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quarta-feira, 22 de maio de 2024

Tanta Coisa… - Hirtis Lazarin

 

Tanta Coisa…

Hirtis Lazarin

 

No caminho da vida

Deparamos com pessoas e coisas

Pessoas que não são grandes coisas

E outras que nos trazem muitas coisas boas.

Mas uma coisa é certa:

Muita, muita coisa vamos descartar.

Por isso e outras coisas

É preciso saber “coisar”.

Coloque cada coisa no devido lugar

Uma coisa de cada vez

Afinal uma coisa é uma coisa

Outra coisa é outra coisa.

Se alguém é cheio de coisas chatas

Coisa chata a gente manda embora.

Logo atrás vem gente fina

Cheiinha de coisas boas

É… gente fina é outra coisa

E gente boa é coisa boa.

E é nesse vaivém da vida

Driblando coisas boas e coisas ruins

Encontraremos, quem sabe,

Essa tal coisa que chamam de felicidade.

           
Entendeu
o espírito da coisa?

 

terça-feira, 21 de maio de 2024

QUE COISA!!! - Helio Fernando Salema

 




 QUE COISA!!!

Helio Fernando Salema

 

 

Numa reunião entre amigos, sempre ocorria nos fins de semana, depois de uma partida de futebol, também conhecida como pelada dos veios. Eles começaram a falar de coisas estranhas que aconteceram. Algumas verídicas e outras, certamente, criadas pelo teor alcoólico e impulsionadas pelo interesse em participar.

 

Houve histórias das mais variadas, alguns mencionaram coisas acontecidas na própria família ou na dos vizinhos. Também de colegas de serviço, amigos e, como não podia faltar, coisas dos inimigos.

 

Depois que quase todos haviam matraqueado, Justino Leal, com a cabeça cheia das coisas ditas pelos companheiros, decidiu falar das coisas de seus parentes. Contou que na sua família todos haviam conseguido ganhar nessas coisas de apostas. Ele era o único que nunca acertou em coisa alguma.

 

Numa noite, seu tio sonhou com um cavalo branco, em disparada. Dias depois foi ao jóquei pela primeira vez. Mesmo sabendo que o cavalo branco, que iria correr naquele dia, era o menos cotado, hesitou por um momento, mas cedeu à voz do sonho e acabou apostando tudo que tinha. Ganhou e trocou o fusca 69 novinho, de cor azul, por outro fusca 69, porém branco… Que coisa! Só porque era o branco da sorte.

 

O irmão, mais velho, várias vezes acertou na coisa da quina. Numa dessas, ganhou tanto que deu uma festa para os amigos e familiares. Foi uma coisa fantástica.

Alguém, então, o interrompeu:

— Você aposta em qual coisa?

— Não, eu não credito nessas coisas!

Todos riram, acabou a reunião e ficaram sem saber se as histórias, eram ou não, coisas verdadeiras.

 


A MULHER DO ANACLETO - LIMA BARRETO - TEXTO PARA LEITURA

 




A MULHER DO ANACLETO

LIMA BARRETO

 

Este caso se passou com um antigo colega meu de repartição.

Ele, em começo, era um excelente amanuense, pontual, com magnífica letra e todos os seus atributos do ofício faziam-no muito estimado dos chefes.

Casou-se bastante moço e tudo fazia crer que o seu casamento fosse dos mais felizes. Entretanto, assim não foi.

No fim de dous ou três anos de matrimônio, Anacleto começou a desandar furiosamente. Além de se entregar à bebida,  deu-se também ao jogo.

A mulher muito naturalmente começou a censurá-lo.

A princípio, ele ouvia as observações da cara metade com resignação; mas, em breve, enfureceu-se com elas e deu em maltratar fisicamente a pobre rapariga.

Ela estava no seu papel, ele, porém, é que não estava no dele.

Motivos secretos e muito íntimos, talvez explicassem a sua transformação; a mulher, porém, é que não queria entrar em indagações psicológicas e reclamava. As respostas a estas acabaram por pancadaria grossa. Suportou-a durante algum tempo. Um dia, porém, não esteve mais pelos autos e abandonou o lar precário. Foi para a casa de um parente e de uma amiga, mas, não suportando a posição inferior de agregada, deixou-se cair na mais relaxada vagabundagem de mulher que se pode imaginar.

Era uma verdadeira "catraia" que perambulava suja e rota pelas praças mais reles deste Rio de Janeiro.

Quando se falava a Anacleto sobre a sorte da mulher, ele se enfurecia doidamente: — Deixe essa vagabunda morrer por aí! Qual minha mulher, qual nada! E dizia cousas piores e injuriosas que não se podem pôr aqui.

Veio a mulher a morrer, na praça pública; e eu que suspeitei, pelas notícias dos jornais, fosse ela, apressei-me em recomendar a Anacleto que fosse reconhecer o cadáver. Ele gritou comigo: — Seja ou não seja! Que morra ou viva, para mim vale pouco! Não insisti, mas tudo me dizia que era a mulher do Anacleto que estava como um cadáver desconhecido no necrotério.

Passam-se anos, o meu amigo Anacleto perde o emprego, devido à desordem de sua vida. Ao fim de algum tempo, graças à interferência de velhas amizades, arranja um outro, num Estado do Norte.

