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segunda-feira, 7 de março de 2016

Vivendo um Sonho - Rejane Martins




Vivendo um Sonho
Rejane Martins

Desde criança Jéssica sonhava ser protagonista de novela das oito na Rede Globo de televisão. Desejava contracenar com um galã tão bonito como Tiago Lacerda que nesse momento iniciava sua promissora carreira de ator.

Nesse mundo de devaneio todas as noites seu quarto se transformava em camarim principal com direito a nome da estrela na porta. Sempre que fitava o espelho da penteadeira emoldurado com pequenas lâmpadas acesas, vislumbrava o rosto desse que lhe escreve, com um sorriso de agradecimento sincero, relembrava de como eu explicara a importância de se escolher o nome artístico com treze letras, mais do que superstição esse cuidado assegurava pelo menos noventa por cento de chances de sucesso. Adotou o nome Marina Marques.

As roupas da mãe cedidas, sem a devida permissão, transfiguravam em criações exclusivas de Givenchi, Doce Gabana, ou outro aspirante a estilista que a usaria como escada para ter seu nome despontado no mundo das celebridades.

Sua pequena cama juvenil se enriquecia com um lindo dossel,  os lençóis de linho ou de seda, determinado no átimo, alvos e perfumados acolhiam a grande diva protegendo-a de terríveis pesadelos.

Nesse mundo de cores, luzes e reconhecimentos Marina Marques foi crescendo, e junto com ela seus sonhos e a certeza de que estava predestinada ao glamour.

A adolescência chegou, as preocupações intensificaram e a consumia diuturnamente. Vivia se questionando:

Como hidratar os cabelos para ficarem tão sedosos como o das modelos de propaganda de shampoo, sem dispensar pelo menos 12 horas por semana em um bom salão de beleza?

Como convencer meus pais sobre a injustiça que era obriga-la a cumprir os compromissos estudantis (escola, os cursos de inglês e piano)?

Como se tornar a primeira e única opção em qualquer papel, sem obedecer uma rotina espartana de exercícios de pelo menos 6 horas diárias em uma academia?

Quem cuidaria de sua dieta, afinal é imprescindível vender saúde para cumprir todos compromissos estabelecidos?
E o mais preocupante, quem financiaria tudo isso?

Seu pai um funcionário público da Prefeitura do Município de São Paulo, sua mãe uma competente e esforçada dona de casa, insistiam em querer atender os anseios dos três filhos.

Será que seus pais tão limitados não vislumbravam que somente ela, a primogênita, estava predestinada ao sucesso?

Sua irmã sonhava em ser dentista e seu irmão almejava fazer parte do Corpo de Bombeiros, pobres coitados.

Quem, em sã consciência, não classificaria esses como sonhos medíocres?

O tempo foi passando, as preocupações da grande Marina Marques agregadas às cobranças dos pais e amigos por uma definição na carreira que iria acompanha-la por toda a vida.

Ora bolas!! Como alguém ainda não sabia que o curso era Artes Cênicas?

Que tipo de alienação acometeu a todos, que ainda não avistavam a grande Marina Marques que habitava em suas entranhas?

Irritava-se em casa quando escutava:

Mas filha, olha pensa bem. A sua melhor amiga optou por Direito, porque almeja a promotoria pública.

̶  E o Renatinho, filho da comadre Joana, está estudando como um louco para ingressar no curso de medicina.

̶   Eles sim têm os pés no chão, enxergam longe, terão um futuro brilhante.

Na escola o discurso não era diferente:

̶  Já saiu o manual da Fuvest, você vai se inscrever para que curso?

̶  Artes Cênicas.

̶  O quê? Artes Cênicas?

̶   Para que? É só ficar sorrindo para as câmaras do Domingão do Faustão até que alguém a perceba e te convide para atuar em uma novela.

Tamanha insensibilidade não afetou somente a Jéssica (opa, Marina Marques), mas a mim também. Quanto desprezo pelo sonho de uma vida inteira. As pessoas não percebem que se retirarem isso, arrancam todo o sentido de vida dela.

Pouco a pouco, a depressão tomou conta de nossa heroína. Durante o ritual noturno que antecede o sono, ela era incapaz de acender a moldura de lâmpadas do espelho; os lençóis não mais a protegiam de sonos ruins, até sua textura agora era áspera. Também pudera foram comprados ha quinze dias na liquidação da Zêlo. A grande estrela e o seu nome em letras douradas que adornavam a porta, não tinham mais espaço, posto que ela agora ela divide o espaço com uma atriz coadjuvante, que lembrava em muito a sua irmã mais nova.

̶  O que fazer com todos os castelos construídos até então?

̶  Como voltar a ser acalentada toda noite, pelas fortes rotinas tão cuidadosamente criadas?

Uma noite, a demora da chegada do sono ajudou Marina Marques a decidir. Não cederei à pressão, e pensou em voz alta.

̶  Eu serei uma grande atriz, meu nome abrirá portas. E um dia alguém muito importante irá dizer ao mundo “The Oscar goes to Marina Marques”.

̶  Mostrarei ao mundo do que sou capaz.

Levantou-se, postou-se a frente do computador, e iniciou a preenchimento da ficha de inscrição do vestibular. Encarou como bom presságio o fato de escrever Marina Marques no campo nome do candidato. Corrigiu para o nome de registro, Jéssica Aparecida dos Santos.

Realizou as provas e aguardou ansiosamente o resultado. Evitava conversar com as pessoas sobre o assunto evitando ouvir recriminações quanto a sua escolha.

