Sabe, no íntimo, que é arriscado, qualquer afirmação, cada caso é diferente, único. Melhor deixá-la descansar mais alguns dias. As fraturas se consolidam, mas a memória não.

Durante a estadia no hospital, aparecem alguns senhores que trabalham com Cristina e procuram o Dr. Álvaro para saber do seu estado. Qual é o diagnóstico e quando terá alta. Parecem bastante preocupados, estão sob a sua direção na empresa e não sabem como agir. 

O médico sente-se na obrigação de revelar que sua falta de memória o está preocupando, acha um pouco cedo a alta.

Os senhores olharam-se espantados e decidiram voltar nos próximos dias. Quem sabe, ao vê-los, conversar sobre o trabalho, a ajude a lembrar-se.

Um deles, o mais jovem, afirma ser primo de Cristina, do lado materno, Osvaldo. Deixa um cartão com o médico para ser avisado. Aparenta maior preocupação que os outros e o médico acha que é o parentesco.

Mais uns dias de hospital e Cristina quer ter alta, voltar para casa. Habitua-se com as visitas da tia e pede ao médico para explicar-lhe o seu estado. Sente que ela e Alice a ajudariam a lembrar-se, aos poucos, de tudo.

O Dr. Álvaro consente, mas antes da alta, a delegada Clara pede para vê-la mais uma vez e, talvez, encerrar o caso.

A moça, aborrecida, esforçando-se para retomar a vida, recebe de má vontade mais uma visita da polícia.

Clara, mais simpática que de costume, cumprimenta-a pelo restabelecimento e pergunta se a memória sobre o acidente voltou.

— Sinto decepcioná-la, doutora, mas, ainda não consigo me lembrar do passado. Vou tentar viver com isso. Só sei como foi o acidente pelo que me contou. Não lembro nem do carro que tinha.

A delegada entrega-lhe um cartão com telefone particular e promete atendê-la, se precisar, em alguma emergência. Mostra-se solícita e conta-lhe que se preocupou com algumas fotos do carro que viu, por isso insistiu em falar-lhe, mas, diante da situação atual, deseja-lhe sucesso e sorte. Dará o encerramento do caso.

Cristina suspira, aliviada e, esperançosa, aguarda a tia Antonieta e Jonas, o filho de Alice, que virão buscá-la. Uma enfermeira do hospital, Helena, é contratada para ir junto.

A calma aparente de Cristina convence Dr. Álvaro a dar-lhe alta. Só ela sabe o esforço que terá à frente, no novo ambiente, sua antiga moradia.

Jonas dirige devagar e explica a Cristina todas as variações do trajeto. Cuidadosamente, evita passar pelo lugar do acidente.

Cristina percebe que se afastam do bairro central do hospital e entram numa região de ruas mais calmas, com residências maiores e bonitas. Espanta-se quando o rapaz abre os portões automáticos da maior delas e para na entrada.

— Chegamos, afirma a tia Antonieta, pedindo a Helena para ajudá-la a sair. Lembra-se um pouco da casa, minha filha? Foi tão do seu gosto! Cada detalhe tem sua escolha. Aos poucos irá se refazer e lembrar de tudo.

Para Cristina, muita beleza, conforto, mas novidade. Parece entrar numa casa nova. As salas, a cozinha, os jardins, nada desperta a memória. Helena sobe com ela ao quarto, cheio de flores. Falam que é a sua predileta, margarida. Ela agradece, acha-as bonitas, só que não se lembra de tê-las visto. Chama sua atenção uma foto, em cima da cômoda. São dois idosos, sorridentes, sentados num banco do jardim. Tem a impressão que olham para ela. Pergunta à tia:

— Quem são?

— Seus pais, minha filha. Sua mãe morreu cedo, aos setenta anos. Que Deus a tenha! Seu pai, querido irmão, viveu dez anos viúvo, teve um infarto, há dois anos. Deixou todos os bens para você.  

— Não tive irmãos? Pergunta Cristina.

— Não, responde a tia. Parece que sua mãe não podia mais ter filhos. Só você. Mas teve outra criança na casa, o filho de uma irmã de sua mãe que seu pai ajudou a criar, adotou-o quase como filho. Você gostava dele como se fosse irmão. Viviam juntos. Deve aparecer para vê-la. Chama-se Osvaldo e trabalha também na firma.

Cristina sente-se cansada. É muita informação. Quer deitar e dormir. Continuariam a conversa mais tarde. Desconhece tudo e ao falar no trabalho, a preocupação aumenta. Diretora de uma empresa grande, com vários funcionários?