Ao fim de um ano ou dous, recebo uma carta dele, pedindo-me arranjar na polícia certidão de que sua mulher havia morrido na via pública e fora enterrada pelas autoridades públicas, visto ter ele casamento contratado com uma viúva que tinha " alguma cousa", e precisar também provar o seu estado de viuvez.

Dei todos os passos para tal, mas era completamente impossível. Ele não quisera reconhecer o cadáver de sua desgraçada mulher e para todos os efeitos continuava a ser casado.

E foi assim que a esposa do Anacleto vingou-se postumamente. Não se casou rico, como não se casará nunca mais.

 

Neste link você encontrará mais informações do LIMA BARRETO:

https://youtu.be/O7tA6_gtoQ0?si=e5mx0KOR-x3E30EM

segunda-feira, 20 de maio de 2024

PARAÍSO EXISTE? - Dinah Ribeiro de Amorim

 



PARAÍSO EXISTE?

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Heitor cresceu um bom rapaz. Boa formação, educado, estudante aplicado, formou-se em Economia. Apaixonou-se por Patrícia, a primeira namorada, com ela se casou e teve filhos.

Empregou-se num banco famoso da cidade, nele aprendendo os mecanismos e as altas transações comerciais feitas em sociedade. O espírito da ambição e da fortuna o acometeu, esquecendo-se da natureza e simplicidade que possuía.

Associou-se à companheiros iguais a ele e, mediante empréstimos de outros bancos, conseguiu fundar um banco próprio, que deu origem a inúmeros outros, espalhados pelo país, com seu nome. Acumulou imensa fortuna!

A vida social mudou conforme a nova personalidade. Trocou a antiga esposa que amava por uma mulher mais jovem, bonita e atraente, voava com jatinhos para vários países, possuía inúmeros carros, fazendas, iates, enfim, construiu um império. Tudo isso com o dinheiro que rolava entre bancos e empréstimos feitos, em confiança.

Como sempre acontece, não possuía amigos verdadeiros, mas interessados em subir às suas custas. Alguns até, no íntimo, verdadeiros inimigos, invejosos, loucos pela sua ruína.

Anos se passaram e, Heitor, apunhalado pelas costas, na gíria, entrou em falência. Sua fortuna sucumbiu. Não conseguia empréstimos, acabou a confiança do mercado. Ficou prestes a perder tudo que conseguiu obter. Devia tanto dinheiro que, mesmo vendendo todos os bens, não conseguiria pagar as dívidas.

Interessante que os homens que mais ajudou foram os que mais o traíram.

O advogado e único conselheiro particular, Dr. Horácio Pimenta, temendo pela saúde de Heitor, aconselha-o a tirar uns dias de férias, com a atual esposa, num hotel campestre, para pensar melhor na solução do problema e descansar. Quem sabe, como achou um modo de enriquecer, acharia um modo de sair da falência.

Inteligência nunca lhe faltou.

Heitor se dirige ao Resort Acalanto, lugar agradável, que transmite sossego e paz. Sente isso logo ao entrar.

Deposita seus pertences e o de Lucinda, a atual esposa, toma um banho relaxante, sente-se melhor e resolve andar um pouco, conhecer o lugar.

Lucinda fica para descansar.

Afasta-se do hotel e percorre um caminho, em direção a um monte, não muito alto, de um verde atraente, com flores coloridas e perfumadas. “Que lugar encantador”, pensa!

Para subir, depara-se com uma escadinha branca, sem corrimão, de difícil acesso. Curioso, teima em subir e visitar uma espécie de igrejinha ou templo, bem acima.

Quando está no último degrau, escorrega e cai, bate fortemente a cabeça. Desmaia.

É socorrido por um homem idoso, cabelos e barbas brancas, roupagem estranha, uma túnica grossa, parece um monge, que levanta sua cabeça e faz com que beba um líquido escuro, amargo, acordando-o logo.

Heitor tenta se levantar e titubeia um pouco, amparando-se no monge.

Agradece a ele e percebe que a cabeça sangra um pouco, o que preocupa o idoso, fazendo-o entrar no pequeno templo. Prepara-lhe um unguento de folhas que estanca o sangue. Aliviado, Heitor senta-se num banco e examina o local.

Percebe um pequeno altar com uma imagem simbólica, uma santa ou deusa, de vestimenta púrpura, mais parecendo uma indígena do que as imagens de santas que conhecia.

— Onde estou? O que é aqui? Pergunta ao idoso, ainda meio atordoado.

O senhor, coçando levemente a barba, de olhos escuros e vivos, olha-o curioso e pensativo, demora um pouco a responder.

— Aqui é a morada de uma protetora dos antigos indígenas que habitavam esse lugar, ainda cultuada e adorada por descendentes, que a visitam de tempos em tempos. Eu sou o guardião. Conheci sua história, apaixonei-me por ela e, angustiado com o mundo, resolvi mudar para cá.

Heitor, admirado e interessado, pergunta o nome dela. Quem sabe já ouviu alguma coisa.

— Ficou sendo a santa ou deusa Aruama, protegida das pessoas aflitas ou desenganadas pelo mundo. Dizem que quando se agrada de alguém que a invoca, faz brotar uma linda flor púrpura no caminho, sinal de que o pedido será atendido.

E o senhor continua...

