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quarta-feira, 10 de setembro de 2025

O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

 



O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA

Pedro Henrique

 

     Curioso é pensar na vida e em toda sua construção e forma: medo, terror, desejo, afeto e passado. Tantos elementos e, ainda assim, os mais torturantes insistem em emergir.

     Reflito, talvez seja um fato inerente a esse ecossistema. Assim como existe a verdade, também há a mentira. É inevitável.

     Começamos pensando no vento. Exatamente, o vento; esse elemento que, aos olhos de muitos, é tão banal. A princípio, ele é brando e gentil. Refresca com sutileza a alma daqueles que, pelo sol escaldante do cotidiano, são castigados. 

     Depois, ele aumenta seu impacto, fecundando-se mais forte até chegar em seu estágio de maior prestígio.

     O vento, então, anseia todo o espaço, e penetra cada milímetro que pode até adentrar uma rua um tanto deserta, com uma vegetação calorosa que lhe permite saltos espontâneos e vibrantes.

     Nessa mesma rua, lá… longe, vê-se uma casa: pequena, simples, e sem uma gota minúscula sequer de paz.

     Curioso, o vento se aproxima sorrateiro, chega de fininho, bem na ponta dos pés, atraído pela janela.

     Ele observa calmo e sereno a movimentação. Depois de alguns segundos, o pânico cessa.

     Primeiro, há medo, logo em seguida, subjugação, depois lágrimas. O vento, portanto, decide entrar e fazer daquele ambiente seu mais novo lar. Nunca, até então, havia encontrado uma residência assim: nebulosa.

     Descobriu a origem da lágrima. Seu nome era Vicentina, a menina nascida marcada.

     O vento tinha pena dela, como eu tenho. Coitada, soubera desde muito nova como carregar seu manto de horror e aceitou que era assim mesmo.

     Quando bebê, nascera bela e edênica. Era daqueles cujos indivíduos se entusiasmavam de olhar, com isso, não bastando aos olhos, queriam pegar, apertar, beijar e fazer caretas e vozes pueris.

     Cresceu, como toda criança, com devaneios intocáveis e indeléveis.

     Ela tinha a Via Láctea em suas ínfimas mãos. Queria ser tudo e mais um pouco se assim pudesse ser.

     Também era inteligentíssima. O vento muito gostou disso. No entanto, a lágrima, a bendita lágrima, o perseguia.

     “O porquê daquela garota pulcra, que tinha o QI de poucos, chorar tanto?”

     “Quais segredos, se perguntava o vento, residem debaixo daquele teto?” “Como é possível?” “Eu escutei aquele choro, sei que ele vem das entranhas, da alma, daquele lugar escondido e inabitável que há em cada um de nós.” “O que será que aconteceu?”.

     E querendo saber mais, o vento seguiu. Porque a vida exige de nós o prosseguimento independente “de”.

     Com o tempo, vislumbrou nossa querida Vicentina florescendo para o mundo.

     A menina ganhou forma rápido e os gaviões, famintos por carne, não demoraram a atacar.

     O vento afirmava que ela, minha bela e doce lírio-do-vale, era muito simplória. Isso porque, caiu na cova do masculino, como mosca que se agarra à teia e dela jamais consegue se soltar. Enfim.

     Cabe ao gentil leitor saber, no entanto, que ele lhe prometera beijos, casa, vestido de noiva, viagens… Tudo aquilo que uma garota mais pode desejar no mundo.

     Entretanto, no final das contas, o que realmente lhe dera foi um lindo presente que carecia de duzentos e setenta dias para vir ao mundo.

     Portanto, o vento soube, soube, pois ouviu “vagabunda”, “Eu sabia que você só ia me trazer desgosto”, “Eu não vou criar”, “Ah, é? Foi mulher pra fazer, agora vai ser mulher pra cuidar”, “Não me chame mais de mãe, eu morri pra você”, “Puta”.

     E assim a lembrança de outrora voltou calma e segura, anunciando que aquela lágrima tinha por nome “família”.

     O vento pode chamar de inocência, eu, porém, digo ser afronta.


O anão de Nova Odessa - Alberto Landi

 

 


 

O anão de Nova Odessa

Alberto Landi

 

Ninguém sabia ao certo quando ele havia chegado à cidade. Apareceu de repente numa tarde bem abafada, caminhando pela Rua dos Patriotas.