Não é capaz!

Com o tempo, ela se acostuma e aprende a gostar da casa como uma turista que vai a um bom hotel. Bem tratada, de aparência saudável, o amor da tia e empregados fazem milagres. Está quase pronta a receber seus funcionários e retomar a função. Continua sem lembranças, mas disposta a aprender e começar de novo.

Numa tarde, seu primo Osvaldo aparece. Esforça-se para recebê-lo e acha-o carinhoso, simpático, principalmente quando conversam sobre o escritório. Sente que o rapaz será um bom aliado à sua volta, explicando-lhe tudo o que fazia.

A tia Antonieta, que escuta um pouco a conversa, tem a ligeira impressão de que Osvaldo a investiga, a estuda, para saber o quanto se lembra do assunto. Mas, Cristina, ao ouvi-la, não dá importância. Sabe que não se lembra de nada!

Na manhã seguinte, Osvaldo aparece para levá-la ao escritório. Cristina, elegante, em seu terninho sóbrio, como convém a uma diretora, depara-se com um prédio majestoso, arquitetura moderna, e sobem até o último andar, onde ficam as dependências da Diretoria.

Procura aparentar calma e desembaraço, cumprimenta todos, com a indicação do primo. Recebe palavras gentis de boas vindas e dirige-se à sua sala, acompanhada de Irene, a secretária, e Osvaldo que irá inteirá-la da situação. Devido ao acidente, a firma caiu em leve descrédito, perdeu mais do que lucrou.

Cristina soube, então, o principal trabalho que fazia. Estabelecer o crédito. Aumentar as vantagens de cada cliente assegurado e arrecadar futuros sócios. Os diplomas em Comunicação e Administração teriam que lhe valer agora, mas, e a memória? Estudar tudo de novo? Por enquanto, representa.

Para conhecer o assunto, pede a Osvaldo que a leve até a Contabilidade da firma. A responsabilidade é presente na realidade atual.

Osvaldo tenta impedi-la, afirma que é cedo para se incomodar com o trabalho, mas diante da insistência, a acompanha.

Meio contrariado, apresenta-a a Osmar, o contador chefe, trocando com ele olhares significativos. Cristina, que após o que lhe ocorreu, aprende a observar tudo, percebe que há entre os dois um certo tipo de entendimento.

Osmar, após os cumprimentos de praxe, preocupa-se em mostrar-lhe que houve realmente uma queda no faturamento mensal da firma, mas nada que indique falência. Com sua volta, acredita na normalização de tudo. Não haverá necessidade da venda de algum imóvel ou ações, como pensou.

Cristina se espanta e preocupa-se muito.

— Como chegamos a essa situação tão rápido? Pergunta aflita. Não fiquei tanto tempo fora, hospitalizada. Já havíamos discutido sobre isso, antes? E olha para o primo, interrogando-o.

— Na verdade, sim. - Osvaldo responde. Talvez esse aborrecimento tenha lhe causado o acidente. 

A moça vai para casa, no final do dia, repleta de papéis sobre a contabilidade, disposta a ler com calma e estudar, no escritório do pai junto aos seus livros.

Tia Antonieta, ao vê-la, se assombra, teme que possa passar mal. Liga ao médico e pergunta se o excesso de trabalho pode piorar a falta de memória. O Dr. Álvaro tranquiliza-a. Pode ser que ajude a se lembrar aos poucos o que esqueceu.

Na verdade, Cristina, ao estudar a situação da firma, começa a pensar friamente no assunto e comparar as entradas e saídas mensais, olhando os números. Felizmente, a leitura, a escrita, o aumento e a diminuição dos ganhos, para ela, é de um entendimento mecânico, consegue entender. Acontecimentos do passado estão apagados, mas como realizar determinadas ações, no presente, tem domínio.

Suas idas e vindas ao escritório, conversas com os empresários experientes, discussões sobre a situação atual, dão ânimo e otimismo aos funcionários que a tratam com o antigo respeito.

Osvaldo, o primo, não a deixa dirigir o carro. Funciona como secretário, chofer, auxiliar, preocupado e amigo, solícito em qualquer acontecimento imprevisto. Cristina deposita nele a confiança e a amizade que necessita nessa fase da vida, contrário à tia Antonieta que desaprova tanta intimidade.

O tempo passa, a atuação no trabalho melhora e Cristina sente, às vezes, algumas lembranças repentinas sobre determinados assuntos, como se já os conhecesse ou já os tivesse visto.

