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quarta-feira, 4 de junho de 2025

O ROMPER DO ÁTOMO - Pedro Henrique Pereira

 



O ROMPER DO ÁTOMO

Pedro Henrique Pereira   

 

 Fugir parece inevitável. Não há como fugir. O que é seu, é seu. O seu destino é seu. O fio de cabelo da sua cabeça é seu. O copo com que dá ao corpo vida é seu. Até a maldição de seguir os dias como uma galinha a quem arrancaram a cabeça e corre com a ideia de vida que não tem mais, é sua.

     Portanto, cato meus trapos e sigo recolhendo os galhos do chão. E o faço de queixo erguido, embora eles me escarneçam. Riem de meu pobre ser, afirmando convictos que é um saco de palha sem palha.

     Ah, mas o que posso fazer? Até a mosca vem na madrugada narrar que meu marido há muito foi beijado pela terra e que meus filhos me veem como uma roupa usada que depois de um tempo só a lixeira lhe ambiciona.

     Sigo e pego mais um galho, marcho em direção à minha casa com o abraço do medo que me cerca e me constrange.

     Quando chego, não demora muito para ver a chama consumir a lenha. Sento-me, então, com cautela para ver o átomo ser rasgado pelo fogo.

     Será que um dia ele volta? Será? 

     Há tanta vida lá fora. Há tanto medo aqui dentro. Ou talvez não. Quiçá há mesmo o perpétuo grito dos desmoronamentos que forjam a casca e que dão ao hoje a saudade dos tempos que não podem ser pegos na mão.

     Lembro-me de quando menina. Lembro de como era divertido brincar de pegar as bolinhas de sabão que Laura, minha irmã mais velha, soltava.

     Eram dias de louvor à infância e deleite no lago da existência. Eram momentos de ralar o joelho com sorrisos largos. Tempo de pular no parque. Não havia este tal de amor, nem aquela tal decepção, muito menos a quebra da expectativa da maternidade.

     Tinha amigos, risos e bolas de sabão, que como o tempo não duram muito na mão.

     Bem que o tempo podia ceder a esse desejo. Bem que poderia ser paralisado. Eu queria tanto residir na boca imortal de alguns momentos.

    Um deles seria de quando Augusto era menino. De quando seus olhos me observaram cautelosos pela primeira vez. Daquele ínfimo espaço de horas surgiu em mim uma palavra simples: “mãe”.

     Queria ter tido mais desse momento. Queria ter tido mais de Augusto. Queria ter tido mais de mim.

     Outro galho vai ao fogão a lenha. Lentamente virando pó. Lentamente se dissolvendo. “Queria mais de mim.” Bom, eu era bonita. Eu acho. Namorado foi o que nunca me faltou. Dava para ter sido melhor? Nada. Rodolfo foi o melhor marido que uma mulher poderia ter.

     Nunca vou conseguir excluir de minha mente a imagem viva dele ao me ver entrar de branco ao som da Marcha Nupcial. Nunca vou me esquecer de seu calor. De seu primeiro toque.

     Mais galhos. Levanto, pego o líquido e derramo na porta, na mesa, no sofá. Levo até o fogão.

     Só vejo o caixão descendo a cova, só vejo Augusto me olhando como um trapo usado, só vejo a chama consumir o átomo, só vejo os galhos queimando, só vejo as bolas de sabão no ar.

     Será que um dia ele volta? Será?

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