Chamava atenção não somente pela baixa estatura, mas pelo jeito de encarar as pessoas, olhos firmes, como se cada olhar fosse um desafio. Tinha o corpo baixo e robusto. A face marcada pelo sol. Pequeno na sua estatura, mas impossível de ignorar. Quando falava, a voz firme impunha respeito maior que seu tamanho.

Na praça central, próximo ao Coreto, abriu uma pequena banca de consertos, relógios, rádios antigos e até brinquedos quebrados, que voltavam a funcionar em suas mãos hábeis.

Rapidamente ganhou freguesia, porém com a admiração vieram os cochichos…

— Esse anão não é daqui da cidade. Tem algo estranho nele, você reparou? As pessoas comentavam.

 

A suspeita cresceu quando começaram a desaparecer objetos de uma feira noturna que havia.

Primeiro frutas, depois ferramentas, até que um feirante jurou ter visto o anão Elói próximo de sua banca.

O boato se espalhou feito pólvora. Uma noite, reunidos em frente à banca, os comerciantes exigiram explicações.

— Olá, baixote, ou você devolve o que roubou, ou vai embora daqui. O açougueiro gritou alisando o facão num gesto ameaçador.

Ele não recuou. Ergueu o queixo, respirou fundo e abriu uma pequena caixa de madeira. Dentro, havia muitos objetos, sim, mas não roubados. Eram peças restauradas, devolvidas à sua forma original. 

Não roubo nada. Devolvo o que vocês esqueceram de valorizar, disse com a voz firme e alto.

O silêncio caiu sobre a praça. Alguns abaixaram os olhos envergonhados, mas o açougueiro avançou um passo, ainda bem desconfiado, e a multidão observava dividida, sem saber se acreditava nele ou não.

Naquele instante, o destino de Elói ficou suspenso como o ponteiro de um relógio que hesita entre dois segundos.

O silêncio pairou sobre a praça. Ele mantinha os olhos fixos no açougueiro que ainda segurava o facão.

— Palavras bonitas, as suas — rosnou o homem.

Mas quem garante que não é truque?

O anão respirou fundo, mergulhou a mão na caixa e retirou um pequeno rádio de pilha que havia restaurado, dando vida a esse objeto.

Colocou-o sobre a banca e girou o botão. De repente, a velha melodia de uma valsa ecoou no ar. Uma senhora na multidão ofegou, levando a mão no peito.

— Esse rádio era do meu marido. Estava quebrado há anos, disse ela, emocionada, aproximando-se.

Ele apenas assentiu.

— Encontrei-o jogado num canto da praça, achei que merecia uma vida nova.

Um burburinho percorreu o local. Outros objetos da caixa foram reconhecidos: uma boneca de pano restaurada, uma caneta antiga polida, um relógio de bolso que voltou a marcar as horas. Aos poucos, a desconfiança se transformou em vergonha.

O açougueiro baixou o facão, desconcertado.

— Então… Você só queria consertar o que estava perdido?

— Não somente objetos, às vezes pessoas também.

Um silêncio respeitoso tomou conta do lugar. A partir daquele dia, ninguém mais ousou acusá-lo. Ele tornou-se guardião silencioso da memória da cidade, não por causa de sua estatura, mas porque enxergava valor onde os outros só viam descartes.

E foi assim que o estranho forasteiro, com mãos pequenas e firmes, consertou não apenas rádios e brinquedos, mas também a confiança de uma comunidade inteira.

 

 

ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA, TANTO BATE ATÉ QUE FURA! - Dinah Ribeiro de Amorim

 



ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA, TANTO BATE ATÉ QUE FURA!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Michele é uma formiguinha muito laboriosa! A mais esperta e trabalhadeira do seu formigueiro. Geralmente, é a preferida da rainha e, quando fala, é a mais atendida.

Moravam numa pequena fresta entre rochas, difícil de escalar, mas sentiam-se protegidas dos bichos e das ondas do mar ao redor, quando eram muito revoltas, devido ao vento, nas marés altas.

Pela manhã, a primeira que saía da casinha era Michele. Ia procurar algum resto de bichinho ou folhinha de árvore que pudesse carregar. Algumas companheiras iam junto, mas, geralmente, ia só. Eram meio preguiçosas e dormiam até tarde, ou se acostumaram com o esforço da coitada.

Numa manhã, Michele percebeu que a água do mar estava mais próxima, batia forte, bem perto delas.

Algumas pedras ao redor da fenda, de tão sovadas e empurradas, escorregaram e caíram.

Michele voltou para a casa muito preocupada e advertiu a rainha. Precisavam mudar de lugar. Com o tempo, mais alguns dias e a toca seria invadida. Poderiam morrer afogadas.