— Perdi toda a minha família numa epidemia que teve, fui demitido do trabalho de muitos anos, era biólogo, um estudioso da natureza, principalmente das plantas. Descobri como curar vários tipos de doença. Roubaram meu trabalho. Amigos, muito poucos. Parentes, quase nenhum. Cansei-me da cidade grande, do barulho, da confusão diabólica que tem. Quando conheci esse lugar, encantei-me e resolvi ficar. Bastou a mudança de pensamento e recebi a flor púrpura no caminho. Aqui estou há quinze anos. Chamam-me, carinhosamente, de Pai Ari.

Heitor, sentindo-se solidário ao Pai Ari, identificando o seu problema pessoal com o dele, começa a se interessar pela história.

— E por que Aruama foi santificada? O que lhe aconteceu? Pergunta Heitor.

Pai Ari, coçando novamente a barba, responde:

— Ah! Isso é uma história delicada, difícil de acreditar. Falam que era uma indígena jovem, muito bonita, filha de um cacique, chefe de tribo. Apaixonou-se por um plantador branco, filho de camponeses do lugar. Família de europeus. Não se davam com índios. O rapaz também gostou dela. Mas não deu certo. Era prometida a um filho de outro cacique e, como não quis se casar, resolveram os dois amantes fugir para bem longe de tudo e todos. Como vingança, as tribos se uniram e mataram todos que encontravam pelo caminho. Brancos, índios, jovens, velhos, principalmente mulheres. Isso, até encontrarem os dois enamorados, que foram escalpelados e jogados no rio das Piranhas. Exaustos e satisfeitos, voltaram para suas tribos, mas tiveram que fugir, pois, enorme enchente que se deu no rio, alagando e afogando quase todos. Só alguns índios puderam voltar, quando a cheia do rio baixou, brotando em suas margens lindas flores de cor púrpura. Ah! Acharam também no seu leito a linda imagem da jovem sacrificada, que é essa que está aí, nesse altar. Verdade ou lenda, depende da fé de cada um. Faz parte do folclore indígena.

Heitor, distraído, acredita que aquele lugar é encantado mesmo, mas consulta o relógio e vê que é tarde, precisa voltar ao hotel. Sua mulher deve estar aflita.

Despede-se do Pai Ari, que não quer o deixar ir, mas vai descendo as escadas devagar, temendo nova queda e ainda meio tonto.

Chega rápido ao resort e tem uma surpresa! Não está naquele lugar. Seu nome nunca esteve na agenda! Pede a chave do quarto para verificar suas coisas e, outra surpresa! Nada seu se encontra ali.

Pergunta pela esposa e ninguém a conhece. Meio desesperado, procura o celular e liga ao Dr. Horácio, o advogado amigo.

Horácio atende o telefone e pergunta se ele está bem? Nunca indicou nenhum hotel a ele e, Lucinda, acaba de ligar de casa, perguntando por ele.

Heitor, na dúvida momentânea que o acomete, pensa que enlouqueceu.

Senta-se no hall de entrada e medita: “Será que errei de hotel? Tive uma pancada na cabeça. Mas lembro-me daqui. Até o gerente é o mesmo. Que confusão está havendo, meu Deus? ”

Nessa hora, Heitor lembra-se de Deus, o que nunca fez antes.

Vem à mente a traição! Até do amigo advogado e sua esposa. Querem confundi-lo. Talvez o internar como louco! Um modo de assumir seu lugar e ficar chefiando tudo.

Mais calmo, acostumado com essas reviravoltas que acontecem na vida e nos negócios, experiências, que talvez também tenha aprontado, resolve telefonar a Lucinda.

— Estou aqui em frente ao Resort Acalanto, onde combinamos, que horas você chega?

— Nossa, querido, responde ela. Não me lembro de ter combinado nada. Estou até preocupada com você. Que horas volta? Deve estar muito estressado, mesmo. Acabei de chegar da casa de uma amiga. Estávamos jogando.

Heitor fecha o celular e joga-o longe. O gerente, na recepção, pergunta-lhe se precisa de um médico?

Ele agradece e sai meio cambaleante, pensando no que fazer. A cabeça funciona, e bem. O primeiro pensamento que lhe ocorre é dirigir-se ao Pai Ari, antes que escureça.

Deixa o carro no estacionamento em que estava, isso não mudaram, e retorna ao templo de Aruama, à procura do Pai Ari. Nunca pensou que o passeio para relaxar fosse terminar assim. “Que situação difícil! ” Pensa.

Pai Ari o recebe sem espanto, como se já esperasse o retorno. Ao vê-lo tão angustiado, faz com que o acompanhe até o altar de Aruama, se ajoelha e recita uma prece, em voz baixa. Em seguida, leva-o até seu alojamento, um pequeno quarto nos fundos, e convida-o a deitar-se e tentar dormir um pouco.

Heitor quer desabafar logo tudo o que sente, mas Pai Ari recomenda-lhe silêncio, não está ainda em condições e obriga-o a tomar um chá calmante.

Heitor, cansado e sem ação, adormece logo e relaxa, relaxa e sonha...

