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quinta-feira, 9 de março de 2017

Carta de Gerusa - Rejane Martins


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Carta de Gerusa
Rejane Martins

Começo este relato, num rompante de quase desespero. Forcei o afastamento de todos pensamentos que invadem minha mente. Dirigi-me à escrivaninha, desembainhei uma caneta e com ela firo ferozmente a folha de papel à minha frente. Estabeleço o início do testemunho simultaneamente com o amanhecer.
É certo que o dia a pouco iniciado será irritantemente interminável, afinal hoje completo 30 anos. Tentei retardar ao máximo o meu despertar, mas logo o som insistente do telefone, agindo como um cruel carrasco, obrigou-me a atendê-lo.
Ergui o rosto após lavá-lo, e assustei-me quando meus olhos se cruzaram com o seu reflexo no espelho. Não havia muitas rugas, como dizem os mais condescendentes “apenas linhas de expressão”, mas era a falta de brilho no olhar o que mais me incomodava.
Na tentativa de camufla-lo, optei por radicalizar e escolhi mentalmente uma roupa descolada para vestir neste dia. Melancolicamente constatei que minhas vestimentas compartilhavam da opacidade interior.
Por onde andará aquela jovem que até ontem mesmo habitava dentro de mim? Aquela que sempre desfilava com algum vestido florido, um batom vermelho, uma sandália de salto alto com algum brilho. Em vão, vasculhei mentalmente algum esconderijo dentro de casa que abrigasse alguns destes objetos cheios de vida ansioso pelo seu resgate, e assim cumprir a sua mais nova missão que era a de suprir estas novas carências.
Em meio a este turbilhão de emoções, a única certeza que me acompanha é a intenção de imortalizar toda a minha indignação e resiliência, e renascer tal qual uma fênix.
Varro para longe as cinzas que encobre aquela chama quase extinta que abriga o verdadeiro eu desta Gerusa. Mas, ao mesmo tempo, temo que a explosão de vida aflorada em mim nesta manhã, possa cair no esquecimento e perder sua intensidade com o passar dos dias.
Como guardiã do brilho no olhar reacendido neste exato momento, deposito esta carta, juntamente com uma foto atual, em uma fenda na parede do porão. No futuro ela será o testemunho fiel da forte determinação ocorrida na Gerusa, a anciã precoce.    

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