Costuma estudar todas as noites e refazer a Contabilidade da firma até altas horas, não se preocupando muito com a situação presente, mas com os meses passados.

Numa dessas madrugadas, nota que, em determinado mês, do ano anterior, consta a retirada de uma quantia em dinheiro, sem indicação ou recibo do destino. Após isso, a mesma quantia é sempre retirada, sem explicação ao que se refere. Preocupada, pensa em deixar os papéis numa pasta e discutir, no dia seguinte, com Osmar e a Diretoria.

Osvaldo, ao buscá-la, nota seu olhar triste e preocupado e pergunta, aflito, se está bem?

— Tenho trabalhado muito e preciso tirar umas dúvidas na Contabilidade, responde ela. Nada de anormal, por enquanto.

O primo observa-a, mas não acredita que a saúde mental mude. Que a prima volte a ser o que era, hábil e inteligente, diretora de todos. Na verdade, ambiciona uma nova eleição e ser o Diretor Geral da Seguradora. Com ela ao seu lado, claro.

Conversando com Osmar, Cristina apresenta os papéis antigos e ele não sabe responder sobre essa quantia retirada. Pode ser erro de digitação da secretária Irene.

— Mas como não influiu essa retirada no lucro do mês? Responde ela.

— Acho melhor falar com Irene, doutora. Deve ter feito algo errado.

Irene é chamada e, muito pálida, limita-se a responder que não é contadora, só digita o que mandam. Nunca reparou direito nos números.

O boato no escritório chega até a Diretoria e todos, admirados, se entreolham, preocupados.

Cristina ouve, entre eles, a conversa:

— Como uma mulher, doente, sem memória, descobre uma coisa dessa? É preciso averiguar. Todos nós temos responsabilidade nisso. Ficamos prejudicados. Quase à falência.

Cristina tranca-se em sua sala e não recebe ninguém. Estuda como resolver a situação. Parece caso de uma investigação profunda, policial. Mas envolver o nome da Seguradora, do seu pai, de algum inocente. Como fazê-los acreditar nela, recém-saída de um hospital? Pedir ajuda a quem?

Osvaldo bate insistentemente à sua porta. Nem a ele quer atender.

Como insiste muito, atende-o e afirma que está bem. Logo irá para casa. Não precisa esperar por ela.

Anoitece, e ela decide dirigir o carro sozinha, dispensa até o motorista.

No trajeto para casa, já o conhece bem, não percebe que é seguida por outro carro. Quando entra na via Rodrigo Pereira, vem à memória o seu acidente e, instintivamente, olha para o espelho retrovisor. Percebe um carro escuro, atrás dela, quase colado, que vai empurrá-la fora da estrada. Desvia rápido, e o outro foge em disparada.

Trêmula, retoma a direção e consegue chegar em casa.

Tia Antonieta e Alice, alertadas por Osvaldo, esperam sua chegada, à porta. Passa rápido por elas e se dirige ao quarto, queixando-se de cansaço.

Preocupadas, querem chamar o médico, mas ela afirma que não precisa. Quer só dormir!

Com o choque, Cristina recupera a memória. Conhece o carro escuro, mas não lembra de onde. Abre a bolsa para pegar um cigarro e acha o cartão da delegada que esteve no hospital, Dra. Clara Sobral.

Telefona para ela e pergunta se pode atendê-la. Diante de tantos casos, Clara não a identifica, mas quando cita que havia perdido a memória e agora lembra, a delegada se põe à disposição.

A delegada Clara vai até a casa de Cristina, na manhã seguinte. Inteirada dos acontecimentos, confessa que o acidente anterior sempre lhe deixou com suspeitas, mas como não havia nenhuma prova, nenhuma queixa, arquivou o caso. Na batida, as fotos do carro mostravam um afundamento da parte traseira, o que aparentou ter sido empurrado para que ela se desviasse e tombasse. Com certeza, a sua vida deve estar em perigo, outra vez. Precisará de um policial para sua segurança e colocar a empresa sob auxílio de um perito em investigação contábil, também de conhecimento policial. Ela se encarregará de providenciar tudo. Por enquanto, deve se comportar normalmente e ocultar de todos a volta da memória. 

— Continue a aparentar dúvidas sobre as atividades do escritório. Nenhum suspeito deve saber que consultou a polícia.

Cristina, mais aliviada, arruma-se para ir ao escritório e aguarda o policial disfarçado, Tomás, que será o novo chofer e secretário. Para todos, um novo funcionário ou atendente hospitalar, nos momentos atuais.

