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terça-feira, 10 de setembro de 2024

PROJETO MEU ROMANCE 2024 - DINAH RIBEIRO DE AMORIM

 


VALÉRIA


 


UMA SIMPLES ADVOGADA CRIMINALISTA!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Uma jovem desce sorridente os degraus do Tribunal de Justiça de São Paulo. Alta, cabelos louros, porte elegante em seu terninho azul-marinho, sapatos de salto alto e fino. Valéria Sobral, renomada advogada, investigadora criminalista, auxiliar da polícia em muitas investigações.

Como desce sorridente, demonstra sucesso no último caso que investigou, e, quando isso acontece, aparece sempre leve cacoete, coça ligeiramente o nariz.

Valéria cresceu em meio policial, órfão de mãe, muito cedo, criada pelo pai, investigador e chefe de polícia, na pequena cidade de Tambuí, onde os fatos principais não eram de grande monta. Mas, mesmo assim, aprendeu com a experiência paterna a usar a sabedoria, a prática, a inteligência e a astúcia, no campo material, formando-se com brilhantismo em advocacia, no campo intelectual.

Com a morte do pai, continua na profissão e torna-se famosa pela habilidade com que a exerce.

Muda-se para São Paulo, após pequena herança paterna, um escritório, onde inicia atendimento aos casos difíceis que aparecem.

Tem como auxiliar o detetive Jorge, útil companheiro, que a ajuda nas grandes soluções.

Estão satisfeitos com a decisão dos jurados: culpado, o réu que matou a esposa, por motivo de traição. Um homem violento, machista, ignorante de leis e dominador do seu meio social, fazendo, ele próprio, as leis e exigindo obediência. Impossível de convivência doméstica. Educado à moda antiga, ou deseducado, melhor falando, achava que o assassinato em defesa da honra é um direito de qualquer marido ou homem traído.

Valéria, com provas de seus maus-tratos à esposa, e, principalmente, o direito à vida, para qualquer um, conseguiu a simpatia dos jurados, rebatendo as alternativas da defesa e conseguindo a vitória da acusação.

Satisfeitos, ela e Jorge comemoram num barzinho próximo ao escritório, com a bebida predileta, o Negroni, uma mistura de Gin, Campari e Martini Rojo. Fora do trabalho, eles relaxam, bebendo e jogando conversa fora.

Valéria já comenta e imagina as férias que planeja ter, alguns dias à beira-mar, sem preocupação em desvendar mistérios e procurar culpados.

Jorge, ficará no escritório, enquanto ela viaja, deixando sua folga para curtir com os filhos, nas férias escolares. É casado, com três filhos, ainda crianças.

Na manhã seguinte, quando Valéria chega ao escritório, encontra Jorge aflito, ao entregar-lhe uma intimação.

Que será isso, agora, pensa ela, louca para preparar a sua viagem.

Abre rapidamente o envelope, lê o escrito e o entrega a Jorge, espantada.

Um escritório do interior, perto da cidade de Dourados em que nasceu. Solicita sua presença para informá-la sobre assunto relacionado à herança, que recebeu do pai, uns dois anos antes.

Tentam o telefone deles, mas não dão informações, somente atendimento presencial e com documentos necessários.

Aborrecida com esse acontecimento inesperado, Valéria pede para Jorge assumir o escritório e vai para a rodoviária, com destino a Dourados, curiosa e, ao mesmo tempo, contrariada.

Dourados é uma cidade pequena, não muito movimentada, como todo interior. Ao contrário de algumas outras, tem a aparência de uma cidade próspera e rica, bonita em suas edificações. Valéria pede informações sobre o local do escritório Maya, Advocacia, o qual é onde está sendo intimada.

Ao entrar, é recebida por uma senhora de meia-idade, amável, que a atende gentilmente e avisa que o doutor Rogério Maya não está no momento, mas marca um horário à tarde, para ele atendê-la. Será avisado que ela chegou de São Paulo. Enquanto isso, poderá ficar à vontade no Hotel Central, próximo ao escritório.

