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quinta-feira, 28 de março de 2019

O VELEIRO - Hirtis Lazarin



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O  VELEIRO
Hirtis Lazarin


     O ancoradouro escondia-se na neblina do amanhecer, quando o veleiro baixou as velas e zarpou às quatro horas da manhã.  Sua primeira viagem; uma semana com roteiro bem planejado.

     Éramos três rapazes eufóricos e cheios de planos, carregando na bagagem conhecimentos sobre a magia, os segredos do mar e expectativas fantasiadas de corais, peixinhos listrados e criaturas abissais.

     Fazia dois dias que estávamos em alto mar.  A brisa noturna que embalava as velas alvíssimas, o cheiro adocicado da água salgada, o movimento ritmado das ondas acalentando o veleiro...  Era a perfeição!  A lua clareava o convés e as estrelas eram tantas que, na disputa por espaço, poderiam até despencar lá de cima.

     Nós três bebericávamos jogando conversa fora até o sono chegar.  Eu, na verdade, não pretendia dormir tão cedo.  Aquele momento da mais absoluta serenidade aquietava minha alma, refinava meus sentimentos e purificava meu jeito de ver a vida.  Do meu jeito fiz uma oração de agradecimento. 

     Sem que déssemos conta, o veleiro embrulhou-se num denso nevoeiro.  Não se enxergava um passo à frente.  Apenas nossos gritos de alerta.  Uma ventania furiosa virava e revirava tudo.  Objetos soltos voavam sem direção e misturavam-se num emaranhado de destroços.  Tudo ia sendo engolido por ondas gigantes.  Era uma montanha de espuma.  Nós, agarrados aos mastros, éramos desafiados e nada podíamos fazer.  Uma batalha injusta e desigual.
  
     Eu odeio ventania. Senti enjoo, náuseas e vomitei de pavor.  

     Nuvens negras e emboladas desmancharam-se em granizo; verdadeiras bolas de pingue-pongue que esburacavam as velas como se de papel fossem.

     Não sei quanto tempo passou.  Acordei zonzo com o rosto sangrando; preso a um pedaço de madeira, eu boiava em alto mar.

      Zeca, Leo onde estão vocês?  Não me abandonem... Minha vida só tem sentido junto de vocês... Leo me respondeu.  Estava preso a uma boia.  De onde apareceu essa boia? Oi Zeca, você tá me ouvindo?  Por mais que eu gritasse, Zeca não deu sinal de vida.  Ele e o veleiro jazem na profundeza das águas.  Eu choro sem parar, grito mil palavrões, desabafo até me sentir exausto e sem forças.  Isso não podia acontecer...Você não merecia isso.  Sempre foi o mais entusiasmado, o mais dedicado e o mais apaixonado pelo mundo marítimo.

     Neste momento, nada me resta senão consolar-me com versos em que o poeta dizia: "Navegar é preciso.
                                                                                                                                                         Viver não é preciso." 
     Olho pro céu e as estrelas todas estavam lá.  E a lua também.  Testemunhas caladas.

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