Tia Antonieta preocupa-se com seu abatimento e nervosismo, acha melhor não trabalhar por uns tempos. Cristina quer mesmo afastar-se, sua vontade é sumir de todos os problemas, fazer uma longa viagem, mas, agora, necessita estar atenta, salvar sua vida e resolver a situação da empresa, descobrir o culpado, o causador de tudo. Lembra-se de seu pai. Repete o que lhe dizia: Coragem!

Continua a trabalhar, normalmente, escutando vários boatos, inclusive sobre a presença de novo funcionário na firma, maior gasto, principalmente se for mesmo auxiliar hospitalar. Uma prova de sua incompetência para lidar com os assuntos. A necessidade de votarem em pessoas mais hábeis e pedirem seu afastamento, torna-se urgente.

Osvaldo anima-se com isso, mas Cristina disfarçada, apresenta-se cada vez mais ativa e inteligente, principalmente quando contrata o fiscal para a contabilidade, a mando de Clara, Dr. Josué.

Semanas vão passando e Josué é bastante hábil em suas atividades. Faz uma investigação de todos os funcionários, dos diretores da firma, todos que se relacionam com as atividades comerciais. Apresenta a Cristina que o sumiço do dinheiro, todo mês, não entrava nas declarações mensais. Era retirado com autorização, grande soma, mas ainda não sabia como.

Após os dados de cada um, descobre que a maioria, entre eles, enfrentou dificuldades, sendo Osmar e Osvaldo os que mais deviam dinheiro a estranhos, dívidas de jogo. Irene, a secretária, era amante de Osmar.

Cristina, muito espantada, nunca desconfiou do primo, jogador e devedor de grandes quantias. Sempre achou que era a única pessoa que podia confiar. Quase lhe conta tudo a respeito da conversa com Clara.

Faltava a prova final, o destino do caminho desse dinheiro.

Josué obriga Irene, que sempre nega as digitações falsas, a confessar para onde vai o depósito desse dinheiro? Descobre que é para uma conta temporária, em determinado banco, em nome sempre de um estranho, disposto a aceitá-la, em troca de uma parte.

Cristina e Josué se espantam da habilidade deles. E ninguém percebia. Ou a maioria sabia?

Osvaldo e Osmar não aparecem para trabalhar, assim que sabem que Irene está sob investigação.

Cristina, muito aborrecida e nervosa, resolve ir para casa mais cedo, sob a segurança de Tomás.

Tomás recebe um chamado urgente e, embora estranhe, vai atender, deixando-a guiar sozinha.

Quando entra na via que a leva para casa, nota novamente o carro escuro que a segue e, quando vai encostar nela, para atirá-la longe, lembra-se que aquele carro é de Osvaldo, seu primo. Ele quer matá-la e ser o dono de tudo. Sua herança iria para ele.

Impressionada, tenta um desvio, mas sente que ele a impede. Quando acha que será seu fim, ouve sirenes de polícia de vários lados, que o impedem, e, apavorado, inicia uma fuga desvairada. Perde a direção e joga o carro num barranco, caindo morto em lugar dela. Teve ele o fim que desejou a ela.

 

 

Muita movimentação, muitos dias de averiguação e inquérito, muitas modificações na empresa, sendo Irene e Osmar levados a julgamento e Cristina tentando levantar a Seguradora do pai, auxiliada por Diretores competentes, que permaneceram.

Os dias voltam a ser normais e tranquilos, podendo Dra. Clara Sobral, dar, finalmente, encerramento ao caso que sempre lhe despertou suspeitas.

Cristina, mais feliz, recuperada de seu apagão mental, planeja, agora, uma linda viagem ao redor do mundo, sonho antigo da Tia Antonieta e seu, ambas loucas para viverem aventuras diferentes.

quinta-feira, 14 de março de 2024

O DESCASO - Leon Alfonsin Vagliengo

 



O DESCASO

Um exemplo de serenidade e sangue-frio.

 

Leon Alfonsin Vagliengo

 

Um homem vinha por uma rua tranquila, acompanhado de dois cães policiais. Era uma rua curta e estreita, com apenas dois quarteirões, e àquela hora da noite nunca tinha movimento nenhum.

Os animais deviam ser bem treinados, pois andavam à solta, sem guia, e vinham cheirando tudo o que encontravam pelos cantos, atravessando a via em zigue-zague, indo e voltando de calçada para calçada, ainda sem perceber que no outro extremo da rua, um gato, deitado confortavelmente bem no meio de seu leito, os observava, impávido, imóvel, inexpressivo, mas atento, revelando sua absoluta tranquilidade e autoconfiança.

