A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

A PORTA - Adelaide Dittmers

 


A PORTA

Adelaide Dittmers

 

Diante de mim há uma porta.  Há uma porta diante de mim.

Para onde me levará? Tenho que abri-la para descobrir.

O medo me avassala. 

E se abrir para uma noite escura? Onde sombras assustadoras aparecerão...

Ou ao abrir me deparar com um dia ensolarado e céu azul...

O que me espera do outro lado, afinal?

Tenho que ter coragem.  Faz parte da caminhada.

Seja o que for que encontrarei, tenho que enfrentar ou me comprazer.

Empurro a porta abre devagar.  O espanto me paralisa.  Diante de mim há caminhos entrelaçados e tortuosos.  Passo a passo, sigo lentamente.  Atordoada, percebo que têm forma de neurônios e se ligam uns aos outros em grande velocidade.

De súbito, uma espécie de nuvem afeta minha visão e sinto um vento forte me carregando. Surpreendida avisto uma bela paisagem, que surge aos poucos no meio da névoa.  Meus pulmões enchem-se de ar puro.  Um sentimento de gratidão inunda meus sentidos. Mais abaixo, um mar verde e límpido lambe a areia branca.  Corro para ele. Mas nesse momento sou arrancada dali e me deparo com homens caçando, vestidos de peles de animais. Os rostos têm feições rudes, as mãos grossas carregam machados feitos de pedra.

Levada outra vez por aquela força estranha, vou parar em outros tempos e lugares.  À minha frente, homens com lanças lutam com ferocidade. Tento fugir dali.  O sangue de um guerreiro espirra em meu rosto.  Desfaleço de susto e volto a mim em uma estreita estrada de terra, onde um homem sentado em uma pedra, fala sobre amor e respeito ao próximo para doze embevecidos ouvintes.  A paz aninha-se em minha alma.  Fecho os olhos para absorver aquele momento.  Quando volto a abri-los, estou em um prédio escuro, com paredes de pedra, onde homens confabulam sob uma tocha, que mal ilumina o aposento.  Olhos ferinos me dizem que lá ódio e não compaixão.  É um lugar lúgubre e amedrontador.  Esforço-me em sair.

Sou jogada em uma praça e ao levantar os olhos, fico horrorizada ao ver pessoas sendo queimadas em fogueiras.  Tampo os ouvidos para não ouvir seus gritos lancinantes.

Sou de novo transportada, impotente que estou de sair desse caleidoscópio de lugares e épocas.  Um campo está sendo lavrado por pessoas pobremente vestidas.  Uma mulher está à sombra de uma árvore amamentando uma criança.  O olhar perdido demonstra desesperança.  Ao longe, um grande castelo ergue-se majestoso.

Novamente, aquela força inexplicável me deposita em um ambiente claro e quando tento entender onde estou, tampo a boca para não gritar de espanto.  Diante de mim, nascendo da pedra bruta, translúcida e pura do mármore, está uma mãe segurando o filho morto.  Fico extasiada! Sento-me no chão frio e admiro comovida o grande mestre executar sua obra. Quis permanecer ali por mais tempo, mas nessa louca viagem não sou dona da minha vontade.

Uma rua estreita e imunda, cercada de pequenas casas é minha próxima parada.  No chão de pedras irrregulares jazem pessoas, cujos corpos estão cobertos de enormes bolhas.  A peste negra.  Dou um passo para trás.  O terror se apodera de mim.

E continuo nesse caminho insano.  Passo por muitas batalhas.  Homens com poderes absolutos, revoluções, mulheres oprimidas, escravos açoitados sem piedade desfilam sob os meus aturdidos olhos.

 De repente, estou em um lugar hostil.  Homens e crianças magérrimos estão sendo empurrados com violência para uma sala totalmente vedada.  Um arrepio percorre-me inteira.  Sinto-me exausta. Viro a cabeça.  Quero sair dali.  O arrependimento de ter aberto aquela porta toma todos os meus sentidos.

Para minha surpresa, vejo-me então em um hospital.  Olho em volta.  Uma mulher geme ao se esforçar em dar vida a um novo ser.  Aproximo-me dela.  Paro estática. È minha mãe. Quero chegar mais perto, mas não consigo.  O choro de uma criança ecoa na sala. ¨Uma menina¨, diz o médico sorrindo.  Atônita, percebo que sou eu, que estou nascendo.  Viro-me, e à minha frente está a mesma porta. Respiro fundo e baixando a maçaneta, entro...                      

Nenhum comentário:

Postar um comentário

DEIXE AQUI UMA MENSAGEM PARA O AUTOR DESTE TEXTO - NÃO ESQUEÇA DE ASSINAR SEU COMENTÁRIO. O AUTOR AGRADECE.

As Meninas da Casa Verde – CAITANA - Adelaide Dittmers

  As Meninas da Casa Verde – CAITANA Adelaide Dittmers   Caitana, a mais velha das meninas da Casa Verde, muito religiosa e sóbria, er...