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quarta-feira, 28 de setembro de 2022

A MENTIRA OCULTA - Helio Fernando Salema

 


A MENTIRA OCULTA

Helio Fernando Salema

 

Depois de muitas trocas de olhares e sorrisos, consegui falar com uma mulher que me encantava há alguns dias. Eu a admirava quando passava perto do meu trabalho, mas ela sempre parecia estar com pressa. Então decidi sair mais cedo e ficar de plantão até que ela aparecesse.

Quando a vislumbrei, logo preparei-me para iniciar a tão esperada conversa, ou quem sabe, conquista. Assim que estava bem próxima percebeu as minhas intenções e, um contido sorriso demonstrava o enorme desejo que ela não atrevia esconder.

Ali mesmo na calçada começamos a conversar e a convidei para um café ou jantar, à escolha dela. Ela sugeriu uma pizzaria que ficava bem próxima. A princípio pensei que a escolha dela era para mostrar-me quem decide. Não me importei, qualquer coisa eu faria para ter a presença dela.

Para demonstrar todo o meu cavalheirismo, deixei que ela escolhesse e, para surpresa foi a minha pizza predileta. Falamos de vários assuntos, a maioria das vezes era ela quem iniciava e eu prosseguia.

Quando ela olhou o relógio e disse-me que precisava ir, pois já era tarde, decidi arriscar um novo encontro:

 — Cremilda, foi um prazer enorme conhecer você. Gostei muito da nossa conversa, da escolha do local e saber que você também aprecia Pizza Marguerita, a minha preferida. Ficarei contente se nos encontrarmos outras vezes:

— Para mim também. Da próxima vez você escolhe.

Arrisquei apostando todas as minhas fichas, considerando o olhar e alegria que ela demonstrava. Então, sugeri o apartamento dela, que ficava bem próximo, como ela mesma dissera.

Ela mais uma vez demonstrando quem decidia, lembrou que eu mencionei que gostava de música e possuía uma esplêndida aparelhagem:

— No meu não é possível. Por causa de minha filha Sandra.

Com um semblante de enorme espanto:

— Sandro! Você não me disse que tinha uma filha.

Expliquei que pretendia falar mais tarde. Ela lembrou de que falei também de uma praia que eu adorava e frequentava sempre que podia:

— Então, você não vai me levar para conhecer aquela praia maravilhosa, que você vai sempre?

— Vamos sim.

— Mas, e sua filha?

Com muita tranquilidade, pois senti que ela já estava ”fisgada”, expliquei que iríamos só nós dois. Ela ainda insistiu querendo saber se minha filha não ficaria zangada. Comentei que eu a avisaria e, como sempre faço, direi onde e com quem irei.

Com os olhos arregalados e demonstrando satisfação, permaneceu por alguns segundos, pensativa:

— Então não há segredos entre vocês e, só não posso ir ao seu apartamento. Certo?

— Exatamente! Respondi quase soletrando.

— Lá… Não levo amigos e nem amigas.

No dia seguinte liguei e a convidei para um café após o expediente. Disse que não poderia, mas se eu quisesse ir ao apartamento dela outro dia, seria um prazer. Rapidamente pensei… E Decidi ver como estava o meu sucesso, perguntei se era para jantar. Deu uma risada gostosa e pediu para eu escolher o menu. Retruquei dizendo que gostaria de uma surpresa. Nova risada e confirmou que iria pensar, mas afirmou que estaria me esperando.

No dia combinado, após comprar na floricultura um belo vaso de flores coloridas e perfumadas, cheguei à “Casa dos Desejos Sonhados”. Ela abriu a porta e ao ver as flores externou uma imensa satisfação.

A minha surpresa não foi menor. Ela fez uma receita especialmente para aquela noite, inventada por ela mesma, Pizza de Marguerita com um molho à parte, todo especial também criado por ela. Insistentemente me pedia desculpas por não oferecer algo diferente, mas para não correr o risco de errar, preferiu escolher o que certamente me agradaria… Pizza de Marguerita. Respondi com toda sinceridade que foi uma excelente escolha.

Quando eu menos esperava ela pergunta pela minha filha. Assustou-me… Fingi que estava mastigando e assim pude pensar:

— Avisei que estaria no seu apartamento.

Ela levantou-se para ir à cozinha pegar a sobremesa... UFA!

Como a sobremesa era deliciosa passou a ser o assunto daquele momento.