Enquanto o perigo se aproximava, em certo momento o gato apenas moveu sua cabeça para um lado, calmamente, certamente para avaliar sua rota de fuga, voltando-a de novo para a posição inicial, e seguiu mantendo-se naquele aparente estado de nirvana e absoluta paz interior, sem mostrar amofino com o movimento dos cães, que vinham, aos poucos, chegando.

Quando já estavam a alguns metros e, finalmente, o viram, estes dispararam em sua direção numa desabalada e feroz carreira, evidentemente alimentando péssimos propósitos em relação à saúde do felino.

Porém, o gato, num triz, saltou para a calçada e dali para um muro bem alto, onde encarapitou-se, e de lá voltou a observar os cães, agora com aquele inexpressivo olhar de descaso, próprio da espécie.

Isso tudo eu vi de longe, sem poder interferir. Confesso que me “deu nos nervos”.

Moral da história: Numa disputa, nunca se deixe surpreender pelo pulo do gato.


quarta-feira, 13 de março de 2024

A lagarta e a flor. - Adelaide Dittmers

 

 


A lagarta e a flor.

Adelaide Dittmers

 

O jardim brilhava banhado pelos raios de sol, que envolviam a vegetação, tornando sua cor mais vívida.

Uma pequena lagarta rastejava pela terra avermelhada, comendo avidamente as folhinhas e as ervas que encontrava pelo caminho.

Ao parar embaixo de uma folhagem, onde um belo e raro lírio azul se aninhava, ouviu uma voz que vinha lá de cima:

— Oi, bichinho! Você não se envergonha de ter que se arrastar por esse solo barrento e devorar tudo o que encontra.

A lagartinha levantou os olhos de preguiça e fitou languidamente a flor:

— Não é porque você é bonita, perfumada e mora no alto, rodeada por folhas verdes, que realçam sua beleza, que deve desprezar aqueles que você não conhece.  Posso ser tão bela quanto você.

A flor soltou uma gargalhada, que balançaram suas pétalas e disse zombeteiramente:

— Você não se enxerga mesmo!

A lagartinha olhou com indiferença para o lírio e seguiu seu caminho.

Mais adiante, parou e avaliou um tronco de árvore.  Era forte, pensou.  Agarrou-se a ele e ali ficou estática.  Depois de algum tempo, um fio de seda foi se enrolando e se tornando mais e mais duro até formar um casulo.

A flor observou de longe aquela transformação. “Que triste fim. A natureza é sábia em se livrar do que é insignificante e feio.” Pensou.

Um vento suave fez suas pétalas dançarem, realçando sua beleza.

Dias se passaram e, em uma manhã de céu azul, salpicado de nuvens brancas, o casulo começou a quebrar e, de seu interior, surgiu uma belíssima borboleta, cuja cor preta salientava o lilás, o azul, o amarelo e o branco, que formavam desenhos perfeitos em suas asas.

Ela parou um pouco para se recompor daquele novo nascimento e alçou um voo elegante e sereno, dando volteios pelo ar azulado do dia.

Ao passar pelo jardim, avistou o lírio azul e, com um sorriso maroto, pousou nele com delicadeza.

— Oh, linda borboleta, que alegria tê-la em minhas pétalas!

— Não me reconhece, flor? Sou a lagarta rastejante de uns dias atrás.

O lírio emudeceu.  Como isso foi possível.  Depois que o casulo se formou, ignorou-o por completo.

A borboleta então acrescentou:

— Nem toda a aparência define um ser.  Depende do que carregamos dentro de nós.

E voou para longe.

 

 

SEGREDO - Hirtis Lazarin

 



SEGREDO

Hirtis Lazarin

 

— Vem almoçar, “minina” bonita. Fiz o almoço que você pediu.

— Vó, eu não sou mais “minina”, tenho quinze anos – grita Júlia, lá do quarto.

Dona Tereza arruma a mesa com capricho, escolhe os melhores pratos e os copos coloridos, aqueles que a neta mais gosta.

Mais de dez minutos se passaram, a comida já esfriou e a avó se policia pra não perder a paciência. Faz apenas dois dias que a adolescente chegou no sítio. Está de férias, e a mãe acreditou que a filha, em contato com a natureza, esqueceria um pouquinho do celular. Mas nesses primeiros dias, Júlia quase não saiu de dentro de casa, apesar de todas as tentativas da avó.