A maioria do grupo começou a rir, comentava ser difícil serem invadidas. A entrada do formigueiro ficava no alto de uma rocha, bastava apenas que colocassem uma pedra na entrada, para impedir a água de entrar.

Michele, espantada, perguntou à rainha:

— Quem de nós consegue empurrar uma pedra para tampar a entrada? Mal conseguimos alcançar a praia para pegar comida! Melhor seria mudar daqui.

As formigas se entreolharam e nenhuma conseguiu responder ou sugerir alguma ideia.

Os dias vão passando e a maré vai subindo. Elas já escutavam o estrondo das ondas ao bater nas pedras, cada vez mais forte.

Michele continuava tentando abastecer o formigueiro, não descansava de suas obrigações, mas tinha muito medo.

Chamou umas amiguinhas, que confiavam muito nela, e tentaram empurrar uma pequena pedra até a entrada da toca. Faziam grande esforço e ufa… ufa… a pedrinha mal se movia. Não saia do lugar.

As outras formigas, diante disso, comovidas, agruparam-se e auxiliaram-nas a empurrar mais a pedra. Até conseguirem fechar a entrada.

Ficam radiantes, receberam elogios da rainha! O medo da invasão das águas vai embora, mas Michele, mais esperta, continua achando melhor irem embora. Água pode ser mais forte que a pedra.

O mar sobe rápido, o barulho das ondas se chocando contra as pedras fica cada vez mais próximo, e a formiguinha experiente, cada vez mais preocupada.

Advertiu novamente a rainha. Dispôs-se a procurar nova moradia. Existiam terrenos atrás das pedras que pareciam bastante calmos e mais seguros.

As outras companheiras agora davam gargalhadas e achavam que Michele era uma medrosa. Que continue seu trabalho, o qual é o que faz de melhor.

Numa tarde, Michele pôs a cabecinha para fora de casa e olhou o céu. O azul límpido se transformou em grossas nuvens escuras. Alguns raios, seguidos de trovões, anunciavam pesada chuva. O uivo do mar, à frente delas, revelava altas ondas, que logo aumentariam o percurso das águas.

Assustada, chamou algumas formigas, pegaram suas mochilinhas e gritaram:

— Não dá mais para esperar, se ficarmos seremos tragadas pelo mar e morreremos afogadas.

As mais humildes a seguiram. Rapidamente, atravessaram por cima das pedras em busca de refúgio num terreno mais elevado e mais seguro, cheio de pequenos orifícios que davam em enormes galerias.

A rainha e a maioria, mal tiveram tempo de caçoar delas. Foram arremessadas para longe, pelas águas que invadiram a toca, preenchendo cada galeria que encontrava.

Morreram afogadas mesmo, como Michele previa.

Quando tudo se acalmou, tentaram voltar ao formigueiro antigo para ver o estrago. Mas, nada mais encontraram. Nem os corpinhos das outras formigas existiam mais.

Michele, entristecida, foi abraçada pela minoria que restou e ficou sendo, agora, a rainha do novo e seguro formigueiro.

E assim, podemos concluir também: “Água mole em pedra dura, tanto bate, até que fura!”

 

 

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

... E ADÃO COMEU A MAÇÃ - Adelaide Dittmers

 

 


... E ADÃO COMEU A MAÇÃ

Adelaide Dittmers

 

Túlio admirava maravilhado o grande rio, cujas margens se perdiam de vista. A exuberância da floresta, que o cercava com suas grandes e imponentes árvores, exalava o aroma da natureza. Nuvens brancas bordavam o céu de um profundo azul.  De repente, um bando de tucanos cruzou o rio.

Seus olhos absorviam tudo com uma satisfação há muito não sentida.  Desejara aquela paz, que sua profissão impedira.  Descobrir crimes e seus autores. A constante convivência com a morte era algo, que estava deixando para trás com a recente aposentadoria.

Planejou essa viagem cuidadosamente e eis que estava no barco, que navegava mansamente, sem pressa, seguindo o ritmo plácido da natureza, para alcançar um hotel flutuante, à beira da mata.

Algum tempo depois, uma bonita construção envidraçada apareceu brilhando à luz do sol intenso.  Ele esticou todo o corpo.  Estava chegando ao paraíso.

O barco aportou e os passageiros desceram.  Os olhos brilhando e um sorriso feliz pela experiência inusitada, que iriam viver.

