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segunda-feira, 12 de abril de 2021

DESAFIO - Hirtis Lazarin

 


DESAFIO

Hirtis Lazarin

 

O dia acordou ouvindo as preces desencontradas de três pescadores exaustos.  Palavras simples e verdadeiras em agradecimento a Deus.  Noites e dias tranquilos em alto mar e um barco carregado de peixes.

Missão cumprida.  Hora de voltar para a praia de Torrinhos, costa do vilarejo de São Miguel Gostoso.

Capitão Ramos, homem de corpo tonificado pela rudeza da vida, pele castigada pelo sol e pelo sal, beiços grossos e rachados, é o dono da embarcação.  A coitada está velha e necessitada de reparos.  Da pintura amarela, uma ou outra pincelada. No casco, sobraram algumas letras do nome batizado.

Os dois ajudantes ligaram o radinho de pilha e se acomodaram estendidos displicentemente no chão duro do convés.  Ramos assumiu o leme.  O caminho era longo.  Muitos quilômetros de água e uma vontade imensa de chegar.

Assim que aportassem, sentariam ao redor de uma fogueira e assariam alguns peixes.  Era a hora de beber, comer, contar causos sobre o mar, os desafios, o peixe perdido.  Um ritual que reforçava os laços de pertencimento.

O silêncio e a monotonia do balanço das ondas levaram Ramos à infância.  Sentiu saudade do pai, seu herói e professor. Desde pequenino, grudava-se nele, atento a todos os detalhes quando o assunto era o mar, sua fartura e seu perigo.

Aprendeu com ele tudo o que precisava saber: os movimentos do nascer e pôr do sol, o voar dos pássaros, a movimentação das nuvens, a direção e força dos ventos.

Era por volta das quinze horas, quando uma avalanche de nuvens acinzentou o céu e a chuva pesada desabou.  Embora apreensivos, os caiçaras estavam convictos de que seria passageira.

Não foi o que aconteceu.  A chuva virou tempestade e o dia virou noite.  Um vento uivante causava arrepios e formava ondas cada vez maiores.  Da proa à popa, tudo já estava alagado.

Os rapazes agarraram-se aos cestos de peixes.  Ramos agarrou-se ao leme para não perder o equilíbrio. Com os olhos fixos no horizonte, nada mais via a sua frente.  Assustador...

De repente, uma onda gigantesca engoliu e arrastou tudo que estava solto no convés e junto foram os dois ajudantes.  Nem tiveram tempo de gritar.

A embarcação era uma folha seca solta no oceano bravio.

Capitão Ramos estava só.  Em pânico, caiu de joelhos e vomitou.  O barco rodopiava aceleradamente.  Ficou cego.

Foi então que uma mulher vestida de azul, coroada com flores brancas e pés nus apareceu e caminhou lentamente sobre as águas em sua direção.   Aproximou-se e estendeu-lhe as mãos.

O capitão Ramos nunca mais voltou.

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