Dona Tereza almoçou sozinha, lavou a louça e a comida voltou para o fogão. Respirou fundo, engoliu a seco pra não perder a paciência e soltar seus palavrões favoritos. Fingiu que tudo bem, e Julia só almoçou quando bem-quis.

O dia seguinte amanheceu convidativo e lindo de viver. Um céu azul enfeitado de pequenos e quase invisíveis flocos de nuvens bem espalhados. A passarada, sem medo de nada, invadiu os galhos frutíferos. A fartura era tanta de encher o bico de alegria.

Dona Tereza abriu todas as janelas, puxou as cortinas que impediam a visão completa do belo e a luz entrou poderosa. Junto, uma brisa calma, mas não incapaz de ser sentida no rosto e nos nós dos cabelos. Pavarotti, o galo imponente, iniciou sua cantoria poderosa. E as galinhas espertas e já prontas para a caminhada diária. O cachorro Dom, como já estava acostumado, disparou latindo em direção às aves. Era de brincadeira.

Júlia foi acordada com todo esse rebuliço, mais a voz da avó à sua cabeceira com o copo cheio de leite e café, coadinho na hora. E mais um pão quentinho com manteiga. Um esforço para entusiasmá-la com coisas diferentes do seu dia a dia. Entretê-la: recolher ovos no galinheiro, cortar a alface na horta e cenoura também; brincar com a cabritinha de apenas dois meses e o lago cheio de peixinhos.

Ela se esqueceria do celular? Tomara!

Dona Tereza, depois de um sermão tranquilo igual ao do padre Pietro, conseguiu que a adolescente lhe entregasse o aparelho, desde que fizesse o bolo de chocolate com muito chocolate. E o trato era devolver só à noite seguinte.

No dia seguinte, foi um corre-corre no sítio “Pedacinho de Terra”. Dois carros de polícia, Dona Tereza, com os cabelos em pé, gaguejava tanto, as palavras saiam tão enroladas que não se fazia entender. Júlia chorava sem parar e sua mãe, que acabava de chegar e sem entender tamanha confusão, caiu desmaiada no chão.

Vamos lá: no dia anterior, Júlia comeu sozinha mais da metade do bolo de chocolate. A avó, preocupada, deixou à disposição um medicamento caso a neta se sentisse mal. A menina, ansiosa, andava pra cá e pra lá. Ligava a t.v. e não conseguia se prender a nenhuma programação. E a senhorinha, fazendo crochê, só a observava. Mantinha-se firme em sua posição. Até pensou em voltar atrás, os setenta anos vividos, queria sossego.

À noite, depois de muita insistência e não querendo magoar tanto a avó, Júlia tomou um copo de chá de maracujá, colhido fresquinho no pé. As ramas pendiam de tão pesadas. Era maracujá que não acabava mais. Ao engolir o chá, ela fez caretas e muitas caretas de um jeito escondido.  Mesmo assim não conseguia dormir. Dona Tereza sugeriu, então, que ela usasse o telefone fixo pra falar com as amiguinhas. A toda moderninha achava aquele aparelho muito engraçado, pra não falar ridículo e, como invenção do século passado, deveria ser descartado. Mentiu que não sabia fazer a ligação e discutiu com a avó, que pra não se alterar e perder a paciência, fingiu que era surda.

Já era madrugada quando a senhorinha se levantou e foi até a cozinha buscar água. O quarto de visitas estava com as luzes acesas. Aproximou-se da porta feito uma onça cautelosa à espreita da presa. A neta ainda estava ao telefone. Falava alto, as risadas eram tantas e o diálogo era estranho. Foi possível ouvir algumas palavras comprometedoras.  Precisava descobrir o assunto da conversa.

Dona Tereza, apesar da idade, tinha audição aguçada e faro de gente esperta. Buscou os óculos, não sabe o porquê, mas precisava deles. Coisa de gente velha.  Colou os ouvidos à porta e prestou muita atenção. Ainda conseguiu ouvir um pouco do assunto…

— Rose, você ouviu o que ele combinou? Prestou atenção? Eu estou anotando o endereço, anote também. Ai, a linha voltou a cruzar. Cale a boca, pra eu ouvir bem o Bruno.

— Oi, eu entendi tudinho, Bruno. Eu tenho um notebook novinho e tenho curso completo de computação.  Só repete o horário. Dezenove horas? 