Depois de depositar sua mala na suíte reservada, Túlio desceu para almoçar.  As mesinhas rústicas distribuíam-se por um terraço aberto, que ladeava uma grande piscina. Sentou-se a uma mesa, onde estava um simpático casal.  A refeição veio farta:  pirarucu com banana da terra frita, farinha e vinagrete encheram seus olhos e ele inspirou o sabor original e delicioso daquelas iguarias, antes mesmo de experimentá-las.

Depois do almoço, o grupo se reuniu para se conhecer e trocar opiniões sobre aquele belo lugar. As caminhadas pelas trilhas marcaram a tarde quente desse primeiro dia. A emoção de estar andando pela imensa floresta esparramava-se pelas faces extasiadas dos visitantes, que pararam assustados ao se deparar com uma cobra, que cruzou calmamente o caminho.

No dia seguinte, foram conhecer uma tribo indígena e esse contato foi uma experiência marcante.  A dança com os trajes típicos, comer peixes feitos por eles de maneira rústica, mas deliciosos os surpreenderam.

Túlio estava fascinado e saboreava cada momento, cada novidade, que o paradisíaco lugar oferecia.

Na penúltima noite, o gerente do hotel anunciou que uma cantora da região iria brindá-los com as canções típicas da Amazônia. Todos se animaram com a apresentação durante o jantar.

O palco se iluminou e uma bela morena de cabelos lisos, que lhe cobriam os ombros, olhos verdes e amendoados, cujos traços revelavam sua mestiçagem, entrou e cumprimentou todos.  Com graça e leveza, cantou as canções amazonenses, como o carimbó e o rega.

Depois da apresentação, desceu e sentou-se para conversar com os hóspedes. Simpática, contou sobre sua ascendência indígena e portuguesa.  Crescera numa tribo e ainda hoje respeitava os ritos de seus ancestrais. A conversa foi até altas horas, com as pessoas encantadas pela história da jovem, que se dividia entre a aldeia e a cidade.

Na manhã seguinte, um Túlio sonolento, que adorara a noite anterior em que conhecera um pouco do povo da região, surpreendeu-se com o tumulto no restaurante.  As pessoas com expressões assustadas não paravam de falar.  Aproximando-se, ele perguntou o que estava acontecendo e soube que a cantora fora encontrada assassinada no seu quarto.

Ele arregalou os olhos e suspendeu a respiração.  Não era possível.  Veio para aquele paraíso para começar uma vida calma, sem a frequente presença da morte e o  crime o perseguiu.

O gerente do hotel estava nervoso, mas tentava acalmar os hóspedes.  Túlio se aproximou dele e disse em voz baixa:

— Sou detetive. Me aposentei há pouco tempo.  Quer ajuda?

O homem pousou a mão no braço dele e aquiesceu apenas com um balançar de cabeça.

Foram até o quarto.  A pobre jovem jazia no chão.  Túlio fez uma careta. O olhar cheio de piedade.  Vasculhou o quarto e abaixando-se viu uma chave perdida embaixo da cama.  Com cuidado, puxou-a com um pedaço de papel dobrado.  E virando-se para o gerente disse: 

— Vamos entregar essa chave para a polícia para verificar se tem impressões digitais.

Os policiais chegaram uma hora depois e levaram o corpo e a chave.

As pessoas passaram o dia excitadas.  Não conseguiam se desligar do ocorrido.  No fim do dia, três botos apareceram com seu jeito alegre e brincalhão.  Essa visita levantou o ânimo de todos e até Túlio se divertiu com a bagunça, que eles fizeram.

O dia da despedida do lugar amanheceu ensolarado e sem nuvens.  O grupo preparava-se para partir daquela floresta, que marcara suas vidas pela beleza, mas também por terem sido testemunhas daquele crime, quando chegou a polícia com a notícia de que o suspeito havia sido identificado pelas impressões digitais deixadas na chave. O homem tinha sido companheiro da pobre cantora. No entanto, ele afirmara que a chave tinha desaparecido da casa dele e que a tinha procurado por toda a parte.  Além disso, apresentou um álibi, pois na noite do crime, estava em Itacoatiara, cidade próxima a Manaus, onde intermediara uma compra de açaí para ser vendido para outros estados. Lá dormira em uma pousada e provou isso à polícia.

Todos ficaram perplexos. Quem teria matado a pobre moça? E por que?

Os empregados do hotel começaram a ser interrogados, Túlio acompanhou de longe o interrogatório.  Todos estavam nervosos. Ele pousou os olhos experientes em um deles, o garçom, que sereno, respondia às perguntas desviando o olhar do inquiridor.  As mãos inquietas no seu colo.  Seria ele?

