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quinta-feira, 28 de agosto de 2025

... E ADÃO COMEU A MAÇÃ - Adelaide Dittmers

 

 


... E ADÃO COMEU A MAÇÃ

Adelaide Dittmers

 

Túlio admirava maravilhado o grande rio, cujas margens se perdiam de vista. A exuberância da floresta, que o cercava com suas grandes e imponentes árvores, exalava o aroma da natureza. Nuvens brancas bordavam o céu de um profundo azul.  De repente, um bando de tucanos cruzou o rio.

Seus olhos absorviam tudo com uma satisfação há muito não sentida.  Desejara aquela paz, que sua profissão impedira.  Descobrir crimes e seus autores. A constante convivência com a morte era algo, que estava deixando para trás com a recente aposentadoria.

Planejou essa viagem cuidadosamente e eis que estava no barco, que navegava mansamente, sem pressa, seguindo o ritmo plácido da natureza, para alcançar um hotel flutuante, à beira da mata.

Algum tempo depois, uma bonita construção envidraçada apareceu brilhando à luz do sol intenso.  Ele esticou todo o corpo.  Estava chegando ao paraíso.

O barco aportou e os passageiros desceram.  Os olhos brilhando e um sorriso feliz pela experiência inusitada, que iriam viver.

Depois de depositar sua mala na suíte reservada, Túlio desceu para almoçar.  As mesinhas rústicas distribuíam-se por um terraço aberto, que ladeava uma grande piscina. Sentou-se a uma mesa, onde estava um simpático casal.  A refeição veio farta:  pirarucu com banana da terra frita, farinha e vinagrete encheram seus olhos e ele inspirou o sabor original e delicioso daquelas iguarias, antes mesmo de experimentá-las.

Depois do almoço, o grupo se reuniu para se conhecer e trocar opiniões sobre aquele belo lugar. As caminhadas pelas trilhas marcaram a tarde quente desse primeiro dia. A emoção de estar andando pela imensa floresta esparramava-se pelas faces extasiadas dos visitantes, que pararam assustados ao se deparar com uma cobra, que cruzou calmamente o caminho.

No dia seguinte, foram conhecer uma tribo indígena e esse contato foi uma experiência marcante.  A dança com os trajes típicos, comer peixes feitos por eles de maneira rústica, mas deliciosos os surpreenderam.

Túlio estava fascinado e saboreava cada momento, cada novidade, que o paradisíaco lugar oferecia.

Na penúltima noite, o gerente do hotel anunciou que uma cantora da região iria brindá-los com as canções típicas da Amazônia. Todos se animaram com a apresentação durante o jantar.

O palco se iluminou e uma bela morena de cabelos lisos, que lhe cobriam os ombros, olhos verdes e amendoados, cujos traços revelavam sua mestiçagem, entrou e cumprimentou todos.  Com graça e leveza, cantou as canções amazonenses, como o carimbó e o rega.

Depois da apresentação, desceu e sentou-se para conversar com os hóspedes. Simpática, contou sobre sua ascendência indígena e portuguesa.  Crescera numa tribo e ainda hoje respeitava os ritos de seus ancestrais. A conversa foi até altas horas, com as pessoas encantadas pela história da jovem, que se dividia entre a aldeia e a cidade.

Na manhã seguinte, um Túlio sonolento, que adorara a noite anterior em que conhecera um pouco do povo da região, surpreendeu-se com o tumulto no restaurante.  As pessoas com expressões assustadas não paravam de falar.  Aproximando-se, ele perguntou o que estava acontecendo e soube que a cantora fora encontrada assassinada no seu quarto.

Ele arregalou os olhos e suspendeu a respiração.  Não era possível.  Veio para aquele paraíso para começar uma vida calma, sem a frequente presença da morte e o  crime o perseguiu.

O gerente do hotel estava nervoso, mas tentava acalmar os hóspedes.  Túlio se aproximou dele e disse em voz baixa:

— Sou detetive. Me aposentei há pouco tempo.  Quer ajuda?

O homem pousou a mão no braço dele e aquiesceu apenas com um balançar de cabeça.

Foram até o quarto.  A pobre jovem jazia no chão.  Túlio fez uma careta. O olhar cheio de piedade.  Vasculhou o quarto e abaixando-se viu uma chave perdida embaixo da cama.  Com cuidado, puxou-a com um pedaço de papel dobrado.  E virando-se para o gerente disse: 

— Vamos entregar essa chave para a polícia para verificar se tem impressões digitais.

Os policiais chegaram uma hora depois e levaram o corpo e a chave.

As pessoas passaram o dia excitadas.  Não conseguiam se desligar do ocorrido.  No fim do dia, três botos apareceram com seu jeito alegre e brincalhão.  Essa visita levantou o ânimo de todos e até Túlio se divertiu com a bagunça, que eles fizeram.

O dia da despedida do lugar amanheceu ensolarado e sem nuvens.  O grupo preparava-se para partir daquela floresta, que marcara suas vidas pela beleza, mas também por terem sido testemunhas daquele crime, quando chegou a polícia com a notícia de que o suspeito havia sido identificado pelas impressões digitais deixadas na chave. O homem tinha sido companheiro da pobre cantora. No entanto, ele afirmara que a chave tinha desaparecido da casa dele e que a tinha procurado por toda a parte.  Além disso, apresentou um álibi, pois na noite do crime, estava em Itacoatiara, cidade próxima a Manaus, onde intermediara uma compra de açaí para ser vendido para outros estados. Lá dormira em uma pousada e provou isso à polícia.

Todos ficaram perplexos. Quem teria matado a pobre moça? E por que?

Os empregados do hotel começaram a ser interrogados, Túlio acompanhou de longe o interrogatório.  Todos estavam nervosos. Ele pousou os olhos experientes em um deles, o garçom, que sereno, respondia às perguntas desviando o olhar do inquiridor.  As mãos inquietas no seu colo.  Seria ele?

Nunca iria saber.  Fora para lá para relaxar.  A polícia local é que teria que desvendar o crime.

O barco, que os levaria para a cidade, já tinha chegado e todos se dirigiram ao pequeno porto para embarcar. O silêncio tomou conta do grupo.

Túlio pensou na pobre jovem, que talvez perdera a vida de maneira tão violenta por não aceitar o assédio de um homem.

Sacudiu a cabeça para expulsar esse pensamento e mergulhou seu olhar no esplendor da natureza, onde tudo era harmônico, a floresta, os pássaros, o rio. Tão diferente do coração do homem, que abriga o inferno e o paraíso, o mal e o bem, o ódio e o amor.

Já na embarcação, olhou as águas azuladas do rio Negro, debruadas pelo verde intenso da mata.  Inspirou fundo o ar puro e deleitou-se mais uma vez com a paisagem exuberante, que se oferecia aos seus olhos. E pensou: ¨A alma do homem abriga o paraíso e o inferno, o bem e o mal, o amor e o ódio.¨

 

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