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quarta-feira, 28 de setembro de 2022

APARECIDA - LEON A. VAGLIENGO

 





APARECIDA

Uma pequena história que emocionou o autor.

                                                                                                                               Leon Alfonsin Vagliengo

 

        Estabelecido numa rua tranquila daquele bairro modesto de periferia, o açougue de Ricardo era pequeno, mas primava pela higiene e pelo bom atendimento. Isso combinava perfeitamente com ele, um comerciante muito correto, que adicionava a essa virtude e oferecia também, no atendimento a seus fregueses, a grande simpatia que brotava com naturalidade de seu bom coração.

        Por isso, ninguém estranhou a sua atitude naquela tarde, em horário de pouco movimento, quando aquela cachorrinha branca e preta, suja e magra como um palito, parou em frente ao estabelecimento e deu um pequeno latido, com um olhar suplicante para dentro do açougue.  Ao vê-la, Ricardo condoeu-se com o seu aspecto tão deplorável, correu para separar uns bons retalhos de carne que sempre sobravam dos cortes, e generosamente, com muito carinho, os ofereceu para ela.

        A cachorrinha abanou o rabo em sinal de contentamento e, para a surpresa de Ricardo, abocanhou a carne, mas não a comeu. Foi-se embora caminhando pela rua com o alimento na boca, carregando-o com alguma dificuldade. Ele ficou a observá-la, sem entender, até que ela virou a esquina; pelo aspecto faminto da cachorrinha parecia que iria engolir toda a carne no ato, vorazmente, mas não o fez.

        No dia seguinte, por volta do mesmo horário, ali estava novamente a cachorrinha: mesmo latido, mesmo aspecto comovente, mesmo olhar de quem pede ajuda. Quando a viu, Ricardo se enterneceu outra vez, e nem pestanejou: separou os retalhos de carne e os entregou carinhosamente para ela, que os abocanhou e foi-se embora com eles na boca, como no dia anterior.

        Quando ela voltou no terceiro dia, os empregados do açougue já comemoraram a sua chegada:

        — Olha a sua freguesa aí de novo! A Aparecida chegou, Ricardo! — disseram, entre risos, já batizando a cachorrinha.

        E assim aconteceu por vários dias seguidos. Ricardo já deixava separados os retalhos que daria para ela, e até separava os mais longos para facilitar o transporte, porque sabia que ela voltaria e procederia como sempre, mas continuava curioso: “por que ela não come aqui, como qualquer cão faminto faria? Para onde será que ela vai?”.

        O estranho comportamento da cachorrinha o deixava a cada vez mais intrigado. Depois de alguns dias em que tudo se repetiu, vendo que ela ia embora caminhando devagar devido ao alimento que transportava com uma certa dificuldade, Ricardo percebeu que seria possível segui-la, e assim o fez.

        No caminho, Aparecida parava de vez em quando para ajeitar melhor o alimento em sua boca, retomando a marcha de imediato. Andou por alguns quarteirões até entrar num depósito de ferro-velho, caminhando pelo chão de terra batida por entre peças e objetos empilhados ou largados a esmo no local. Finalmente, passou com alguma dificuldade por sobre algumas caixas de madeira que cercavam o pequeno quintal de uma edícula desabitada, já nos fundos do terreno.

        Ricardo vinha logo atrás, chegando a tempo de vê-la depositar o alimento no chão e dar um pequeno latido ao qual acorreram seus três filhotes, abanando os rabinhos perante a refeição que a mamãe lhes trouxe. Sua grande sensibilidade, então, falou alto: com um nó na garganta, as lágrimas assomaram a seus olhos ao constatar a situação precária daqueles bichinhos e compreender o instinto maternal superior daquela pequena cachorrinha.

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        Num sábado, alguns dias depois, Ricardo convidou seus dois irmãos e suas jovens famílias para um churrasco no quintal de sua casa. A conversa corria solta entre risos, comes e bebes, quando seu sobrinho veio correndo, todo animado.

        — Tio Ricardo! Tio Ricardo!

        — Que foi, Julinho?

        — O Senhor tem quatro cachorrinhos! Me dá o pretinho? Meu pai deixa levar ele para a minha casa!

        Ricardo pensou um instante em como responderia. Não queria frustrar o menino, mas o seu coração de ouro não lhe permitiu outra resposta:

        — Não posso, Julinho. Não tenho coragem de separar a mãe de seus filhos, seria uma maldade. Já pensou como a Aparecida e os filhotinhos ficariam tristes? Mas você mora perto, pode vir brincar com eles sempre que quiser, eles vão gostar; e ela, mais ainda, com certeza. Venha, sim!

 

Um comentário:

  1. EU DESTACARIA DOIS MOMENTOS IMPORTANTES. A RESPONSABILIDADE DA APARECIDA COM SEUS FILHOTES E A RESPOSTA DO RICARDO AO SEU SOBRINHO.

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