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terça-feira, 5 de janeiro de 2021

O COMPUTADOR TEIMOSO E VINGATIVO - Leon Vagliengo

 

 



O COMPUTADOR TEIMOSO E VINGATIVO

Leon Vagliengo

Todas as tardes das quintas-feiras, pouco antes das quinze horas, Leon transfere o seu Computador para um local com melhor recepção da internet, porque se iniciará, de forma virtual, a aula de escrita que muito aprecia. Os instantes da transferência são a única situação em que o velho Computador, que já não dispõe de bateria, fica totalmente desligado, pois outras razões, que não vêm ao caso, exigem que permaneça permanentemente ligado. Naturalmente, após a transferência de local, precisa ser novamente ligado para a aula.

E foi aí que tudo se complicou.

O Computador, sem compreender as razões de seu dono, não estava gostando nada do tratamento recebido. Foi acumulando a sua raiva, semana a semana, e finalmente, naquela quinta-feira, perdeu completamente a paciência:

QUEM ELE PENSA QUE É?” – ruminou, referindo-se a seu dono já com intenções vingativas. E continuou, a cada momento mais descontrolado, justificando para si mesmo as razões de sua revolta: “Me deixa ligado durante o dia todo e a noite toda, nem posso descansar, não respeita a minha idade. E de repente me liga e desliga sem mais nem menos e quer que eu funcione como e quando bem entende. HOJE ELE VAI SE ARREPENDER!”.

Se bem pensou, melhor o fez.

Leon foi ficando aflito. Sua aula virtual de escrita começara às quinze horas e ele já vinha tentando ativar o Google Chrome desde bem antes disso, e nada. E sem o Chrome não haveria o acesso ao aplicativo da reunião, o Zoom. Sem contar o deboche que o Computador lhe impunha! Funcionavam os outros programas, mas aquele de que ele precisava, nada. Aquele Computador ingrato, que ele mantinha em uso por razões que poderiam ser consideradas apenas afetivas, sabia bem como irritá-lo.

Quanto mais o Leon tentava, mais exultava o seu Computador, aquele ser inanimado que agora, todo animado, comemorava aquelas suas pequenas e mesquinhas vitórias: “Ele já me reiniciou duas vezes, me fiz de morto. Só porque é meu dono, pensa que pode tudo? POIS SIM! Vou lhe dar uma bela canseira”.

Vinte e cinco minutos se passaram desde que se iniciara a aula, Leon tentando de tudo, sem sucesso. Pobre aluno frustrado! E o Computador continuava a comemorar, agora mais calmo, mas em tom maquiavélico:

Veja só o desespero dele. Está perdendo a aula, bem feito! Novamente me desligou e teve que esperar, porque eu sou lento mesmo, até para desligar. Vai ligar outra vez, com certeza, esse cara é insistente. Azar dele, eu também me demoro em religar. E tão cedo não vou funcionar naqueles programas que ele quer”.

Meia hora de aula perdida. Nova tentativa, novo desligamento, nova espera, novo ligamento, nova espera. Leon já não estava apenas aflito. Estava bravo, no limite! Subitamente deu um grunhido nervoso, seguido de um tapa na mesa, e exclamou, quase gritando:

FUNCIONA, COMPUTADOR MISERÁVEL! OS TEUS DIAS ESTÃO CONTADOS!

Foi então que o Computador se deu conta de que havia exagerado e a coisa tinha ficado feia. Embora já bem desatualizado em razão de sua idade e mesmo sem contar com modernos recursos de inteligência emocional, fez valer a alta tecnologia de seu gênero, conseguindo captar e processar os novos dados emanados por Leon, que traziam sinais inequívocos da tragédia que se delineava para o Dispositivo, traduzidos pela forma nervosa como estavam sendo teclados, repetidamente, os mesmos comandos. Sua raiva dos primeiros momentos já passara, e resolveu, então, arrazoar que o castigo que proporcionara a seu dono já tinha sido o bastante. Estava satisfeito, seria melhor mudar de atitude:

Pensando bem, o Leon, nervoso, pode se tornar um perigo. Estamos no décimo sexto andar, e eu estou perto da janela, que está aberta! Acho que já foi o suficiente, me vinguei. Mas, quem sabe? Se ele não me cuidar melhor, talvez eu repita a dose na próxima quinta feira”.

A partir desse momento Leon sentiu o sabor do triunfo. Aquela rodelinha girando de forma irritante, que indicava que o comando estava num processamento interminável, finalmente parou, e eis que, enfim, o Chrome assumiu completamente a tela. Acionado o Zoom, a seguir tudo aconteceu muito rápido, surgindo na tela do seu Computador as vozes e as telinhas com as imagens dos seus amigos e da professora, que logo saudaram a sua chegada.

Leon ficou tão feliz e aliviado ao ouvi-los e revê-los, que até se esqueceu das dificuldades por que passara. Mergulhou nos assuntos da aula e já nem pensava mais em trocar o seu querido companheiro e velho amigo Computador.

Querido companheiro e velho amigo...?

Provavelmente Leon voltaria a pensar nisso na quinta-feira da semana seguinte, por volta das quinze horas...

 


2 comentários:

  1. Muito bom. Leon e o computador conversando ? Fato verídico. Parabéns amigo.

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  2. Comentário de amigo, mesmo.
    Obrigado.

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