Valéria almoça pequena salada e, quando pensa em tirar um cochilo, é avisada por telefone que Rogério Maya a espera. Dirige-se ao escritório e, ao conhecê-lo, espanta-se com sua simpatia e jovialidade. Esperava um senhor idoso e sóbrio, carrancudo e enérgico.

Após ser convidada a sentar e bebericar um gole d'água, é informada que existe alguém, uma mulher já idosa, que reivindica metade da herança deixada por seu pai.

Confirma ter direitos como ela teve, com provas de ter tido relacionamento e convivência com ele, após sua viuvez.

Valéria afirma nunca ter havido isso, que ela soubesse e que seu pai sempre foi um homem honesto, incorruptível, se fosse verdade, ela, como filha, saberia.

A mulher, diz Dr. Rogério, afirma ter provas de seu relacionamento com ele, mediante pessoas conhecidas, alguns textos escritos por ele, fotos onde aparecem juntos, em várias ocasiões, enfim, alguns recibos bancários feitos por ele, a ela.

Valéria, achando meio estranho, pergunta a causa de tudo isso vir à tona, justamente agora, dois anos depois.

Rogério também fez a mesma pergunta à senhora em questão, Dona Margarida, que se justificou, estava em tratamento, numa casa de repouso, acometida por um AVC que lhe tirou parte da compreensão. No momento, com a melhoria do seu estado, voltou a lembrar-se de tudo, principalmente de Joel, o chefe de polícia que a visitou e auxiliou por tantos anos.

Valéria decide conversar pessoalmente com Dona Margarida, o que Rogério concordou e se propôs a ser o intermediário.

Melhor eu ir sozinha, responde Valéria, quem sabe encontro alguma intimidade de meu pai, reconheço alguma coisa, sua letra, principalmente. Converso também melhor com Da. Margarida, suas intenções, meu pai nunca escondeu nada de mim, acho tudo isso muito estranho.

Pega o endereço de Margarida, chama um táxi e dirige-se à sua casa.

Atende-a uma mulher ainda jovem, com jeito de experiente e prática, olhar vivo, como se já a esperasse. Manda-a sentar e chama Da. Margarida em voz alta: “A doutora chegou!”

Desce as escadas do pequeno sobrado, uma senhora gordinha e baixa, olhar simplório, um pouco tímida, mas resoluta, ao falar com Valéria. Determinada, ajeita levemente os cabelos brancos que cismam em sair do pequeno coque e senta-se também para uma longa conversa.

Valéria, ao conhecê-la, sente uma leve lembrança, a fisionomia não é totalmente estranha. Só não sabe quando a viu, nem onde.

Margarida reclama primeiramente de seus problemas de saúde e dos males que sofreu, tendo que ser cuidada numa Clínica de Repouso. Agora, vive temporariamente com um casal conhecido, dispostos a ajudá-la: Rosa, a moça que a atendeu e Lauro, seu marido, vizinhos antigos.

Valéria estima que esteja melhor e, meio compadecida, meio desconfiada, pergunta o que seu pai tem a ver com sua história.

Margarida, um pouco agressiva, comunica que seu pai a visitava constantemente, desde que a mãe faleceu. Não queria que ninguém soubesse, devido a sua posição na cidade. Quando faleceu, ela já estava na Casa de Repouso e não pode comparecer ao funeral, nem divulgar a sua existência.

Só agora, restabelecida, influenciada pelo casal amigo, soube que tem direito a parte da herança que deixou.

Valéria, lembrando-se do pai, sua personalidade, seu caráter, coloca em dúvida o que Margarida fala, mas, mesmo assim, pergunta quais as provas que possui?

A senhora, meio trêmula, nervosa, levanta-se e pega uma pasta, cheia de documentos e algumas fotos.

Alguns extratos bancários, feitos pelo pai, em nome dela, que não pareciam mesadas, mas pagamentos de consultas médicas feitas, com alguns recibos. Numerosos, mas não obrigatórios, poderiam justificar alguns auxílios prestados por ele a alguém necessitado. Nenhum pagamento de habitação ou pensão alimentar. 