Encontra-se sozinho, num terreno escuro, rodeado de sombras ou vultos que o impedem de caminhar. Assustado, procura com o olhar uma saída, uma claridade para fugir. Após um tempo tenebroso, avista ao longe um raio de luz, parece o nascer do Sol após a negritude de uma triste noite. Em desespero, vai em sua direção. Encontra-se agora num lugar tranquilo, de céu azul, com algumas nuvens brancas. Pessoas caminham, suavemente, enquanto outras, sentadas, conversam e sorriem. Para Heitor, saiu do inferno e alcançou o Paraiso. Sentiu um bem-estar e uma felicidade que nunca teve antes. Não queria acordar mais desse sonho!

Delicadamente, Pai Ari o chama, amanhece.

Heitor, ainda sonolento e, mais calmo, lembra-se do acontecimento anterior e, após ligeiro e simples café, sentam-se num banco e inicia a sua história. Conta os problemas que acontecem na profissão, na atual situação financeira e, as tristes surpresas do dia anterior. Confuso, inseguro, sem ação, está perdido no dilema da vida.  Não sabe o que fazer...

Pai Ari, ao escutá-lo, não se impressiona, acostumado a ouvir histórias semelhantes, há anos.

Sua primeira pergunta é como era a vida, no início da profissão, o que mais gostava?

Heitor não se lembra, só recorda que era um homem simples, comum, um economista de um banco, sem grandes aspirações. Não tinha também muitos problemas. Uma boa esposa, três filhos normais, que agora via ocasionalmente, não acompanhou muito o crescimento deles.

— Era mais feliz, nessa época? Como enriqueceu tanto, de repente? Pergunta o guardião.

Heitor pensa um pouco para responder e acha que foram oportunidades que viu e teve, lidando com dinheiro e negócios. A vontade de adquirir mais coisas, melhorar socialmente, de posição e vida. Reconhece que se tornou ambicioso e a vaidade o atraiu.

— E agora, meu amigo, o que pretende fazer? Desistir de tudo, vontade de voltar ao passado ou enfrentar o presente e lutar contra todos, arriscando-se a perder? Pergunta Pai Ari.

Heitor responde que essa é uma pergunta que não sabe responder, no momento. Talvez encontre uma saída, uma maneira de vencê-los. Pede-lhe para ficar por ali, uns dias, já que não sente vontade de voltar, por enquanto. Começa a sentir paz e calma, naquele lugar. Não sabe explicar como, após tantas confusões.

Pai Ari fica contente com isso, concorda que deve descansar. Necessita de auxílio numa horta e de alguém para conversar com ele.

Heitor pensa em ficar nesse lugar simples, sem o conforto que tem, uns três dias, mas acaba sendo uma semana ou mais. Ajuda o Pai Ari na plantação, acompanha-o no seu trabalho, plantar sementes, afofar a terra, recolher verduras. Isso o lembra de uma fazenda que possui e deixou o filho mais velho para cuidar, uma plantação de café. Nem sabe a quantas anda! Ele dorme bem, acorda satisfeito, mais desligado dos seus problemas de falência, sem grande preocupação com o futuro.

Pai Ari nota nele, aos poucos, uma transformação. Sumiu aquele homem transtornado e revoltado, volta a tranquilidade e o gosto pelo simples da vida, comer, dormir, lidar com a terra, fazer o próprio pão, retirar a água de uma cisterna, cuidar dos próprios alimentos, desligar-se das notícias e falsidades do mundo.

Pergunta-lhe do que mais sente saudade? “Lembro-me, às vezes, da minha vida anterior, minha primeira esposa, o nascimento dos meus filhos, os amigos que tinha”, Heitor responde.

E continua...

“Acho que chegou a hora de voltar, amigo. Dar um basta na vida atual, tentar saldar a minha grande dívida, ver se consigo conservar uma fazenda, voltar à minha cidade, quem sabe, ao Banco em que comecei, o diploma ainda conservo”.

Pai Ari sorri, satisfeito e pensa: “Aruama ainda age no mundo. É força do Bem! ”

Heitor despede-se do novo amigo, promete voltar para contar boas novidades e vai em busca do carro. Ao descer a escada, olha para cima e, além do Pai Ari, avista uma flor púrpura que desabrocha ao lado do último degrau. Emociona-se, sente uma lágrima que escorre, para sua surpresa.

O tempo passa, Heitor enfrenta grandes batalhas judiciais, coisas ruins o espera. Consegue vender seus bens, se desfazer de várias empresas e cargos, com tranquilidade e paz. Possui o auxílio de um médico, antigo amigo, para livrá-lo de acusações de loucura. Salva a fazenda de café, que doa aos filhos e, quando tudo se acalma, procura saber como está a antiga esposa. Encontra-a na cidadezinha em que a conheceu, mais velha e acometida de um câncer maligno, auxiliada por uma cuidadora. Os filhos, visitam-na ocasionalmente.

Compadecido, estabelece-se na cidade e procura ajudá-la, quer compensar o abandono que teve e o rompimento. Patrícia, o antigo amor, não acredita que ele está voltando para vê-la e ainda a ajudar. Fica mais feliz, apoiada pelo ex-marido. 

Um novo Heitor reaparece, após dois anos, para visitar Pai Ari, que o recebe carinhosamente, coçando a barba comprida e sorrindo feliz.

— E aí, amigo? Novidades boas? Demorou a voltar. Saudades nossas? Exclama.

— Sim, Pai Ari, não os esqueci e volto para agradecer o bem que fizeram à minha vida.

