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segunda-feira, 2 de maio de 2022

COMPORTAMENTOS ESTRANHOS - Leon Vagliengo

 


COMPORTAMENTOS ESTRANHOS.

Leon Vagliengo

Existem hábitos que permanecem desde a infância. Alguns são esquisitos.

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        Acordou com o toque insistente e distante do telefone. Sábado, quatro horas da manhã! Isso não é hora de alguém telefonar, a não ser que seja algo muito importante, pensou, alarmado, o sonolento e gordinho Waldemar.

        Olhou para a esposa, Luciana continuava a dormir a sono solto. “Dorme, meu amor, você merece, você é muito especial. Só mesmo você para aceitar e ainda achar graça dos meus costumes”, pensou, enquanto vencia a preguiça de sair da cama.

O toque era do telefone fixo, lá embaixo, na sala. Waldemar desceu as escadas apressado, de chinelos, ainda meio adormecido e carregando com alguma dificuldade o excesso de peso acumulado em seus trinta e oito anos de vida, arriscando-se a um tombo.

        ― Alô! – Atendeu, ansioso, mas não a tempo: a ligação caiu. Soltou um palavrão, com raiva e frustração pelo insucesso, mas logo a seguir o telefone tocou outra vez.

        — Alô! — Atendeu, novamente ansioso, agora já completamente desperto. Do outro lado, uma voz desconhecida, meio ameaçadora, e meio zombeteira, lhe disse:

        — Eu sei de tudo! — Disse e desligou.

        De imediato, Waldemar ficou surpreso e preocupado: “Tudo o quê? ”, estremeceu.

Superado, porém, o espanto do primeiro momento, pensou bastante no que ouvira; e quanto mais pensava, mais se convencia de que a misteriosa e sutil ameaça não podia ser verdadeira, não tinha fundamento. Em toda a vida sempre primou pelo bom comportamento, pela seriedade e pelo respeito a todos; por mais que refletisse não encontrava lembrança de ter cometido qualquer irregularidade, social ou profissional, e, com certeza, não haveria nada escuso que alguém pudesse saber dele para poder ameaçá-lo.

        A não ser... a não ser que o interlocutor soubesse de algo de sua vida pessoal e que estivesse querendo explorar a sua privacidade.  Mas o quê? Matutou bastante sobre o que poderia ser, mas também nada lhe veio à cabeça, considerava-se uma pessoa absolutamente normal, como todo mundo.

        — Acho que ligaram para o número errado, não era comigo — concluiu.

        Mais tranquilo após ruminar aquele susto sem nada encontrar que pudesse comprometê-lo, bastante cansado pelo sono interrompido e pela tensão que experimentara, resolveu voltar para a cama; subiu as escadas e voltou para o quarto. Beijou os lábios de Luciana suavemente para não a despertar, colocou novamente a chupeta na boca, ajeitou a camisola, deitou-se e dormiu, abraçado ao ursinho de pelúcia; dormiu profundamente, dormiu o sono tranquilo daqueles que não têm nenhum peso na consciência e não devem nada a ninguém.

        Aquele beijo delicado não despertou Luciana, mas o leve sorriso que imediatamente surgiu em seu rosto revelou que ela sentiu profundamente o carinho que tinha recebido. Algumas horas depois ela acordou, esticou todo o corpo espreguiçando longamente, e saiu da cama. Waldemar ainda dormia profundamente, de chupeta e camisola, abraçado a seu ursinho. Luciana olhou para ele divertida e compreensiva, sorriu ternamente e disse, bem devagarinho, para si mesma, em voz baixa:

        — Esse meu marido é uma figura...!


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