Pelas fotos encontradas, Valéria reconhece algumas em sua casa de infância, principalmente com ela, pequena, no colo de Margarida, com o pai, mais moço, e algumas, sem ele. Lembra-se vagamente que deve ter sido sua babá, daí o olhar, levemente familiar.

Pergunta sobre as testemunhas das visitas frequentes à sua casa, se houve pernoites, pode provar isso?

Margarida responde que sempre morou em lugar retirado, a pedido do pai, mas o casal amigo, que a recolheu, poderá servir como testemunha disso. Conheciam-no como visitante constante de sua casa.

Valéria logo tem a intuição e quase certeza de que é mentira, a senhora está sendo induzida e influenciada por eles. Seria fácil provar isso, mas olhando Margarida, seu estado frágil, sua idade avançada, resolve conversar com Dr. Rogério como resolver melhor a situação. Não aparenta condições de aguentar um julgamento ou muitas sessões judiciais. Seu pai devia auxiliá-la por piedade, dó em situação carente, era um senhor piedoso e, agora, resolveram aproveitar-se disso.

Pede um tempo para estudar o assunto e sai, não sem antes perguntar e anotar os nomes dos colaboradores de Margarida, que, inseguros, dão suas credenciais e cópias dos documentos.

Valéria Sobral, sempre orgulhosa de seu nome, confusa agora, com tanta informação sobre o pai, dirige-se atordoada ao escritório de Rodrigo Maya, quem sabe, juntos, encontrarão alguma solução: verdade ou mentira.

Pelo caminho, percorre ruas estranhas da importante cidade de Dourados, com riquezas minerais em ferro, quando encontra, acidentalmente, um grande e querido amigo de infância, morador, como ela, da cidade de Tambuí. Foi vizinho e companheiro de grandes brincadeiras e alegrias em crianças.

Cresceram dos seis anos até a adolescência, quando começaram a frequentar bailinhos e ouvirem as músicas da época.

Sem perceber, a mocinha Valéria se apaixona pelo amigo Afonso, que se tornou o primeiro amor, o primeiro namorado.

Conviveram diariamente, durante anos, quando Joel, seu pai, por necessidades de trabalho, resolve interná-la num colégio de freiras, famoso na educação de moças, de uma cidade vizinha.

Há um afastamento triste entre os dois enamorados, e, com o passar do tempo, esquecem-se um do outro.

Quando Valéria conclui seu curso e volta à cidade natal, encontra Afonso noivo de sua melhor amiga, Clarice, que também deixou de lado, após anos.

Segue cada um o seu destino, Afonso formado em arquitetura, casado e com filhos e, Valéria, a advocacia, investigativa e criminalista, como o pai.

No reencontro, após tantos anos, Afonso caminha só, mais gordo e envelhecido, o grande amor do passado de Valéria.

Espantados e emocionados, abraçam-se e resolvem tomar um café no bar próximo, relembrar os velhos tempos.

Afonso, agora divorciado, com filhos grandes, tenta recomeçar a vida em Dourados, num trabalho de construção. Ele olha para Valéria com carinho e admiração, com a saudade antiga dos seus sentimentos e, ela, espanta-se, após tantos anos de distância e vivências diferentes, ainda sentir por ele uma certa atração, o despertar de uma paixão adormecida há tempos.

Quando percebem, entardece e Valéria se lembra que tem um assunto urgente para conversar com o Dr. Rogério. Não pode esquecer o caminho que o caso está tomando e, docilmente, despede-se de Afonso. Combinam de encontrar-se em outra hora.

Mais alegre e distraída, menos esperta e intuitiva, dirige-se ao escritório Maya Advocacia, antes que feche.

Rogério Maya a espera e, juntos, examinam as reivindicações de Margarida. Segundo a documentação do casal que a sustenta e auxilia, a amizade entre eles é recente, não são testemunhas antigas, como pretendem.