O restante da noite foi tranquilo.  Acordei assim que o dia clareou, tomei um banho e arrumei-me para mais um dia de trabalho. Quando terminei, ela também estava pronta. Saímos para tomar café. Enquanto saboreávamos, ela sugeriu que no fim-de-semana fôssemos à praia:

— Boa ideia. Confirmarei nos próximos dias, preciso falar com a Sandra.

Parece que ela esperava outra resposta, ficou quieta e não tocou mais no assunto, nem eu.

 

VIAGEM À PRAIA

 

Dois dias depois telefonei para confirmar a nossa ida à praia, para eu fazer a reserva. Tudo acertado fiz a reserva e, só faltava arrumar a mala.  Saímos na sexta-feira no início da noite e em poucas horas estávamos na pousada.

Foi um fim-de-semana muito agradável e divertido. Ela concordou com tudo que eu havia dito sobre as maravilhas da praia. Sábado durante o café, perguntou quando eu estaria de férias, pois se coincidisse com as dela, poderíamos passar naquela pousada. Balancei a cabeça em sinal de dúvida … Ela imediatamente:

— Já sei… A Sandra pode não concordar.

— Não é isso. Minha filha não precisa concordar, apenas eu preciso acertar as coisas da casa com ela.

Silêncio fúnebre desceu sobre ela. Só algumas horas depois, quando a chamei para almoçarmos, foi que ela voltou a conversar normalmente.

Sábado à noite fomos a um restaurante de música ao vivo jantar e dançar. Eu que sempre me considerei um excelente dançarino e, outras mulheres também, fiquei estupefato. Dançava como nenhuma outra que conheci em toda minha vida, chequei a pensar que ela fosse dançarina. Ainda bem que ela elogiou a minha perfomance, também.

No domingo bem cedo,  um sol extranatural nos brindou até o fim do dia, quando tivemos que retornar acompanhados de uma saudade ”danada”.

 

DE VOLTA AO AP

 

 No domingo à noite, quando entrei no meu “AP” senti falta dela. Muito estranho, com trinta e cinco anos completos e mais de quinze morando sozinho, nunca senti no meu lar falta de uma mulher. Em momento algum pensei em levar qualquer pessoa, mesmo que fosse só para ver o meu ”recanto solitário”. Sensação estranha… Será que estou ficando velho? Pensei e fiquei preocupado.

Mesmo depois do verão, alguns fins-de-semana retornamos àquela pousada, viagem curta, rápida e boas recordações. Durante a semana nos encontrávamos para um café e depois um cinema ou teatro. Na maioria das vezes jantar no apartamento dela, quando ficávamos juntos até o dia seguinte. Poucas vezes ela mencionava alguma coisa sobre minha filha. Certo dia ao chegarmos, ela fez uma leve insinuação do anonimato de Sandra, fechei a porta do apartamento com toda força para mostrar a ela que quem manda no apartamento dela, sou eu.

 

 CASAMENTO

 

Seis meses de relacionamento, cada dia mais aumentava minha paixão pela Cremilda. Passar dias juntos era estar no paraíso sonhado. Não parecia real, especialmente quando retornava ao meu recanto, era  como se eu estive numa prisão solitária sem saber, nem compreender a razão de tal punição.

Reiteradamente tinha pensamentos inusitados… Casamento… Vida a dois. Sacudia a cabeça tentando jogá-los para bem longe, afastá-los da minha vida. Por pouco tempo eu até consiga quando me preocupava com outros problemas do cotidiano. Ao deitar-me sozinho, era como que aquela cama não fosse a minha, que meu corpo não estava completo e, a parte mais fundamental eu não a vislumbrava. Era estar inteiro num lugar e, em outro, apenas um pedaço de mim.

Depois de uma noite difícil, acordei tomei e uma decisão. Liguei para ela e avisei que iriamos jantar num lugar esplêndido… Uma grande e maravilhosa surpresa.

Ao sair do trabalho fiquei esperando, como sempre, no mesmo lugar da calçada. Assim que ela apareceu senti nela algo estranho. Aproximou-se … Entregou-me um envelope:

— Vá sozinho… Seu mentiroso… Você não tem filha.

Saiu com passos largos quase correndo. Assistindo o seu desaparecimento entre as pessoas, pensei… NEM FILHA … NEM VOCÊ.

 

Um comentário:

  1. Um interessante personagem, em cuja narrativa transparece uma personalidade doentia e fechada, ao sacrificar os seus momentos de satisfação e conquista em razão da insegurança quanto a assumir compromissos, usando do artifício da mentira para sustentar a sua inflexibilidade em não receber a própria namorada em sua casa.

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