“É, Aruama, com sua história triste, ainda tem força para transformar vidas e distribuir flores! Deve estar em algum Paraíso mesmo! ” Reafirma seu guardião. “Virou um anjo a serviço de Deus! ”

 

 

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Corda Bamba - Adelaide Dittmers

 

 


Corda Bamba

Adelaide Dittmers

 

Antonio recostou-se na espreguiçadeira do hotel.  Os olhos perdidos na imensidão do oceano.  Sentia-se cansado. O acúmulo de responsabilidades do cargo que exercia naquela grande empresa americana, o estava deixando estressado.

As críticas veladas de seus pares ao presidente pela cobrança de informações necessárias ao bom funcionamento de sua área de trabalho chegavam ao seu conhecimento e o estavam deixando muito incomodado e inconformado por não chegarem diretamente a ele. Sentia-se traído.

Ocupava esse cargo importante por sempre ter se dedicado e se esforçado para alcançar os objetivos da empresa.  Não conseguia entender a displicência dos outros departamentos em lidar com questões importantes para o sucesso dos negócios.

O olhar de raiva e desprezo de Maurício, na última reunião, não saía de sua memória, por ele apontar vários erros em sua gestão.  Cruzou e descruzou as pernas para livrar-se do incômodo que esse pensamento lhe causou. 

A imensa área sob seu controle funcionava como um relógio suíço.  Seus funcionários eram eficientes e constantemente treinados, incentivados e elogiados pela dedicação aos seus trabalhos.  Era um bom chefe e se sentia admirado e estimado por eles.

O problema era a empresa em geral, que tinha muitos problemas a resolver. O presidente parecia aberto aos seus conselhos, mas sempre muito cauteloso em aceitá-los.  Ultimamente, Antonio estava impaciente e demonstrava isso com atitudes descontentes, e seu nervoso vinha à tona com frequência.

Até que na última reunião, o presidente diz-se estar muito preocupado com ele e que deveria tirar umas férias para não ter um esgotamento nervoso

Ficou surpreso com essa sugestão, mas realmente achou que tinha que descansar um pouco. E, por essa razão, estava ali naquele luxuoso hotel em um lugar paradisíaco para colocar as ideias no lugar, tentando equilibrar seu estado de espírito que ultimamente balançava de um lado para outro em um mar de dúvidas sobre si, sobre aqueles que o cercavam e sobre certas questões administrativas.

Balançou com vigor a cabeça de um lado para outro para expulsar seus pensamentos, depositou o copo na mesinha e levantou-se num ímpeto.  Respirou fundo.  Precisava caminhar. Foi até a beira do mar e parou por um momento, deixando as ondas lamberem mansamente seus pés.  O contato com a água o levou a um delicioso torpor.

Começou a andar devagar pela extensa praia de brancas areias. A brisa marinha aliviava o calor do sol. Uma sensação de paz, há muito não sentida, o invadiu e ele seguiu pela orla despreocupado, sentindo uma suave energia. O cheiro salgado do mar entrava pelas suas narinas e sua alma.

De repente, uma mão o agarrou com força, por trás.  Tentou virar o corpo e se desvencilhar, mas não conseguiu, algo pontudo perfurou um flanco de seu corpo e, quando se virou com dificuldade, viu um homem desconhecido correr para fora da praia, embrenhando-se na vegetação costeira. A dor o contorceu, mas juntando todas as suas forças, foi capengando e arrastando os pés para alcançar o hotel. Chegou ao jardim, quando então perdeu os sentidos.

O alvoroço se espalhou pelo local.  Pessoas correram para socorrê-lo.  Gritavam umas para as outras para que fosse chamada uma ambulância.  Um hóspede amarrou uma toalha fina em volta dele para estancar o sangue e deu ordens para carregá-lo até uma van pertencente ao hotel.  Não havia tempo para perder. Gritou ele.

Internado na emergência do pequeno hospital da cidade, teve que ser submetido a uma cirurgia de urgência.  Permaneceu alguns dias no hospital e logo que estava melhor partiu para São Paulo. Não quis que a família fosse avisada para não assustá-la.

Quem teria planejado esse ataque, não foi um assalto.  Ele não levava nada para ser roubado, apenas o celular, que permaneceu em seu bolso. Sua cabeça latejava mais que o ferimento. Maurício não gostava dele. Não, ele seria incapaz. Esses pensamentos o atormentavam.

Vários funcionários da empresa e o presidente foram visitá-lo. O misterioso acontecimento espalhou-se pela empresa como um rastro de pólvora. Cada um dando sua versão do que poderia ter acontecido.

Completamente recuperado, voltou à empresa.  Todos o receberam efusivamente, até os supostos desafetos manifestaram solidariedade pelo acontecido.

Uma nuvem negra, porém, pousava sobre ele. Quem fizera aquilo e por quê? O seu temperamento forte não era motivo, nunca prejudicara ninguém.  Se o suposto facão tivesse sido enterrado um pouco mais fundo, ele não teria se salvado.  Quem teria desejado sua morte?

Chegou ao seu escritório e sentou-se, estendendo as pernas e os braços para tentar relaxar.  Um envelope pardo, em que se lia em letras garrafais “Confidencial”, endereçado a ele, estava sobre a escrivaninha. Pegou-o curioso e o virou.  Quando leu o remetente, jogou o corpo para trás para absorver a surpresa. A carta vinha da presidência do grupo, cuja sede era nos Estados Unidos.