Lauro é um ex-presidiário, já sofreu penalidades por roubo e porte de drogas, e Rosa, sua mulher, era uma faxineira da Casa de Repouso, onde ficou Margarida. Nem conheceram Joel, o pai de Valéria, quando vivo.

Diante dessa mentira, e algumas idas à Casa de Repouso que tratara de Margarida, pessoa só, desamparada, ficou fácil para Valéria provar que não houve nenhum relacionamento com seu pai. A não ser ajuda e pagamento financeiro, muitos anos antes, quando Valéria ainda era pequena e necessitava de cuidados, e Margarida, foi temporariamente, sua babá. Mas, logo pediu demissão, alegando problemas de saúde. Viveu, maritalmente, alguns anos após, com um homem chamado José, que a deixou por outra mulher e sumiu do mapa. Nunca mais foi visto com ela, segundo uma vizinha que a conheceu em Tambuí, durante anos.

Cidade pequena, interior, pensa Valéria, sabe-se tudo a respeito de todos, embora nem sempre a verdade, mas, com Margarida, foi fácil sondar sua vida, sem grandes mistérios.

Discute o caso com Rogério, qual a melhor atitude a tomar, sem pensar em acusá-la por difamação e perjúrio, mas livramento do nome do pai dessa acusação.

Quanto aos seus dois comparsas, uma reprimenda severa e ameaça de cadeia, caso continuem com esse falso testemunho.

Valéria, ao olhar Margarida, intimada a comparecer ao advogado e retirar a queixa, compadece-se da velha senhora. Uma idosa, facilmente iludida, e, em lembrança ao falecimento de sua mãe e atendimento inicial de uma babá, resolve arrumar-lhe um lugar para ficar, novamente a Casa de Repouso, deixando uma certa quantia em seu nome, para as necessidades.

Dr. Rogério arquiva o caso, não sem antes advertir Valéria de que não deve deixar o coração dominar diante da veracidade da lei, ao que ela responde: A lei existe sim para o nosso benefício, mas nesse caso, há necessidade de um certo abrandamento. Não houve dano e Margarida chora, arrependida.

Dando o caso por terminado, Valéria respira aliviada e volta a sonhar em ir à praia, num pequeno bangalô que construiu aos poucos, com parte da herança que recebeu e o ordenado de uma advogada vitoriosa.

Lembra-se antes de Afonso, gostou realmente de encontrá-lo e, mesmo sem vontade de algum relacionamento mais íntimo, gostaria de vê-lo mais vezes.

Procura-o e combinam de se encontrar em São Paulo, assim que ele tiver alguns dias livres na construção.

Ela avisa-o que irá até a praia, possui pequeno chalé em São Sebastião, quando puder, que apareça.

Afonso, mais alegre que de costume, fica de avisá-la, quando irá.

Os dois, já não tão jovens, parecem reiniciar uma amizade que, talvez, transforme-se em algo mais sério. Tudo indica. Coisas do destino, mesmo.

Em São Paulo, Jorge pede a Valéria para ir até o escritório. Precisa assinar uns documentos que darão baixa no caso de Margarida, para ser arquivado com eles também.



 Episódio II


ASSASSINATO NA BIBLIOTECA



Dando o caso por terminado, Valéria respira aliviada e volta a sonhar em ir à praia, num pequeno bangalô que construiu lentamente, com parte da herança que recebeu e ordenado de uma advogada ganhadora de causas.

Lembra-se antes de Afonso, gostou realmente de encontrá-lo e, mesmo sem vontade de algum relacionamento mais íntimo, gostaria de vê-lo mais vezes.

Procura-o e combinam de se encontrar em São Paulo, assim que ele tenha alguns dias livres na construção.

Ela avisa-o que irá até a praia, possui pequeno chalé em São Sebastião, quando puder, que apareça.

Afonso, mais alegre que de costume, fica de avisá-la, quando irá.

Os dois, já não tão jovens, parecem reiniciar uma amizade que, talvez, transforme-se em algo mais sério. Tudo indica. Coisas do destino, mesmo.

Em São Paulo, Jorge pede a Valéria para ir até o escritório. Precisa assinar uns documentos que darão baixa no caso de Margarida, para ser arquivado com eles também.