Nunca iria saber.  Fora para lá para relaxar.  A polícia local é que teria que desvendar o crime.

O barco, que os levaria para a cidade, já tinha chegado e todos se dirigiram ao pequeno porto para embarcar. O silêncio tomou conta do grupo.

Túlio pensou na pobre jovem, que talvez perdera a vida de maneira tão violenta por não aceitar o assédio de um homem.

Sacudiu a cabeça para expulsar esse pensamento e mergulhou seu olhar no esplendor da natureza, onde tudo era harmônico, a floresta, os pássaros, o rio. Tão diferente do coração do homem, que abriga o inferno e o paraíso, o mal e o bem, o ódio e o amor.

Já na embarcação, olhou as águas azuladas do rio Negro, debruadas pelo verde intenso da mata.  Inspirou fundo o ar puro e deleitou-se mais uma vez com a paisagem exuberante, que se oferecia aos seus olhos. E pensou: ¨A alma do homem abriga o paraíso e o inferno, o bem e o mal, o amor e o ódio.¨

 

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Lembrança boa - Hirtis Lazarin

 



Lembrança boa

Hirtis Lazarin

 

Atenção! Passageiros e passageiras

Bem-vindos ao novo trem paulistano

Tenham todos uma boa viagem.

 

          Eu era o trem das novidades

          Nada igual a todos os outros

          Colorido e animado de verdade.

          Jamais esquecerei minha primeira viagem.

 

                                      Eu e o maquinista Joaquim

                                      O maquinista Joaquim e eu

                                      Eu e o maquinista Joaquim

                                      O maquinista Joaquim e eu.

 

Cheirava a tinta nova, nenhum ruído fora do lugar, corria macio sobre trilhos, nenhum defeito pra atrapalhar.

Lá ia eu, destino certo, terra, serra e mar.

Deixamos a primeira estação lá longe, tamanha era a vontade de chegar.

Um entra e sai de passageiros, cada um com histórias pra contar. Já aconteceu de tudo nesse tempo corrido que eu nem vi passar.

Levei a moça vestida de noiva pro rapaz que queria casar, entreguei o filho arrependido que pra casa queria voltar. Vi a mulher miúda, abatida, esperando o marido que nunca quis chegar.

Coisas engraçadas, também gosto de lembrar. A vaca leiteira, nos trilhos, tirava um cochilo e teimava em não acordar.

 

                             Era um puxa pra cá

                             Um puxa pra lá

                             Um puxa pra cá

                             Um puxa pra lá.

 

E a danada, por birra, não saía do lugar. Era gente xingando, pois tinha hora pra desembarcar, era criança torcendo pra vaca ficar.

Foi o Toninho alisar o seu focinho, a malhada deu um pulo e liberou nosso caminho.

Houve a noite da agonia. Uma nuvem bem pretinha fez o dia virar noite, confundiu até as galinhas que desandaram a cacarejar.

“Meu Deus do céu! Bem que o pastor avisou e foi difícil acreditar: rezem meus filhos, o mundo vai acabar!”

Gente nos bancos subia e gente sob os bancos se escondia. Mãe desesperada, os filhos sob as asas acolhia. 


Lá fora a coruja se protegia

O relincho assustado do cavalo 

Espantava a cotovia,

E chovia…Chovia… 

Trabalhar com amor era nosso lema

E driblar todo e qualquer problema.

É gente… Tudo acaba um dia…

O maquinista Joaquim está aposentado

Eu sou um ferro-velho enferrujado.

      

 

UMA NOTÍCIA QUE NÃO ESTÁ NO JORNAL - Dinah Ribeiro de Amorim

 



UMA NOTÍCIA QUE NÃO ESTÁ NO JORNAL

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Jorge, um médico muito atarefado, mal tem tempo de escutar notícias do dia a dia, ler o seu jornal predileto, assistir ao time de futebol do coração.

Na tarde de domingo, recebe folga do hospital. Um colega amigo o substitui, achando-o muito cansado.

Aproveita o dia, conversa um pouco com os filhos, faz compras para a mulher, apanha o jornal e senta-se, confortavelmente, na poltrona predileta. Espera, ansioso, o horário do futebol começar.

De repente, percebe Rosa, sua mulher, entrar rápido na sala, agitada, aos gritos, chamando-o, derrubando tudo que encontra…

— Jorge, preciso lhe falar!