— Saco, a linha descruzou outra vez, Rose. Eu não ouvi direito. Ah! Você ouviu?  Repete pra mim e anote. Nossa, já são duas da manhã. Ainda bem que minha avó toma remédio pra dormir. Deve estar roncando.

E os cabelos de D. Tereza foram se arrepiando. Os pelos do corpo também. Os olhos cresciam arregalados e o cérebro se contorcia.

— Bruno, você está aí? Acho que estou falando sozinha… Rose, esconda todas essas anotações. Você é meio atrapalhada.  Se alguém descobrir, estamos fritas. Você está agitada? Eu estou é muitooooooo. Ah! Está ouvindo ele? Eu não estou. Praga do infernoooo! Agora estou. Olá, Bruno, fala depressa antes que a linha descruze. Ok. Entendi. No final da semana, estarei em casa. Beijos. Bye, bye!

 Rose, segredo eterno. Só pra nós, hein! Poderosas. Vou desligar. Tá bem! Ok. Bye Bye. Desligue. Eu vou sonhar com os anjos.

— Mas não vai, não -  Resmungou Dona Tereza, lá fora.

Ela não se aguentou. Bateu na porta já entrando. Júlia fingiu estar dormindo. Mas não convenceu, não. Segurava ainda bem firme o telefone. E o aparelho estava quente, fervendo.

As duas, avó e neta, travaram uma longa conversa. Foi difícil arrancar o tal segredo; demorou um tempão, mas saiu por inteiro, não importa, se foi aos trancos e barrancos. O plano era encontrar-se com a turminha do Bruno. Eram quatro ratos de computador. Clonavam cartão de crédito e enganavam velhinhos inocentes e descuidados. E o dinheiro caía em bicas, uma fonte sem fim. Sem fim, até serem descobertos e presos.

Quando o dia clareou, Dona Tereza não teve dúvidas e chamou a polícia.

 

quarta-feira, 6 de março de 2024

O Sequestro - Um dia de grande tensão - Alberto Landi

 



O Sequestro

Um dia de grande tensão

Alberto Landi

 

Flavia, uma estudante de 17 anos, residente em São Paulo, estava no segundo colegial.  Muito esforçada, independente e inteligente. Vitório Cunha e Manuela estavam orgulhosos pelo empenho da filha. Herdeira das empresas, Vitório acreditava em seu potencial de liderança administrativa.  Afinal, eram bem-sucedidos, de situação financeiramente estável, e reconhecidos como sendo detentores de uma das maiores empresas do ramo têxtil.

A família Cunha faz curtas viagens nos finais de semana, passam dias na fazenda de gado leiteiro no oeste paulista, ou na casa de praia em Ubatuba no litoral norte, onde residem numa pequena ilha. É comum vê-los chegar ou sair de helicóptero do prédio onde estão localizados os escritórios de comando das empresas, ou embarcando para o exterior e voltarem repletos de compras.

Tanta ostentação atraiu olhares...

Manuela, certa manhã, estava no escritório quando recebe um telefonema desconhecido:

— Estamos em poder de sua filha, se quiser vê-la com vida, siga as instruções. Ponha 50 mil dólares numa valise preta, e deixem-na no altar da igreja Boa Morte, coluna da esquerda, às 16 horas de hoje.

Manuela sentiu uma vertigem passar pela espinha dorsal e paralisar seus movimentos, as mãos trêmulas não obedeciam aos gestos, a vista turva inibia caminhos. Alguém a sacudiu querendo saber se estava bem.  Aquela voz ainda estava turbinando seus ouvidos:

— Liguem para Vitório, é urgentíssimo! – Gritou com a voz titubeante. E depois contou ao assistente o que estava acontecendo. “Hoje é um dia que ela ficaria na escola até o final da tarde”.

Prontamente, ele telefonou para a escola de Flávia, afinal, poderia ser um trote. Mas, a direção da escola confirmou que a jovem não compareceu à aula. Seguidas vezes ligou para o celular da moça, e não obteve resposta.

“Então não é trote! Meu Deus!”

Rapidamente contataram Lobato, um amigo da família, padrinho da Flávia, um policial aposentado que atualmente trabalha com investigações, que logo se prontificou em ajudar rastreando a origem do telefonema, acionando reforços para capturar o sequestrador, e a família foi orientada para que fizesse exatamente o que o sequestrador exigiu.

Manuela estava prostrada no sofá, o médico já a examinava, a mulher se apresentava em estado de choque. Ela gemia aflita, e Vitório tentava acudi-la, mas como urgia que as providências fossem tomadas e tudo acabasse bem, ele voltava-se para o grupo policial.