Valéria resolve consultar, primeiro, uma pequena dúvida que teve sobre o arquivamento e acha mais prático ir até a Biblioteca, lugar que frequenta, às vezes.

Quando entra, percebe uma correria em meio ao silêncio, muitos gritos, uma senhora corre apressada à sua frente, ouve um barulho forte de tiro que a atinge e ela cai desmaiada ao chão, sem que Valéria possa segurá-la. Pronto, novo caso desperta e aguça o espírito investigativo dessa advogada criminalista que se mete na confusão estabelecida para auxiliar a polícia, logo chamada. Telefona para uma ambulância do SAMU que corre ao local e também faz perguntas aos funcionários se sabem ou viram algo relacionado ao crime.

Liga para Jorge e cancela sua ida à praia. Novo caso apareceu, novo caso a resolver, a mulher atingida na Biblioteca.

Valéria se espanta com a mulher caída aos seus pés! Esse crime não lhe sai da cabeça!

Qual seria a causa? Algum assalto? Vingança? Perseguição? Em uma Biblioteca! Lugar de silêncio e estudo?

Interessa-se pelo caso. Seu espírito investigador ressurge e esquece-se das suas férias na tão sonhada praia. Construiu o bangalô com tanto capricho e quase nem aparece. Sempre a profissão em primeiro plano. Os crimes e as tragédias não cessam, não lhe dão folga, principalmente em São Paulo.

Começa a investigar quem é a mulher vítima, qual o nome, onde mora?

Se é frequentadora comum da Biblioteca. Poucas respostas, obtém.

Descobre que ela já se refugiou lá algumas vezes, para fugir de ataques de terceiros. Uma senhora que é sua vizinha, está comentando o caso, em voz alta.

Chama-se Doroteia e é muito temida na região central de São Paulo. Mora nas imediações da Avenida São luís, numa casa antiga, muito velha, pobre e assustadora.

Doroteia é conhecida como a louca da região. Faz barulhos, gritarias, assusta e xinga quem passa. Ninguém a suporta e a polícia foi chamada muitas vezes, por sua causa.

Detestava crianças e mulheres, talvez algum problema antigo que teve em relação a isso.

Encaminhada à psiquiatria pública e institutos correcionais, sempre voltou, fingindo ou disfarçando melhoras. O comportamento briguento e escandaloso reaparecia, em pouco tempo.

Saber, para Valéria, a causa da morte, quem seria o assassino, torna-se confuso. Muitos queriam sua morte, muitos tinham motivos para isso: a mãe que teve seu filho com a cabeça raspada, o senhor de idade que ela roubou a bengala, a família do seu vizinho, com muitos filhos, a quem tirava a comida, diariamente, enfim, era uma pessoa detestada por muita gente.

Defendê-la, descobrir um culpado, ou vários culpados, seria uma agulha em meio ao palheiro. Queriam distância dessa mulher, todos ao seu redor.

Abandonar o caso, passou por sua cabeça, mas, o direito à vida, a culpa de assassinato, mesmo que seja feito por defesa, planejado, uma vingança, merece estudo. Uma vítima, já condenada por antecedência. A lei decidiria a culpa. 

Valéria começa a pesquisar o ambiente que Doroteia vivia.

Um sobrado que se destaca na Av. São Luís pela feiura, pobreza e sujeira. Muito estragado. Bastante antigo, deve ter sido valioso, no passado. Se morou sempre ali, pertenceu à sua família, não conseguiram expulsá-la.

Examinando roupas jogadas, móveis empoeirados, Valéria descobre gavetas com objetos estranhos.

Doroteia, a louca, teve vivências, lembranças do passado.

No armário sem porta, acha várias fotos. Parecem seus familiares, parecidos com ela. Teve, então, vida familiar, ao nascer. Por que, sozinha, ao morrer? Qual o motivo que a fez louca? Observa tudo. Quem sabe acha alguma pista?

Tem experiência, nesses casos. Não haverá muita investigação policial, mas um possível arquivamento. Será considerada indigente.

