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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

PROVA DE FOGO - Hirtis Lazarin

Resultado de imagem para menino correndo com mochila nas costas

PROVA DE FOGO
Hirtis Lazarin

          Jaime estranhou a correspondência via  SEDEX   que acabava de pegar na  portaria do prédio onde morava.   Era pra ele.  Nome e endereço completos.    Sem remetente.

          Dona  Josefina nem deu importância   ao  embrulho.    Até  sugeriu ao filho que atirasse tudo no lixo.  " Propagandas enganosas chegam a toda hora.  É muito dinheiro jogado fora com papelada inútil."

          É que Dona Joaquina se esqueceu  de que seu filho além de inteligente era curiosíssimo.

          Depois do jantar,  Jaime  trancou-se  no  quarto.   Abriu  o  envelope e  encontrou um livro fininho, três folhas apenas, além da capa.   O papel,  de tão envelhecido, exigia manuseio delicado.   As  folhas   amarelecidas e silenciosas escondiam muitas digitais.

          O texto não era em Português.   Uma língua bem estranha.   Jaime não conhecia.   Palavras compridas com muitas consoantes e poucas vogais.  Não dava nem pra silabar.   Algumas  palavras  apareciam  grifadas em vermelho e os poucos números circulados em amarelo.      Chamou-lhe a atenção as palavras BRASIL e SÃO PAULO  escritas em  letras garrafais.

          Jaime não tinha pressa.   Tudo correria na maior tranquilidade.    Lançou no Google a palavra que vinha junto ao vocábulo  BRASIL.   Talvez fosse um substantivo. Poderia ter a primeira pista.

          Palmas pro Jaime!  Descobriu o idioma do texto.  Era o russo.

          O rapazinho vivia num mundo tão pequeno.   Pouquíssimas vezes saiu dali onde nasceu.   Não conhecia estrangeiros.   Apenas um casal de bolivianos que costurava numa oficina próxima ao prédio.   Conhecia o bê-á-bá do inglês que aprendia com Dona Rosália.

          Todas as noites na quietude da madrugada, Jaime embrenhava-se no computador buscando respostas.    Cada palavra bem encaixada  fazia com que o menino acreditasse que tinha nas mãos o mapa de um tesouro.

          O bom é que Jaime era paciencioso e nada o desanimava.    Nem mesmo quando o velho e ultrapassado computador teimava em não funcionar por dias seguidos.

          Os seus pensamentos vez ou outra confundiam-no.   "Seria um recado de atentado?"   Os noticiários sempre recheados de homens-bombas espalhados por toda parte.   "Será que me escolheram pra participar de atos terroristas, uma vez que participo de movimentos sociais contra o capitalismo injusto?

          Mas uma vozinha interior gritava mais alto: "Você é corajoso.  Não desista".

          Numa dessas noites sem dormir, involuntariamente,   um grito  reprimido escapou lá de suas entranhas.    Depois de juntar palavras traduzidas a outras deduzidas, Jaime conseguiu traduzir uma frase completa:   "O dinheiro está no cofre 126 - Banco do Brasil - centro de São Paulo.

          Meses e meses se passaram.  Perdeu-se a conta de quantos até que o rapaz conseguiu a tradução completa.    Ou ele e sua mãe teriam a vida que pediram a Deus ou... quem sabe nem mais estariam  aqui pra  contar  essa história.

          Era sexta-feira. Jaime não foi à escola.  Tomou o ônibus.    Desceu no centro da cidade.   Andou alguns quarteirões.   Parou em frente ao  banco do Brasil.

           Pálido...Tremendo...Pisou firme.  Entrou.  Jamais entrara num banco.

Tão grande, tanta gente trabalhando e tantos clientes.   Perguntou pelo gerente e o funcionário levou-o a uma sala separada.

           Seguindo as orientações, mostrou-lhe um cartão com as letras SHURV.

Em poucos minutos recebeu uma chave e dois seguranças armados  levam-no a uma sala a meia-luz no final de um corredor sem fim.   À sua frente estava o cofre 126.

            As mãos trêmulas não conseguem encaixar a chave.   Respira fundo...

Dá um tempo...Disfarça. Enxuga o rosto suado...Gira a chave e nada...   Gira pela segunda vez...Gira pela terceira vez  e  num  som enferrujado o   cofre abre-se.   Uma luz amarela ilumina o seu interior.

           Jaime estica o pescoço e paralisado fica.    Mãos ágeis enchem  a  mochila com notas de cem reais.  Fecha  o  cofre  e  a  mochila.  Sente por dentro um vulcão pronto pra entrar em erupção.  Sorri e agradece os seguranças.   Entrega a chave ao gerente que insiste em servir-lhe um café.  Ao primeiro gole, um acesso de tosse.  O café é cuspido pra camisa branco total do gerente.

          Sem olhar pra trás, deixa o prédio a passos  tão largos capazes de provocar inveja ao mais hábil avestruz.   Embrenha-se na multidão.    Alívio de missão cumprida.  Flutua entre balões coloridos que brotam do chão. e  pipocam em todas as direções.   Dona Josefina aparece vestida de branco  voando entre os balões.

          Jaime para no ponto de ônibus lotado.    Dois  homens  de  terno   e gravata aproximam-se dele, um de cada lado.   O da direita cochicha-lhe ao ouvido.   Não tem jeito.   Entrega-lhe a mochila.  O homem da esquerda entrega-lhe uma caixinha.   Despedem-se dando-lhe beijos nas  bochechas ardidas e vermelhas feito pimenta.   "Dê lembranças a Dona Josefina."

           Já dentro do ônibus, abre a caixinha,   encontra um DVD e um bilhete:   "Obrigado Jaime por nos ter prestado tamanho favor de um jeito tão perfeito.   Sabíamos que era inteligente, mas você foi além de nossas expectativas.   Assista ao DVD.   Ali  encontrará respostas  a  todas as interrogações que atormentarão você. Abraços.
        


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