‘Por que eles estavam lhe enviando uma carta confidencial diretamente para ele? ’ Perguntou-se.

Com muito cuidado, abriu o envelope.  Conforme foi lendo, sua expressão foi ficando alterada.  Nela foi avisado que o presidente da empresa brasileira tinha feito um grande desfalque e perceberam que ele, Antonio, estava muito perto de descobrir pelos relatórios e documentos enviados a eles. Por meio dessas informações, fizeram uma grande e secreta investigação e chegaram ao presidente. Pediam também para se manter discreto e disfarçar o que estava acontecendo até que o homem fosse indiciado.

Então, fora essa a causa verdadeira da sugestão de afastá-lo.  Lembrou-se que muitas vezes comentou com o chefe que alguma coisa estava acontecendo com as contas da empresa.

Um sorriso irônico surgiu no seu rosto crispado pela incredulidade. A empresa precisava mesmo de gente competente, o homem nem fora capaz de articular um crime perfeito. E, sem poder se conter, caiu numa gargalhada.

 

UMA CARTA! - Dinah Ribeiro de Amorim

 


UMA CARTA!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Amy, sentada num banquinho à frente da porta, aguarda Tom, o carteiro, passar. Estamos em Burnley, antiga e próspera cidade litorânea, ao sul da Inglaterra.

Há anos, sua rotina matinal é essa. Esperar a chegada de Tom, que se tornou mais um amigo que um estranho profissional dos Correios.

Espera por uma carta há mais de cinco anos, avisando o feliz retorno de John, seu marido, que partiu logo após o casamento, com o início da última grande guerra. Apaixonado por aviões, alistou-se como piloto na antiga RAF, mas prometeu voltar! “Logo nos veremos...” havia escrito na última carta.

Confiou nisso. A guerra acabou e ele não voltou, mas ainda o espera. Sabe que nunca mentiu e a esperança não morre, acredita na volta.

A cidade, atingida pela perda de muitos habitantes, alguns acidentes aéreos e outras catástrofes, tenta retornar ao seu apogeu em indústrias de algodão, mineração de carvão, fabricação dos primeiros aviões a jato, deixando de ser ponto estratégico aos inimigos com sua costa marítima.

Amy, atingida também em seus sentimentos, consola-se e espera, desacredita na informação recebida anos antes, a morte de John em combate aéreo.

Quando habitantes amigos a avistam, sentada à porta da pequena casa,  junto ao mar, olhando sempre ao longe, esperançosa, comentam entre si: “A guerra afetou sua mente, afastou a realidade, que tristeza! Também, quase acabou conosco!”

Tom, o carteiro, entristece-se ao vê-la, parando sempre para dar-lhe um dedo de prosa. “Quem sabe a mente volta, pensa ele, ela aceita que o marido morreu.”

Amy aproveita para dar-lhe um bom dia e perguntar as novidades da guerra. Quando voltarão todos para casa?

Tom responde sempre: “A guerra já acabou faz tempo. Graças a Deus, há grande recuperação na cidade, mudanças em todos os lugares, a Sra. ainda não viu?”

— Não creio. Meu marido não voltou e prometeu voltar logo. Não deve ter acabado, responde ela.

Tom se aquieta, entristece o rosto, afirma que talvez tenha se atrasado, e vai embora. “Até amanhã, Da. May. Quem sabe ainda escreve?”

Os habitantes, moradores à beira mar, vizinhos da região, compadecem-se dela e gostariam de resolver a situação. Tão jovem ainda, diziam, poderia refazer a vida, voltar a alegrar-se, como também fizemos.

Tom, um apaixonado pela profissão, transmissor de palavras escritas, tem uma ideia. Fazer uma reunião com os moradores mais chegados a Amy: Thomas, Grace, Lindsay, Ronnie e Frank. Quem sabe conseguiriam inventar novas cartas até chegarem numa última, final, de despedida.

—Não dará certo, exclama Lindsay. Vamos reavivar ainda mais o problema, dar-lhe maiores esperanças de uma falsidade.

Grace acha melhor escreverem nova carta, insistindo numa despedida. Quem sabe Amy acredita melhor na realidade.

Ronnie, um amante da verdade, acha melhor repetirem a carta oficial do Exército Inglês, que comunica a morte de John, notável piloto, em combate.

Cada um dá uma sugestão, mas não chegam a nenhuma em definitivo.

Tom, diante disso, acha melhor expor a sua ideia: contar que John não morreu, mas resolveu, diante de tantas tragédias que viu na guerra, permanecer numa aldeia nativa, na Tailândia, país que o recebeu e o recolheu muito doente, preferindo não voltar à Inglaterra. Ele e Amy viveram juntos muito pouco e preferia guardar somente boas lembranças. Não tem vontade de continuar um casamento que mal existiu.

Todos se entreolham, acham que uma carta, nesses termos, causaria enorme decepção em Amy. Teria uma recuperação abrupta ou uma fuga maior da realidade, não querendo mais viver.

Os amigos, preocupados, terminam o encontro e ficam de pensar noutro jeito, mas Tom, com maior esperança e firmeza na ideia, apaixonou-se por Amy, com as vindas diárias, e cansou-se de vê-la sofrer. Talvez estivesse meio louco também... Essa guerra....