De repente, encontra uma foto mais recente, Doroteia aparece abraçada a um moreno bigodudo, ainda jovem. Estão no sofá da sala.

Valéria pensa: Então, mesmo louca, ela gostou de alguém. Quem seria? Demonstra muita paixão.

Observa melhor e percebe a figura de uma criança, semelhante ao homem que a abraça. Será que teve filho?

Enquanto estuda essa vida, aumenta a curiosidade de Valéria.

Cansada, anda pela Avenida e encontra a vizinha fofoqueira que comenta sobre Doroteia.

Nem sempre apresentou loucura. Foi unida a um homem e teve um filho. Com o passar dos anos, ele a abandonou e levou o filho. Nunca mais soube deles. Fugiu, levando as poucas economias que tinha como herança de família.

Ficou emudecida e trancada em casa por vários meses até reaparecer odiando tudo e todos.

Essa é a Doroteia que eles conheciam e que morreu assassinada, talvez por roubar alguém ou sabido alguma trama do bairro. Costumava andar à noite.

Não usava tóxico, mas alguns drogados frequentavam a sua casa. Deixava-os entrar, protegia-os da polícia, principalmente os mais jovens, como Oscar, que lembrava o olhar de seu filho. Quando os familiares ou vizinhos iam buscá-los, chamavam a polícia, que nada encontrava, mas era ameaçada de prisão, muitas vezes. Recebia reprimendas, era levada à Delegacia, prestava depoimentos e voltava para casa, o grande desgosto e tristeza dos vizinhos.

Valéria pensa em várias hipóteses. O assassino pode ser qualquer um. Todos tinham motivos para matá-la. Difícil, esse caso.

Dá uma chegada no escritório e comenta o caso com Jorge. Pede auxílio na investigação.

Jorge, admirado, pergunta-lhe: 

Por que tanto interesse? Nem família pediu sua defesa! Parece que ninguém se incomoda muito! Deixa nas mãos da polícia.

Valéria não responde. Sente uma coisa estranha. Uma intuição, talvez.

Nunca soube explicar bem suas atitudes, simplesmente age.

Vai até o Departamento de Polícia, procura saber o tipo de armamento usado. Foi um tiro mortal, de revólver comum, manejo simples, qualquer um saberia usá-lo.

Em seguida, dirige-se ao Necrotério para examinar a biópsia. Está sendo estudada. Verifica que foi um tiro só, à distância, atingindo os pulmões, enquanto ela corria. Não parece premeditado por pessoa com prática. Alguma vingança, talvez.

Quem teria feito isso? Eliminá-la, simplesmente, como se fosse um animal nocivo, no meio do caminho!

Sente curiosidade em saber mais. Dirige-se ao guarda que chefia a entrada da Biblioteca e pergunta se possuem algum controle ou câmera.  Se notou alguém estranho, armado, quando a mulher foi morta.

Ele responde que não percebeu nada, só escutou os gritos dela, como todos, nem viu quem atirou, mas poderá verificar alguma coisa na câmera de investigação, daquele dia. Existe um departamento que vigia o entra e sai diário da Biblioteca. Leva-a até lá.

Valéria estranha como ninguém se preocupou com isso, nem a polícia. Doroteia seria mesmo mais uma indigente morta, uma infeliz a menos, na cidade. Encontrar o culpado? De pouca importância.

Observa bem a entrada das pessoas, naquele dia. Verifica alguns corredores que aparecem no vídeo e interroga algumas funcionárias que lá trabalham, como auxiliares. Não chega a nenhuma conclusão. Aparenta um dia normal.

Observa novamente a entrada de pessoas, com livros ou cadernos, debaixo dos braços. Entrada de estudantes, com certeza, ou algum fanático pesquisador.

De repente, percebe a entrada de Doroteia, descabelada, nervosa, fazendo sinais incontroláveis com as mãos, disfarçando ligeiramente uma bolsa vermelha, cheia de papéis, não se distingue o que são.

