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sábado, 16 de janeiro de 2021

Peraltices - Adelaide Dittmers

 



Peraltices

Adelaide Dittmers

 

Era época de Natal.  As ruas já cintilavam, e o riso das pessoas parecia que vinha mais facilmente. Minha mãe conversava com uma grande amiga, que tinha uma loja na rua principal de Bebedouro, cidade do interior de São Paulo. A conversa fluía animada e já entrava no clima da festa tratando de compras e arrumações.

Estava sentada à porta ouvindo-as distraídas com seus planos, enquanto eu e minha amiga Maria Luisa apreciávamos o ¨footing” tradicional movimento de vaivém dos jovens pela rua naquela época.

Tinha nos brações um boneco do qual não me separava.  Devia ter três anos e meio de idade, não tenho certeza.  O ócio logo desmotivou minha amiga que resolveu ir para casa.  Era comum andarmos sozinhas pela cidade que não oferecia perigos, e grande parte dos habitantes nos conhecia.

Havia ainda muito que conversarmos, muitas curiosidades para se ver, então fui com ela até a esquina. Nossos passos curtinhos regados a brincadeiras fez desse trajeto uma alegria. E, quando passamos pelo cinema, eu quis entrar, tinha vontade de ver o que se passava lá dentro, tinha vontade de ver as imagens que traziam os sons até a rua. Mas, logicamente, o porteiro não permitiu. Vai pra casa, garota!

Aquilo não me saiu da cabeça. Involuntariamente me aguçavam pensamentos e a vontade de conhecer o cinema, aumentava em mim. Na volta, percebi que o porteiro não estava no seu lugar. É fácil entrar agora, pensei. Então entrei, empurrei uma porta e adentrei no escuro da sala. A luz que permiti entrar ao abrir a porta, fez com que alguns me olhassem. O som alto me atraía mais do que a escuridão que amedrontava. Sentei-me o mais perto possível da entrada.  Os olhos vidrados na telona na tentativa de adivinhar o que se passava ali. Lembro-me de mais olhares na minha direção. Não havia cor na tela, apenas imagens em movimento.  

Depois de algum tempo sem identificar o que faziam na tela, cansei, e decidi ir embora. Lembrei de pronto do porteiro que agora devia estar de volta ao seu posto, então, com muito cuidado, sai carregando meu boneco.

Voltei para a loja, e encontrei minha mãe já aflita me procurando. Tinha pouco mais de três anos, e levei uma tremenda bronca, daquelas que não se esquecem jamais.

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