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quinta-feira, 9 de março de 2017

UMA CERTA MARIA! (- AMORA)


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UMA CERTA  MARIA!
(AMORA)

Nasceu Maria, como tantas Marias do lugarejo em que vivia: Maria dos Anjos, das Dores, de Jesus, ela, Maria Santina.

Quando menina, aprendeu tarefas domésticas, carregar baldes d’água na chegada dos caminhões pipas, carpir terra junto ao pai e colher espigas de milho, quando a seca não estragava tudo.

 Moravam pelo sertão da Paraíba, onde a pobreza, a falta de saúde, a fome, modifica o pensamento das pessoas, fazendo-as praticar loucuras.

Desse tempo, Maria só lembra com prazer, de uma pequena sala que servia de escola à criançada, alguns colegas e, da moça de fora que lhes ensinava as primeiras letras. Eram momentos de alegria quando lia e escrevia.

À medida que cresceu, sob o olhar ambicioso do pai, sua vida se transformou.

Nem mulher ainda, mal completado treze anos, resolve levá-la para o litoral, conhecer o mar, desejo local tão sonhado. Maria despede-se da mãe chorosa e irmãos menores, sem compreender o seu choro.

Lá chegando, o pai leva-a a passear pelos bares da praia, percebendo gringos que a olhavam cobiçosos. Resolve fazer negócio, vender a própria filha para um deles, morador do Rio de Janeiro, garantindo algum dinheiro e o sustento dos filhos menores. A colheita fora perdida pela grande seca abatida na região. Entrega-a ao homem estranho, satisfeito, não sem antes usá-la, garantindo a mercadoria.

Maria, chocada, sem saber o que ainda aconteceria de pior à sua vida, segura a mão do pai e o obedece mecanicamente.

O gringo, de nome Artur, trata-a bem, com carinho, dando-lhe comida e modificando seu vestuário. Só não entendia direito quando a procurava, várias vezes, durante a noite. Acabou cedo sua inocência, transformação precoce em mulher.

Passado um tempo, Artur resolve voltar ao Rio. Leva-a com ele. Muda repentinamente de gênio, revelando-se cafetão de prostitutas mal pagas e mal tratadas, fazendo Maria juntar-se a elas. Não consegue aprender o ofício. Cada vez que volta à pensão que moram, sem grana, como ele dizia, leva uns bofetões e é jogada num canto. Maria chora muito, não sabendo o que fazer da vida. Pensa em acabar com tudo, tentando suicídio. Ideia que persiste.

Numa dessas noites, caminhando pelo calçadão, junto às outras, desvia-se delas e planeja atirar-se à frente do primeiro carro que passa. Não compreende o por quê? Vem-lhe à mente a professorinha que teve e as primeiras letras que aprendeu. Começa uma chuva leve e repara nas gotas douradas que se formam banhadas pelos últimos raios solares do entardecer. Ao longe, uma música suave e estranha a atrai, como se a chamasse para mais perto. Sente-se hipnotizada e a segue, reparando que vem de uma igreja.

Envergonhada de suas roupas justas e curtas, molhadas de chuva, penetra nesse ambiente de paz e ouve atentamente a voz que pronuncia, lendo um grande livro: “Quando se pensa que Deus está mais longe, é quando está mais perto!”


Emocionada, desiste da ideia de suicídio, voltando à igreja várias vezes. Abandona Artur, fugindo longe daquele lugar e termina doméstica numa casa de família. Consegue completar seus estudos, à noite, dedicando-se à literatura, de preferência. E, assim, como poucas Marias, iguais a ela, transforma-se numa escritora, começando por sua autobiografia, que é o início de todo grande escritor! O sucesso é rápido quando narra a venda de filhas no sertão pobre do Brasil.

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