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quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

1º lugar - PRESENTE HUMANO - Ana Catarina Sant’Anna Maués

 


Ana Catarina Sant’Anna Maués


1º colocado

CONCURSO DE NATAL ICAL 2020


Presente humano

Ana Catarina Sant’Anna Maués


   Músicas, enfeites, animação, comércio com altos índices de vendas, hum! Este ano o Natal promete ser dos melhores, dizia Bruna na mesa do almoço. Rodrigo, no entanto, estava ali apenas fisicamente, pois os pensamentos o levavam para bem longe. Bruna insistiu:

— Querido, estou falando com você?

— Oh! Sim benzinho, me desculpe, estou longe.

— Você fará aquilo este ano novamente? Perguntou ela.

— Sim! Você entende né, é muito importante para mim e para eles também.

— Entender eu entendo, mas acho esquisito dar este tipo de presente para as pessoas.

   Mais tarde Rodrigo, em frente ao espelho, arrumava a barba postiça, já todo vestido de vermelho, calçou as botas e veio para a sala onde esposa e um casal de amigos o aguardavam para a ceia.

— Ora, ora, tá bonito hein! Brincam sorridentes quando o veem.

   Ele, eloquente, respondeu:

— Vou dar uma voltinha e já venho. Não comecem a ceia sem mim.

   O casal convidado estranhou, mas Bruna veio em socorro:

— Como um bom papai Noel ele vai entregar alguns presentes, mas não se preocupem, ele volta logo.

   Rodrigo bateu a porta do carro e dirigindo foi observando as ruas fervilhando de pessoas com pacotes que se denunciavam serem presentes. As luzes coloridas cintilando em árvores e bonecos na frente das casas davam o tom festivo à noite especial, mas ele procurava por algo bem diferente do que via. Nesta busca ele foi se afastando da agitação e chegando à periferia da cidade, encontrou o que procurava. De longe avistou um jovem sentado sozinho no banco de uma praça. Aproximou-se e ofereceu um lanche que tirou do saco que carregava nas costas. Rodrigo tinha um dom especial, um carisma cativante e conseguiu tirar daquele rapaz o porquê de estar na véspera do Natal sem família, sem amigos. Com mais um pouco de conversa ele convenceu o jovem a entrar no seu carro e seguir até a próxima pessoa que desta vez não estava só. Ele viu uma moça carregando uma criança com apenas alguns meses de vida. Com o mesmo gesto e simpatia ofereceu o lanche e a prosa veio em seguida, e pouco tempo depois ela e o bebê também entraram no carro.

   Ele olhou o relógio e calculou que havia tempo para mais uma pessoa, e neste momento viu um idoso deitado sob a marquise de um velho depósito abandonado. Parou o carro, ofereceu o lanche e recolheu mais um para o automóvel. Já contavam três os escolhidos desta noite. O carro avançou pelas ruas deixando para trás a vida que levavam.

   Rodrigo parou na frente de uma casa bem modesta, bateu, e uma moça abriu a porta, de pronto estranhou a figura de um Noel na sua frente, mas ele com dom celestial conseguiu que ela o escutasse. Depois de algum tempo foi até o carro e trouxe o jovem, aquele primeiro com quem teve contato.

   Ali, na porta mesmo ocorreu um compromisso da parte do rapaz e um sentimento de acolhimento da parte da moça. O jovem havia se envolvido com assalto a mão armada, foi preso, e quando terminou de cumprir a pena não teve coragem de voltar para casa, mesmo com profundo arrependimento no peito pelo mal,  e grande vergonha que fez passar sua irmã, afinal eram só os dois, um contava com o outro e ele falhou feio, decepcionando-a quando entrou para o mundo do crime, porém um pedido de perdão sincero e a palavra de que seria um homem honrado, desta noite em diante, bastaram para que a irmã o acolhesse com ternura.

  Ao retornar ao carro contou aos outros, o quanto estava feliz com o resultado da entrega deste seu primeiro presente.

   O próximo seria a jovem mãe com seu bebê de cinco meses. Desta vez o bairro era nobre e uma mansão podia ser vista no final da rua. Margarida era o nome da moça. Rodrigo sozinho, atravessou o jardim, mas antes de tocar na campainha colheu uma flor. Quem atendeu foi um casal elegantemente vestido. Ele entregou a flor dizendo apenas, que uma outra flor de nome Margarida havia mandado entregar. Em segundos a senhora chorou copiosamente, e o senhor prendeu o choro, então Rodrigo aproveitou para dizer que apesar de tudo que a fez sair de casa, das más companhias, das drogas e tudo o mais, ela agora amadureceu e pedia perdão, pois tinha uma criança para cuidar, o netinho deles. Dizendo isto foi até o carro e trouxe Margarida e a criança. Ao vê-los os pais os abraçaram e um pacto de amor se estabeleceu.

   Voltando ao veículo, após a entrega de seu segundo presente, notou que o senhorzinho não estava mais lá. Olhou em volta e o viu longe, caminhando na avenida. Correu e o alcançou. Num breve diálogo ele expôs o receio, disse que no caso dele não teria chance alguma, que a família não o queria de volta, que o álcool fez destruir tudo que de bom havia nele, que os filhos o expulsaram de casa com razão, pois até pequenos furtos ele já andava fazendo para gastar com bebida, que era incontrolável o seu vício, mas Rodrigo sempre determinado, não desistia fácil, por isso articulou uma, duas, três vezes sobre a possibilidade dele estar errado, até que o convenceu de tentar, afinal o “não” ele já tinha.

   Chegaram, e uma bonita festa acontecia dentro da casa, já na parte rural da cidade. Rodrigo bateu palmas o mais forte que pode, a música estava alta e ninguém escutou. Resolveu então entrar de mãos dadas com o senhorzinho que se chamava Emanuel, e mudo esperou que os notassem. Não demorou e alguém desligou o som. Todos voltaram-se e perplexos ficaram, até que uma criança, o netinho do recém chegado veio e abraçando-o disse:
 — Vovô, quanta saudade!

   Depois disso não houve mais o que dizer ou o que explicar. A família toda reunida festejou a chegada de Emanuel que se comprometeu a ficar longe do álcool, e os dois filhos mais velhos acertaram de providenciar um tratamento para o pai.

   Saindo dali, Rodrigo estava pleno de alegria, como uma taça transbordava felicidade. Ao chegar em casa com sorriso de orelha a orelha percebeu as luzes apagadas e estranhou a casa toda no escuro. Abriu a porta chamando pela esposa e neste momento com gritos de vivas as luzes acenderam e apareceram, não apenas Bruna, que planejou a surpresa, mas também o casal de amigos e muitos dos que, nos outros Natais, ele deu como presente, e vieram abraçá-lo em mais um ano de gratidão, pois estavam perdidos e foram encontrados.



Um comentário:

  1. Que história inspirada, Ana Catarina! Muito oportuna para o Espírito de Natal. Parabéns!

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