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quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

MARGARETH FOTOGRAFA UM CRIME. - Dinah Ribeiro de Amorim

 




MARGARETH FOTOGRAFA UM CRIME.

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Margareth, fotógrafa profissional, trabalha para a Revista Eventos. Sempre que surgem novidades é chamada e, como a cidade do Aconchego está sempre acontecendo, fotografa muito.

Frio, calor, chuvas, dias ensolarados, lá está ela, de máquina na mão, tentando cobrir desfiles, comícios, festividades e cenas do cotidiano, com o objetivo de agradar o leitor.

Dias de folga são raros e, quando acontecem, procura passá-los dormindo; mal se dedica à família, pai e mãe idosos. Isso a contraria e, num raro domingo livre, resolve levá-los a passear no campo. Coloca os pais no carro e fecha a porta de casa, quando o celular toca insistentemente. É o diretor da revista que lhe pede para fotografar com urgência um comício contra o atual secretário de saúde da cidade. Querem sua demissão.

" Logo Dr. Alfredo, pensa ela, um médico tão bom! Querido por todos. Qual será a causa?"

Tristonha, pede aos pais que voltem para casa e desculpa-se, tem trabalho. Outro dia sairão.

Os pais, acostumados com a sua profissão, sorriem e se preparam para o domingo de sempre, na televisão.

Margareth dirige rápido em direção à Secretaria de Saúde, com a entrada bloqueada por seguranças, que impedem pessoas em tumulto.

Gritam todos ao mesmo tempo: "Abaixo Dr. Alfredo! Queremos justiça! Devolvam nosso dinheiro!"

Espantada, a moça prepara a máquina e bate as fotos iniciais da manifestação, sem saber do que se trata, mas curiosa. Locomove-se rapidamente, tenta infiltrar-se entre eles, cada vez mais numerosos e irrequietos. Leva um empurrão e derruba a máquina, que cai ainda explodindo fotos...

Apanha-a com rapidez, evita que pisem, examina-a com cuidado e procura outro lugar. Continua a observar o que acontece. Escuta um estampido, semelhante a tiro, quando estava no meio da multidão e alguém cai. Aflita, tenta ajustar a máquina, que não funciona. Acontece um silêncio, rodeiam a pessoa atingida, o tumulto cessa e a maioria corre apressada. Com certeza aquilo não era previsto. A polícia e uma ambulância chegam rápidas ao local e Margareth reconhece o corpo gordo de Dr. Alfredo, imóvel, ser levado na maca. Policiais interrogam os presentes, algemam os mais exaltados e percebem uma arma jogada no chão, ao lado de um homem afro descendente. Acham-no suspeito. Aproximam-se e, com aspereza, perguntam se a arma é dele. O homem negro nega, jogaram-na após o tiro. Os policiais duvidam e empurram-no ao chão. Puxam seus braços e o algemam também. “Todos para a delegacia! ”

Em instantes, o comício se desfaz, os que conseguem fogem, a paz se restabelece. Margareth, angustiada, vai à revista, conversar com o diretor. Confusa, mal sabe como se explicar. Conseguiu poucas fotos, não soube o porquê do tumulto e como foi o crime.

Thiago, seu chefe, explica-lhe que Dr. Alfredo criou um plano de saúde barato, popular, com pequenas contribuições mensais e promessas de atendimento. Isso não aconteceu. Quando as pessoas necessitaram do plano, não havia nem Pronto Socorro. Daí a revolta da população. Muitos doentes sofreram, houve até mortes prematuras. Queriam justiça, mas, homicídio, ninguém esperou... Perderam o controle quando o avistaram e tentou se explicar. Agora, era chegar ao culpado. Tudo indica que foi o homem negro perto da arma.

Na delegacia, muitos interrogatórios, quais foram os planejadores do tumulto, detenções, deveriam ter recorrido às autoridades legais, mas o mais atingido foi José, o negro encontrado perto da arma. Queriam forçá-lo a confessar o crime. A maioria foi solta por falta de provas e José, sem um advogado que o defendesse, apanhou muito e ficou detido.

Caracterizou-se crime grave com o falecimento de Dr. Alfredo, transformou-se de réu popular a vítima. José, o acusado violento e sem controle, preso, aguarda julgamento.

Margareth não é jornalista nem fotógrafa policial, o caso é novidade em sua vida profissional, mas fica atenta e medita sobre o assunto. Tem intuição que algum erro ocorre na acusação policial. Não acredita que o José seja o culpado. Não tem ficha policial, boa família, pobre, honesto, trabalhador, nem porte de arma possui. Comenta com o chefe e discute as várias opiniões. Lembra-se de buscar a máquina no conserto.

Com a máquina na mão, Thiago revela no computador as poucas fotos antes de bater no chão. Ele e Margareth prestam atenção e, uma delas, a última, mostra um grupo acotovelado em torno de Dr. Alfredo, que cai após o tiro. José não está entre eles, mas o movimento da arma sendo jogada e abandonada aos seus pés é bem nítido, resta agora saber quem foi.

Margareth e Thiago exclamam: ”O homem é inocente! Temos que ir à polícia. ”

Na delegacia, ansiosos, controlam as emoções. Precisam conversar com o delegado encarregado do caso, Dr. Mourão. Esperam minutos que parecem séculos e entram na sala do delegado. Avisam que possuem fotos relacionadas à morte do Dr. Alfredo.

Dr. Mourão acha que o caso está praticamente resolvido, liga a máquina de Margareth ao seu computador, olha as fotos com ligeiro interesse. Não sabia que a moça esteve fotografando o evento. Esse interesse aumenta quando percebe a última, que mostra a arma sendo jogada por alguém aos pés de José. Agora. É localizar quem esteve no grupo próximo ao médico, uma longa e difícil pesquisa. Isso inocentou o homem preso injustamente, e orientam-no para cobrar pelos danos morais que sofreu.

Thiago e Margareth se confessam amigos de José e não saem da delegacia até a soltura. O até então cabisbaixo, melancólico, amargurado e já conformado José, aparece, quase feliz, em total agradecimento.

O final desse caso policial será a futura reportagem que Margareth e Thiago farão, quando a polícia descobrir o verdadeiro culpado. A revista Eventos, além das frivolidades da cidade, cobrirá também assuntos humanitários, de interesse e bem-estar da população.

 

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