Caminha apressadamente, verifica os lugares mais escondidos da entrada e se refugia atrás de grandes livros.

Após um tempo, em meio a outras pessoas, calmamente, entra uma mulher de meia-idade, mais moça que ela, também com uma bolsa larga a tiracolo, que se dirige a uma funcionária à procura de um livro. Enquanto a atendente procura, ela se distancia do local e parece procurar alguém ou algo, em outras dependências.

Valéria pede para o guarda aumentar a imagem e reconhece já ter visto esse rosto, no dia da confusão.

A imagem some e eles não conseguem mais mostrar nada, somente se ouve gritos e correria de pessoas no ambiente. Não conseguiram gravar o crime, somente Doroteia caída aos pés de Valéria.

Que estranho, ela pensa, como a polícia não investigou isso? Vai atrás da moradia da fofoqueira. Lembra-se do seu nome, Catarina. Quem sabe reconhece a mulher.

Como se trata de crime, acha melhor não ir sozinha e liga para Jorge acompanhá-la.

Junto a Jorge, indaga os vizinhos de Doroteia, os mais antigos e conhecedores de sua vida. Todos se atemorizam. Ninguém quer dar informação. Muito ao contrário, afirmam ter dó dela.

Valéria, contrariada, continua batendo às portas e perguntando nas imediações até que encontra um grupo de meninos, jogando bola. Um deles, mais inocente, conta para Valéria que todos a conheciam e falavam mal. Deram até Graças por ela morrer.

Quem brigava mais com ela, aqui? Pergunta Valéria ao garoto.

Ele responde que todos a ameaçavam, mas a última briga foi com a mãe de Oscar, um menino que ia fumar, à noite, em sua casa. A mãe dele foi buscá-lo e fez um escândalo. Jurou que ainda ia acabar com sua vida.

Valéria pede, então, para mostrar onde ela mora e o menino aponta a rua próxima, uma casa amarela. A mãe de Oscar era Madalena, brava também, mulher de briga.

Acompanhada de Jorge, dirigem-se à casa de Madalena, e, antes de baterem, escutam o vozerio da mulher com o filho. Está aos berros, ameaçando-o de internação se não parar com a maldita droga. Já não bastou a morte da Doroteia, que o protegia? Quem ela precisaria acabar com a vida agora? Seus amigos?

Madalena para de gritar, imediatamente, quando ouve batidas à porta. Assume um ar calmo e educado, quando percebe que é a investigadora, acompanhada do detetive.

Valéria, que ouviu tudo, mas não gravou, afirma que ela será intimada a depor no caso do assassinato de Doroteia. Reconheceu o rosto. Precisará explicar o que fazia na Biblioteca, naquela hora e, suas brigas e ameaças a ela, por causa do filho Oscar.

Madalena, muito pálida, não responde nada, e confirma com a cabeça, o entendimento. Parece surpresa com a descoberta de Valéria, mas segura e convicta do que fez.

Valéria e Jorge dão andamento ao inquérito, que segue o processo normal. Madalena, intimada, acaba confessando sua ida à Biblioteca. Não pretendia matar Doroteia, mas só assustá-la, usando o revólver do marido. Como ela percebeu e correu, a arma disparou ou ela se desesperou e atirou. Queria mesmo acabar com aquele tormento.

Justificou seu crime em defesa do filho. Achava que Doroteia é que fornecia a droga.

No julgamento, Valéria esquivou-se da acusação, passando o caso para uma colega. Queria defender a morta, mas sentiu também o drama de Madalena ao defender o filho. Achou melhor abandonar o caso.

Enfim, processos e julgamentos, na sua profissão, eram sujeitos à habilidade profissional da defesa e da acusação, tendo como final a decisão dos jurados. A justiça seria feita, independente dela.

Soube, mais tarde, que Madalena foi condenada a oito anos de prisão, por fazer justiça com as próprias mãos, sujeita a diminuição da pena, por bom comportamento.

Valéria, cansada de São Paulo, acabou tirando umas férias e indo à praia, por longo tempo. Afonso apareceu para visitá-la.


 

 

 


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