Começa a imaginar uma carta e escrevê-la, endereçada a Amy:

“Querida Amy,

Escrevo-lhe após tantas promessas feitas em tempos passados. Essa guerra que aconteceu mudou meus pensamentos e vontades. Sinto-me outro homem, mais realista, mais pessimista, sem sonhos e desejos. Não vou retornar à Inglaterra, mesmo com saudades. Sofri muitos ferimentos, quase morri, recuperado por famílias nativas encontradas, longe de militâncias e guerras. Estou em paz. Espero que fique também, e consiga refazer a vida.

Beijos, John.”

Tom fecha o envelope, sela como correspondência estrangeira, coloca o carimbo dos correios e endereça a Amy.

No dia seguinte, entrega-lhe a carta e aguarda uns instantes, verifica sua reação.

Amy agradece e, ansiosa, entra em casa e fecha a porta.

Tom informa aos amigos o que escreveu, deixando-os preocupados e inseguros. Observam também que Amy não sai mais à porta.

Passam dias, algumas semanas, e Amy não abre a porta.

Grace, a vizinha mais próxima, dá muitas batidas, grita seu nome e, não obtêm resposta.

Tom, preocupado, sentindo um leve remorso, reunido aos amigos, pensa em chamar a polícia, mas é advertido a esperar um pouco. Escutam ruídos lá dentro, que se tornam maiores, cada vez mais.

Amy, como reação à forte dor que sente e com raiva de si mesma, quebra tudo que a lembre de John.

O tempo passa e todos percebem a nova Amy que reaparece. Bonita, bem-vestida, alegre, que aceita logo o convite para uma comemoração.

A carta de Tom deu certo. Amy irá refazer a vida, como era a vontade de John.

Percebe o interesse do carteiro e resolve dar-lhe esperanças, marcando  noivado e casamento, após alguns meses. Afinal, foi o único amigo que teve em todos os dias de espera.

Chega o grande dia para Tom e Amy. Convidados e amigos esperam a bela noiva entrar para iniciar a cerimônia.

Qual não foi o espanto de todos! Amy, ao dirigir-se à Igreja, avista ao longe um barco que se aproxima e, sem saber o porquê, volta e, curiosa, se aproxima para ver quem chega.

Um John mais magro, envelhecido, queimado de sol, cabeludo, mancando de uma perna, acena-lhe com as mãos, ao desembarcar na praia.

É, a voz do povo não é mesmo a voz de Deus!

quarta-feira, 8 de maio de 2024

A ÚLTIMA CARTA - Helio Fernando Salema

 



A ÚLTIMA CARTA

Helio Fernando Salema

 

 A ÚLTIMA CARTA

Helio Fernando Salema

 

 

 

Ainda sentada em frente ao gerente do Banco, Adélia viu, no seu celular, a mensagem de D. Mercedes, a governanta, de que o agente dos correios havia deixado um envelope. Despediu-se do gerente e saiu apressada para pegar o táxi.

 

Durante a viagem, ideias não muito boas brotavam na sua mente. Não só pela conversa com o gerente, mas também com relação ao envelope. Ao chegar, desceu do táxi e foi logo abrindo a bolsa para pegar as chaves. Não conseguindo segurá-las com firmeza, deixou-as cair sobre a grama. Ao abaixar, sentiu-se tonta. Sentou-se no chão. Com as mãos nervosas, pegou o chaveiro. Em seguida, respirou aliviada, levantou-se, lentamente. Ao sentir a firmeza das pernas, caminhou com muito cuidado, mantendo as chaves prontas para abrir a porta.

 

Ao entrar, passou pela mesa, percebeu o envelope, olhou e dirigiu-se para a cozinha. Tomou o remédio que ficava no armário. Após ingerir o comprimido, continuou absorvendo pequenos goles de água. Sabia que D. Mercedes tinha ido ao médico e que, certamente, demoraria.

 

Ao pegar a carta viu que a remetente era sua nora e o endereço uma pequena cidade no interior do Canadá. Achou estranho que não fora escrita pelo seu único filho.

 

Minha querida sogra. Inicio esta carta com uma boa notícia. Seu neto nasceu há duas semanas. Está ótimo. Recebeu o mesmo nome do pai. Devido a uma forte nevasca, ficamos sem comunicação, por isso não pude me comunicar com a senhora antes.

 

A notícia ruim é que eu estava em casa sozinha quando começaram as dores do parto. Liguei para a empresa e o meu marido pegou a moto e veio para me socorrer. Infelizmente, a moto foi atingida por um carro. Os vizinhos me socorrem e fui levada ao hospital. Fui submetida a uma cesariana. Fiquei por uns dias em estado de choque. Os médicos não deixaram que eu fosse ao velório. Disseram-me que a urna estava lacrada. Somente na semana seguinte, eu recebi alta do hospital junto com meu filho.

 

Hoje mais calma, decidi informá-la da tragédia e dizer que vou continuar morando aqui e vou fazer tudo que meu marido sonhava para o nosso filho. Seu neto irá estudar no colégio que o pai escolheu. Se a senhora não puder vir, farei o possível para um dia levar seu neto para a senhora conhecê-lo. Na próxima carta lhe enviarei fotos dele.