O grande dia chegou, ansiosa entrou no site da Fuvest, deu um F5 e digitou o nome Marina Marques para que o programa localizasse seu nome. Mais uma vez riu da situação. Corrigiu e, voilà! Seu nome apareceu no meio de tantos outros.

Passaram-se 4 anos e ela olhava a todos com nariz empinado e um sorriso de vitória nos lábios. E um dia, olhando despretensiosamente o quadro de anúncios da faculdade, leu: “Teste para atores – recrutamento do elenco da próxima novela das oito”. Pensou consigo, Marina Marques o seu grande dia chegou.

No dia marcado, lá foi ela toda confiante, foi uma das primeiras a chegar para o teste. Não estava  nem pouco nervosa, tudo aquilo era só pró-forma, esse momento estava destinado a ela. Fez o teste – recitou um trecho de Anna Karenina de Tolstói. Saiu do teste, planejando o uso da ponte aérea durante o período de gravação e quanto despenderia do valor do contrato para isso.

Contou para todos que ela chegara lá. Esfregava na cara de todos que ela sempre esteve certa, e que a recompensa pela sua coragem, chamada de teimosia por muitos, era de oferecer um destino grandioso.

Passou no teste e foi para o Rio de Janeiro iniciar as gravações. Todos aguardaram notícias de Jéssica ou Marina Marques, não sabiam mais como chama-la, queriam informações sobre seu personagem, quando apareceria na tela. Mas nada, Marina Marques não dava sinal de vida, ninguém conseguia achá-la, o celular estava sempre fora de área, o Facebook parou de ser atualizado. Marina Marques sumiu da face da terra.

Bem, o grande dia chegou. Estreia a novela e todos com os olhos grudados na televisão, leram ansiosamente o nome do elenco, mas não encontraram o nome dela.

Com certeza passou despercebido.

Assistiram ao primeiro capítulo e nada de Marina Marques.

̶ Ok. Amanhã assistiremos ao segundo capítulo e aí sim leremos o nome dela no letreiro e a veremos atuar.  
  
No dia seguinte a mesma decepção, onde estaria a grande Marina Marques?

Andavam todos ansiosos e muitíssimos preocupados com o “desaparecimento” de Jessica. Telefonemas para o Rio de Janeiro foram dados muitos, mas,  nenhuma notícia da jovem. Ainda assim a família acompanhava a tal novela na esperança de vê-la em alguma tomada.   

Até que um dia, em um escritório de diretoria todo envidraçado, tendo o Cristo Redentor como paisagem ao fundo, Marina Marques aparece atrás de uma mesa de reunião imensa contornada por confortáveis cadeiras pretas de couro.

Dirige-se até a cabeceira da mesa, posiciona-se ao lado do ator principal, que representa o presidente do conglomerado, e coloca um copo com água a sua frente. A sua imagem some da câmara.

Coitada da Jéssica.

Bem que nós avisamos. Imagine! Qual a probabilidade dela se tornar uma atriz de renome. A grande diva da televisão. Que ingênua.

E quanto a novela? Acompanharemos a estória? Parece boa?

Esse presidente parece uma boa pessoa, mas eu acho que ele é o vilão e vai destruir a vida daquela atriz argentina elegantíssima que contracena com ele.

Eu proponho que nos revezemos em acompanhar, e cada vez que houver uma cena com a Jéssica postamos no face. Até o final da novela contaremos quantas aparições nossa querida e grande diva aparecerá.

̶  Combinado!

̶  Combinado!

̶  Estou dentro!

̶  Certo!

̶  Gente, estava pensando aqui comigo. Acho que a Jéssica sumiu de vergonha.

E um coro uníssono, ecoou.

̶  Ahahahaha. É mesmo.

A novela surpreendentemente mostrou uma trama interessantíssima que prendeu a atenção de todos. Próximo ao fim, todos os amigos de Jéssica se reuniam e para assistir e acrescentar mais uma unidade na contagem no quadro de aparições de Marina Marques. Já foram contabilizadas 5 aparições, sem nenhuma fala, de no máximo, 2 segundos cada.

Enfim chegou o grande dia, será o que o ator principal se revelaria o vilão? A sua parceira iria ser prejudicada pelas maldades impostas a ela? E a Jéssica? Apareceria de novo?

A reunião foi no apartamento da promotora pública. Compraram pizza, o médico Renatinho trouxe vinho argentino com Destinação de Origem (afinal a ocasião pedia). Ninguém mais se lembrava de atualizar o quadro de aparições de Jéssica. Sentaram-se todos na sala, todos solidários à elegantíssima dama principal.

Iniciou o espetáculo, sim porque a essa altura dos acontecimentos essa novela já se tornara um espetáculo. Todos mudos, estáticos, respiração sôfrega. No desenrolar do capítulo mostrou o presidente do conglomerado como um homem íntegro, e a atriz principal, a verdadeira vilã, usurpou a empresa colocando-o para fora do prédio.
Foi chocante o final da trama, principalmente quando a atriz se despindo da peruca, da dentadura e outros apetrechos permitiu descortinar pouco a pouco um rosto muito conhecido de todos. Em total silêncio constataram que a contagem estava totalmente errônea, e que a amiga de escola cumprira sua promessa.


Aquele rosto emudeceu a pequena plateia, provocando a queda dos queixos simultaneamente. Inclusive o queixo desse narrador, que caiu ao constatar que Paula Martinez continha treze letras.

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