O
SEGREDO DE UMA LÁGRIMA
Pedro
Henrique
Curioso é pensar na vida e em toda sua
construção e forma: medo, terror, desejo, afeto e passado. Tantos elementos e,
ainda assim, os mais torturantes insistem em emergir.
Reflito, talvez seja um fato inerente a
esse ecossistema. Assim como existe a verdade, também há a mentira. É
inevitável.
Começamos pensando no vento. Exatamente, o
vento; esse elemento que, aos olhos de muitos, é tão banal. A princípio, ele é
brando e gentil. Refresca com sutileza a alma daqueles que, pelo sol escaldante
do cotidiano, são castigados.
Depois, ele aumenta seu impacto,
fecundando-se mais forte até chegar em seu estágio de maior prestígio.
O vento, então, anseia todo o espaço, e
penetra cada milímetro que pode até adentrar uma rua um tanto deserta, com uma
vegetação calorosa que lhe permite saltos espontâneos e vibrantes.
Nessa mesma rua, lá… longe, vê-se uma
casa: pequena, simples, e sem uma gota minúscula sequer de paz.
Curioso, o vento se aproxima sorrateiro,
chega de fininho, bem na ponta dos pés, atraído pela janela.
Ele observa calmo e sereno a movimentação.
Depois de alguns segundos, o pânico cessa.
Primeiro, há medo, logo em seguida,
subjugação, depois lágrimas. O vento, portanto, decide entrar e fazer daquele
ambiente seu mais novo lar. Nunca, até então, havia encontrado uma residência
assim: nebulosa.
Descobriu a origem da lágrima. Seu nome
era Vicentina, a menina nascida marcada.
O vento tinha pena dela, como eu tenho.
Coitada, soubera desde muito nova como carregar seu manto de horror e aceitou
que era assim mesmo.
Quando bebê, nascera bela e edênica. Era
daqueles cujos indivíduos se entusiasmavam de olhar, com isso, não bastando aos
olhos, queriam pegar, apertar, beijar e fazer caretas e vozes pueris.
Cresceu, como toda criança, com devaneios
intocáveis e indeléveis.
Ela tinha a Via Láctea em suas ínfimas
mãos. Queria ser tudo e mais um pouco se assim pudesse ser.
Também era inteligentíssima. O vento muito
gostou disso. No entanto, a lágrima, a bendita lágrima, o perseguia.
“O porquê daquela garota pulcra, que tinha
o QI de poucos, chorar tanto?”
“Quais segredos, se perguntava o vento,
residem debaixo daquele teto?” “Como é possível?” “Eu escutei aquele choro, sei
que ele vem das entranhas, da alma, daquele lugar escondido e inabitável que há
em cada um de nós.” “O que será que aconteceu?”.
E querendo saber mais, o vento seguiu.
Porque a vida exige de nós o prosseguimento independente “de”.
Com o tempo, vislumbrou nossa querida
Vicentina florescendo para o mundo.
A menina ganhou forma rápido e os gaviões,
famintos por carne, não demoraram a atacar.
O vento afirmava que ela, minha bela e
doce lírio-do-vale, era muito simplória. Isso porque, caiu na cova do
masculino, como mosca que se agarra à teia e dela jamais consegue se soltar.
Enfim.
Cabe ao gentil leitor saber, no entanto,
que ele lhe prometera beijos, casa, vestido de noiva, viagens… Tudo aquilo que
uma garota mais pode desejar no mundo.
Entretanto, no final das contas, o que
realmente lhe dera foi um lindo presente que carecia de duzentos e setenta dias
para vir ao mundo.
Portanto, o vento soube, soube, pois ouviu
“vagabunda”, “Eu sabia que você só ia me trazer desgosto”, “Eu não vou criar”,
“Ah, é? Foi mulher pra fazer, agora vai ser mulher pra cuidar”, “Não me chame
mais de mãe, eu morri pra você”, “Puta”.
E assim a lembrança de outrora voltou
calma e segura, anunciando que aquela lágrima tinha por nome “família”.
O vento pode chamar de inocência, eu,
porém, digo ser afronta.