 

Antes de concluir a leitura, o celular toca. Adélia coloca a carta sobre a mesa e atende à ligação:

— Dona Adélia, aqui é o gerente de sua conta. Assim que a senhora saiu, conclui o documento do seguro de vida da senhora para o seu filho, só falta a senhora assinar.

Ela, com a voz trêmula:

— Não é mais necessário…


Destino, o que é o destino? - Helio Salema

 



Destino, o que é o destino?

Helio Salema

 


II Capítulo


Bento e Gregório eram amigos desde os tempos de colégio. Nos fins de semana, se reuniam com outros amigos, na prática de esportes.

Mesmo quando Gregório se mudou para outra cidade a fim de cursar engenharia mecânica, em alguns fins de semana regressava para a sua cidade natal e era animada a reunião com os antigos amigos.

Após formatura, mudou-se para outro Estado. Nos últimos dois anos, só se falava por telefone. Bento, ao concluir o Segundo Grau, dedicou-se às lojas do pai, que já apresentava sinais de doença grave.

 

Hoje, aniversário do Bento, Gregório retornou para fazer uma surpresa ao amigo. A mulher no carro em chamas era sua ex-namorada, que terminou o relacionamento assim que ele saiu para outro Estado. Talvez por isso que não retornava à sua cidade natal.

 

Ao ouvir o grito do Gregório:

— Sai daí…

Bento acatou a ordem e foi-se afastando em direção ao amigo que segurava o bebê.

Um carro para próximo e um casal sai correndo. O marido, que era bombeiro, consegue abrir a porta do carro e retira a mulher. Ele a conduz para junto do seu carro, onde sua esposa, que é médica, logo começa a examinar a vítima. Balança a cabeça!!!

 

Outros veículos foram chegando, inclusive a viatura policial. Com o uso de vários extintores, o fogo foi sendo dominado. Do veículo, quase nada restou. As várias malas e sacolas eram, agora, um monte de cinzas.

 

Bento, que reconheceu a mulher, Maria Clara, ficou sem saber como dizer ao amigo Gregório, que continuava segurando o bebê, como um pai dando todo carinho do mundo ao filho, que pouco antes estava chorando, desesperadamente.

 

Os policiais quiseram saber quem eram os três, que a princípio pareciam serem os sobreviventes. Gregório explicou que de longe viu quando o carro perdeu o controle, atravessou a pista e bateu de frente na árvore. Parou para socorrer, em seguida, seu amigo chegou e conseguiu tirar a criança. Eles se afastaram com receio de explosão. Então aquele casal parou e o homem conseguiu retirar a mulher, enquanto outras pessoas apagavam as chamas.

Um policial perguntou se conheciam as vítimas. Bento relatou que o bebê era filho da vítima, cujo marido era “AQUELE SUJEITO” que matou um casal e fugiu, no mês passado.

— Talvez ela estivesse indo ao encontro dele.

E os parentes da criança?

— A mãe e o irmão da vítima foram embora, sem deixar endereço, logo após ela se juntou ao tal cara que apareceu na cidade. Ninguém nunca soube quem ele era nem de onde veio.

— Então, o bebê não tem parente?

Bento, olhando para Gregório:

— Talvez… Sim.

O policial foi chamado à viatura.

Bento, ao perceber o terrível espanto no semblante do amigo:

— Este menino nasceu de parto normal sete meses depois que você foi embora e não mais voltou. Sempre estivemos em dúvida, mas como você e nem ela jamais comentaram sobre o término do namoro, decidimos ficar calados.

 

 

 

CINCO ANOS DEPOIS.

 

Mais um fim de semana que Gregório retorna à sua cidade. Nestes últimos cinco anos, foram pouquíssimos os que não esteve presente. Hoje é um dia especial. Na escola, Bento e seu filho Sandro e o amigo Gregório com o seu filho Gregorinho. Terminada a festa do Dia dos Pais, foram os quatro almoçar.

 

Após o almoço, decidiram ir até um parque onde as crianças encontraram outros amigos. Enquanto a turminha brincava, animadamente, os pais ficaram conversando e admirando o entrosamento dos filhos. Por um instante, o silêncio dominou entre os amigos, quando Gregório ficou bastante emocionado:

— Destino. O que é o destino?

Bento percebeu que o amigo queria revelar alguma coisa importante, continuou calado. Gregório, em tom de desabado, começa a relatar:

— Quando eu falei para Maria Clara que tinha conseguido um emprego, ela demonstrou-se muito contente. Ao saber que era em outro Estado, mostrou-se surpresa. Tentei explicar que era muito importante para mim.

Foi quando ela respondeu:

— Vá e seja feliz. Não precisa voltar.

— Assim terminava um relacionamento que para mim seria eterno. Eu só comentei com minha mãe e minha irmã, pedindo que não falassem nada, pois eu não sabia como estaria tempos depois. Dias antes do acidente, minha irmã telefona e diz que minha mãe estava muito doente. Decidi vir e escolhi justamente o dia do seu aniversário. Era uma surpresa, desejava muito lhe fazer. Só acreditei que era o pai, depois do resultado do DNA, embora estivesse muita vontade de criá-lo como filho. Mesmo que o pai fosse outra pessoa. Tenho pensado e refletido muito.

 O que é o destino?

 

 

 

O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

  O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA Pedro Henrique        Curioso é pensar na vida e em toda sua construção e forma: medo, terror, desejo, afet...