AS DÚVIDAS DE PETER
DINAH RIBEIRO DE AMORIM
Peter, um rapaz estrangeiro, não muito jovem, descendente de húngaros, ficou sem pai muito cedo, devido às dificuldades do pós-guerra na Europa. Veio como imigrante, bebê, junto à mãe, ao Brasil, estabelecendo-se numa região campestre. Dedicaram-se à confecção do queijo, uma prática exclusiva da família materna.
Após alguns anos difíceis, tiveram progresso. Ele tornou-se um belo rapaz, abastado, de grande sucesso entre as raparigas da região.
Incentivado pela mãe, assume compromisso sério com Fernanda, jovem radiante e culta, da cidade mais próxima.
Hum… Quem diz que o rapaz estava feliz? Pensativo… passa horas caminhando pelos arredores da fazenda, preocupado com a situação.
Mil pensamentos lhe vêm à cabeça: “Não tive pai… fui criado só pela mãe… acho que não serei bom marido, sou apaixonado por ela, mas… Fernanda quer filhos… muitos… não tenho muita paciência… ou será que terei… filho é filho… o amor aparece, talvez…
Quanto mais caminha, mais pensa, quanto mais pensa, mais se atormenta e perde a vontade de casar.
Embrenha-se tanto na floresta que, quando percebe, está meio perdido, longe da fazenda.
Procurando orientar-se, acaba avistando um casebre, com fumaça pela chaminé.
Curioso, vai lá e encontra como morador um velho, muito idoso mesmo, cabelos e barbas compridas e brancas. Rosto um pouco assustador, desdentado, nariz pontudo, com uma grande verruga na ponta. Pareciam os feiticeiros de suas histórias infantis.
Dirige-se a ele, meio amedrontado, será que ele fala? Tem aparência meio de louco… Também, sozinho nesse matagal… difícil…
— Por favor, onde estamos? Mora aqui há muito tempo? Estou meio perdido de casa.
O velho, um conhecido feiticeiro, morador daquelas bandas, dá um sorriso e lhe diz:
— Esperava-o. Sabia que ia ser procurado por um jovem claro, perdido não no caminho, mas nas suas dúvidas, nos seus pensamentos…
Peter, assustado e espantado, adivinha que ele deve possuir algum dom, ou mágico, ou feiticeiro mesmo. Como o conhece? Nunca se viram.
O feiticeiro, que afirma chamar-se Raomi, manda-o sentar-se numa banqueta estreita e velha, já gasta por tantos usos. É muito procurado pelas pessoas da região, na solução de problemas.
— Anda muito preocupado com o casamento próximo, não é, rapaz? Por quê?
Está bem de vida, a moça é jovem, saudável, educada, ama-o muito.
Peter, cada vez mais assombrado, resolve abrir-se com o velho.
— Sinto medo. Muito medo de me casar. Não conheci, na verdade, meu pai. Fui criado pela minha mãe e sempre vivemos juntos, só eu e ela. Vim da Europa logo que nasci e o pai morreu no estrangeiro. Nem chegou ao Brasil. Lutamos muito, os dois, fabricando e vendendo queijos. Só os dois. Mas fui muito mimado… muito cuidado… nem brinquei com outras crianças… acho que nem gosto muito delas… e minha noiva quer muitos filhos… nem sei quantos… é louca por crianças e diz que sou lindo… terei filhos maravilhosos… isso me apavora…
O velho feiticeiro fecha os olhos e pensa um pouco antes de falar. Levanta-se, logo após, e abre uma caixa, cheia de quinquilharias, com algumas fotos. Escolhe algumas e se dirige a Peter.
Joga algumas fotos no seu colo e, antes que ele as veja, pergunta-lhe:
— Como morreu seu pai?
Peter responde que nunca soube direito, sua mãe queria poupá-lo de sofrimento, mas parece que foi vítima da última guerra havida na Europa.
Raomi, com um pequeno sorriso, manda-o examinar as fotos deixadas no seu colo.
O rapaz, curioso e sem muito interesse, percorre-as com os olhos. Algumas lhe chamam logo a atenção. Percebe várias crianças em pequenos grupos, sozinhas, percorrendo estradas ou subindo em trens.
Pergunta, pelas roupas, quem são? De que época? As fotos são muito antigas! Parecem estar em pijamas, roupas de dormir…
Raomi responde-lhe:
— São mesmo, filho. Crianças tiradas de suas camas, afastadas dos pais, levadas presas, deixadas para morrer, na mesma guerra em que seu pai morreu. Quando a guerra acabou, poucas restaram, conseguiram sobreviver. Assim é o mundo… triste mesmo… e as guerras continuam acontecendo… muitas crianças hoje morrem de fome… ou de armamentos inimigos… são as maiores vítimas das brigas entre os homens, que se dizem inteligentes… querem resolver tudo… se acham donos do mundo…
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