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quarta-feira, 16 de março de 2022

Aconteceu num domingo - Ana Catarina S. Maués

 



Aconteceu num domingo  

Ana Catarina S. Maués


     E tudo começou a ficar muito iluminado, de uma claridade intensa, mais forte que o dia lá fora. E vultos tomaram conta de todo o lugar, que parecendo anjos, caminhavam ora por entre o povo reunido, ora subiam e desciam em rasantes por sobre a cabeça dos que ali estavam. Um espetáculo que deixava a todos em êxtase. A visão era como se estivessem diante de holograma, pois os seres não podiam ser tocados, a imagem em terceira dimensão, desfazia-se com a tentativa de segurá-la.

      Tarde ensolarada. A devota Mara Lúcia, em passos largos, caminhava rumo a capela, próxima de sua residência, para a oração do terço, mas o salto agulha a atrasava, pois fazia, vez por outra, ela torcer o pé tornando o percurso mais longo.

     Enfim chegou, ainda a tempo de fazer, junto com o sacerdote, o sinal da cruz de início do terço.

     A reza lenta e compassada somada ao calor, faziam-na dar cabeçadas em um cochilo nada apropriado. Sentia-se estranha, nunca havia feito aquela oração de modo tão displicente.

     Terminado o terço, hora da santa missa. O padre deu início à celebração e Mara Lúcia continuava bem zonza. Abria os olhos com dificuldade, mas eles não obedeciam, tinham vontade própria, eles zombavam de sua intenção. Quando parecia bem acordada ela entrava em discussão consigo mesmo, mas o que será isso eu dormi bem à noite, não acordei tão cedo, não estava com sono quando saí de casa muito pelo contrário estava bem esperta para não chegar atrasada ao terço uma hora boa para um café será que alguém notou minhas cabeçadas na capela tem bastante gente caramba que vergonha logo eu conhecida como a mais devota da comunidade. Ainda em pensamentos, mas percebeu o olhar atento da amiga Carol, deu um sorrisinho, um aceno e voltou-se para a santa missa, todavia mais um longo cochilo.

     — Vão em paz, e o Senhor vos abençoe.

     Mara Lúcia assustou-se! E com seus botões dizia, meu Deus terminou a missa e se acompanhei metade dela foi muito, mas agora vem a adoração do Santíssimo, não posso ficar desse jeito. Levantou-se arrumando a saia, e dirigiu-se ao sanitário na lateral do prédio.

     Lá chegando jogou água fria no rosto, esfregou bem os olhos, abriu a bolsa procurando um batom, e retornou certa de que o sono a deixara.

     O Santíssimo já estava exposto. Mara Lúcia ajoelhou-se no banco em frente a hóstia consagrada e foi nesta hora que ela viu um feixe de luz saindo do ostensório. A luz crescia e avançava vindo em direção a ela, tomando conta de todo o salão.  Abaixou a cabeça e arrepiada, só lembrava de pedir perdão pelos seus pecados. Ela não tinha coragem de abrir os olhos e quem sabe ver Jesus, pensava que se isso acontecesse iria morrer por ver o poder do Cristo. Passados alguns instantes de um frenético torpor, tomou coragem e nesse momento pode contemplar a cena mais inusitada de sua vida. Viu a glória de Deus. Eram homens com asas, vestidos de um branco alvo, como jamais vira, que não andavam, deslizavam por entre as pessoas, enquanto outros pairavam próximo a cabeça delas e outros deslocavam-se como que voando, mas sem bater as asas, tudo ocorrendo dentro de uma aura mais clara que o sol de meio dia, porém sem afetar a visão. Mara Lúcia podia ver tudo sem sentir seus olhos ofuscados.

     A visão demorou alguns segundos, o suficiente para deixá-la inebriada, sem saber se foi arrebatada ao céu ou se o céu veio visitar a capela. Olhou em volta e as pessoas pareciam estar em transe.

A Adoração ao Santíssimo acabou. Mara Lúcia saiu da capela e não falou com ninguém sobre a visão. Todos saíram mudos, sem se cumprimentarem como de costume.

     Amanheceu. O sol chegou pisando forte na grama do jardim. Mara Lúcia acordou trazendo bem nítida a visão do dia anterior. Somente agora tinha a intenção de tecer algum comentário com alguém que também esteve lá. Lembrou da amiga Carol, com a qual trocou aceno e resolveu telefonar.

 — Oi Carol, que bom que atendeu.

 

— Oi Mara, comigo tudo bem e com você?

— Amiga, o que foi aquilo ontem na hora da adoração em? Perguntou Mara Lúcia.

   — Pois é, você passou tão mal. O padre interrompeu a adoração, chamamos o SAMU, eu fui com você até o hospital de emergência, você estava muito alterada, não falava coisa com coisa, de início pensei ser uma insolação, pois o calor era demais, mas os médicos disseram que você teve um AVC. Graças a Deus você reagiu bem e voltou logo a si.

   —  Carol! Do que você está falando? Perguntou muito assustada Mara Lúcia.

  — Do piripaque que você teve na capela ontem. Você não lembra?

 Cruz credo! Eu não lembro de nada não. Meu Deus! Eu liguei pra te falar de uma coisa totalmente inusitada, e você me diz isso!

— Verdade amiga, foi um corre-corre danado. Você ficou muito doida.

   Mara Lúcia sem entender nada, teve que acreditar na colega e até hoje não sabe explicar se o que viu foi verdadeiro ou efeito do acidente vascular cerebral que sofreu.

Um comentário:

  1. GOSTEI MUITO DESTA HISTÓRIA. CRIATIVA EXPLORANDO O IMAGINÁRIO (SERÁ?), BEM NARRADA, ÓTIMA SEQUÊNCIA.
    PARABÉNS, ANA.

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