Ele resmunga logo, hum… sei… já vou…

 

Ela continua nervosa, falando rápido:

— Jorge, presta atenção… Suas mãos tremem… Chuta a banqueta em que ele repousa os pés.

— Sim… Tudo bem… Já ouço…

— Jorge, me escute… É sério…

— Hum… sei… Sempre é...

Rosa, sem demora, arranca-lhe o jornal e grita:

— Roubaram o seu carro!

Jorge, nervoso, levanta-se rápido e dá um grito:

— Nossa mulher! E só agora você me diz?

Vida de médico é assim mesmo…

 

 

 

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

A saga do telefone - Alberto Landi

 



A saga do telefone

Alberto Landi

 

Em uma noite fria de um inverno no ano de 1876, na cidade de Boston, o silêncio da noite era quebrado apenas pelo tic-tac de um relógio de parede e pelo som de uma tosse bem seca.

Graham Bell, em seu laboratório improvisado, sentia o peso do mundo em seus ombros.

Meses de tentativas frustradas, de noites sem dormir, de sacrifícios que beijavam o desespero.

Seu assistente Watson estava enfermo e a pressão para apresentar um resultado era esmagadora.

Eles precisavam provar que a invenção que parecia obra de ficção científica era, de fato, uma realidade possível.

— Caro Watson, você consegue me ouvir?

A voz de Bell tremeu carregada de uma esperança bem frágil. Do outro lado da sala, por meio de um fio que parecia mais uma linha tênue de vida, veio a resposta que mudaria o curso da história.

— Sim, Sr. Bell. Ouço alto e claro.

Aquela simples frase carregada de emoção e alívio foi mais do que uma confirmação técnica, foi a explosão de um sonho que parecia impossível.

Bell sentiu um nó na garganta, uma mistura de triunfo e exaustão. Ele havia conseguido, havia vencido o silêncio, a distância, a própria natureza, porém a batalha estava longe de seu término.

A notícia se espalhou como fogo em palha seca.

O mundo acostumado ao ritmo lento das cartas e telegramas ficou perplexo.

Alguns viram a invenção como um milagre, outros como uma ameaça.

Famílias separadas por continentes agora podiam ouvir as vozes de seus entes queridos, negócios que antes levavam semanas para fechar contratos, agora eram resolvidos em minutos.

A comunicação, antes um luxo para poucos, começava a se democratizar.

Com a democratização vieram também conflitos. A invenção de Bell não foi aceita pacificamente por todos.

 Gray, outro inventor, alegou ter concebido uma invenção semelhante. A disputa legal foi acirrada, cabendo à Bell a patente da invenção. Ele sabia que o futuro da comunicação dependia de sua vitória.

Dizia, pensemos em uma mãe ouvindo a voz de seu filho que partiu para a guerra, um alívio inundando seu coração ao saber que estava vivo.

Pensemos em um médico em uma cidade remota recebendo instruções vitais de um especialista em outro local, salvando uma vida que antes estava perdida.

O telefone não era apenas um aparelho, era um elo, um fio invisível que conectava corações, mentes e destinos.

Ele encurtou distâncias, derrubou barreiras e deu voz a quem antes só podia sussurrar.

A emoção de ouvir uma voz familiar do outro lado da linha rompendo o isolamento era um poder transformador.

Apesar dos conflitos e controvérsias, a importância do telefone se consolidou em cada chamada, em cada conversa.

Ele redefiniu o conceito de negócios, de relacionamentos.

A voz que cruzou o mundo, antes um murmúrio de esperança em um laboratório silencioso e simples, tornou-se o som que mudou o século XX e continua a ecoar em nossas vidas, um testemunho de audácia, de paixão de um homem que ousou desafiar o silêncio.

A primeira linha telefônica foi instalada em Boston, conectava os escritórios de Charles Williams Company em Boston ao laboratório de Bell em Cambridge, ambas as cidades em Massachusetts.

A segunda linha comercial foi instalada em 1878, conectando a sede do Western Union Telegraph Company em NYC com a Bolsa de Valores de NYC.

O telefone chegou à Casa Branca em 1890.

Bell dedicou anos à pesquisa e experimentação, enfrentando ceticismo e dificuldades técnicas.

Sua persistência o levou a registrar a patente em 1876, revolucionando a comunicação mundial, cujos efeitos permanecem até hoje.

 

 

 

 

 

O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

  O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA Pedro Henrique        Curioso é pensar na vida e em toda sua construção e forma: medo, terror, desejo, afet...