Planejam qual seria a estratégia dali por diante. O tempo corria e não poderiam perder a oportunidade de resgatar Flávia e, ao mesmo tempo, prender os sequestradores.

A maleta preta, contendo os 50 mil dólares exigidos, já estava sobre a mesa. Além do dinheiro, um GPS instalado na alça mostraria o destino do objeto. Um grande time de policiais à paisana foi orientado a não perder a maleta de vista.

A família estava desesperada, desequilibrada em suas ações e pensamentos. Contra eles, o medo, o pavor, e o tempo… havia pouco tempo para a quantia ser levada à Igreja da Boa Morte, na Luz.

Vitório estava preparado para sair, tinha escutas por dentro da camisa, e micro câmera na armação dos óculos. Na igreja, já estavam a postos alguns “fieis” espalhados entre os assentos, e um mendigo à entrada estendia a mão suja para alguns visitantes.

Vitório, temia por Flávia. Seguiu determinado quando saiu do automóvel. À sua frente a imponente construção amarela onde, possivelmente, devolveriam sua filha. Ao entrar, lembrou de fazer uma ligeira oração. Na mão direita, a maleta. Seus olhos correram o espaço dourado do interior da igreja. Deveria seguir pelo corredor lateral esquerdo, entrar no hall do altar e lá deixar a maleta. Os passos cautelosos ecoavam no assoalho amadeirado. Procurava pelos cantos alguém que fosse suspeito, procurava por Flávia. Teve vontade de gritar seu nome. Nesse momento ouviu Lobato falar no ponto do ouvido: “siga em frente, Vitório. Não titubeia, estamos a postos”. Acelerou e subiu os poucos degraus que o levariam ao altar. Arriscou olhar em volta, e nada lhe chamava a atenção. Viu o amigo no primeiro banco, ajoelhado como se rezasse fervorosamente. Quem sabe rezava mesmo, ele era padrinho de Flávia.

Depositou a maleta ao lado da coluna dourada, como exigido, o coração apertado gritava para que ele não cometesse erros. Voltou ao átrio. Tentou relaxar os músculos, postou-se ao lado da última capela, observando o silêncio que o ambiente guardava. Os outros policiais estavam atentos, disfarçados de fiéis, confundiam até Vitório.

 

Enquanto isso, na casa, Manuela recebe uma ligação. Era do celular da Flávia. A mãe congelou. Certamente seriam os sequestradores. Nervosamente atendeu. Não era. Era a própria Flávia:

“Vim fazer um trabalho na casa da Sofia, e acabei faltando à aula. Na pressa de terminar o trabalho, esqueci de avisar você, mamãe. Então, não vá me pegar na escola, vou para casa mais tarde, vou de táxi”.

Manuela teve uma injeção de dinamismo no mesmo instante. Sua menina estava bem.

— Ela está bem, não foi sequestrada! – Gritou para o assistente.

Precisava avisar o marido. Mandou uma mensagem, sabendo que as mensagens dela sinalizavam diferentemente no celular dele. Imediatamente ele leu, abriu um sorriso enorme, mas conteve-se. O coração aos pulos, mas agora mais controlado, transmitiu para Lobato, através do ponto do ouvido, todo o texto de Manuela.

E as ordens mudaram agora:

“Troque imediatamente aquela valise pela valise vazia que trouxemos, e vá embora, Vitório. Vá acudir Manuela. Deixe o resto conosco. Os bandidos não sabem que a Flavinha está bem e que já sabemos disso. Vamos pegar esses vagabundos! ”.

Não deu tempo de fazer a troca, uma mulher bem-vestida entrou no corredor central da igreja, foi direto para o altar. Às vezes olhava para os lados, mas percebia-se que seus olhos fixaram a valise. Apanhou-a de modo repentino e urgente.

Os policiais a cercaram e a levaram algemada para a delegacia.

Mais tarde, Lobato voltou a se encontrar com a família. Flávia riu dos fatos, mas depois percebeu que era uma boa armadilha, essa dos sequestradores.

 

— Esse é um golpe que está em vigor, infelizmente, diante do medo de perder o ente familiar, muitas famílias pagam o resgate para o falso sequestro - disse Lobato.

No entanto, como Flávia era jovem e esperta, levantou uma dúvida:

— Mas, como eles podiam saber que eu não iria à aula?

— Não sabiam, querida. Só tinham certeza de que, se desse certo, embolsaram 50 mil.

 

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