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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A Festa do povo - Suzana da Cunha Lima


A Festa do povo
Suzana da Cunha Lima

Quando meus filhos ainda eram meninos, lá pelos oito, dez anos, eu os levei a uma Festa patrocinada pelo Exército, no Ibirapuera. Estava cheio de gente e de atrações. E o que chamava mais atenção era a torre, muito alta, erguida para simulação de saltos de paraquedas.  Toda a meninada queria ir lá, então formou-se uma extensa fila, desde a manhã.  Mães e pais ali plantados,  esperando a sua vez e a garotada  correndo pelos brinquedos e a toda hora nos perguntando quando iriam subir no elevador para de lá se jogarem, presos a um paraquedas.

Eu mesma também estava curiosa para saber a sensação de se lançar no vácuo. Na hora do almoço,  os organizadores deram uma senha numerada a todos  que estavam na fila, para que retornassem, depois, exatamente no lugar que estavam ocupando.

No retorno,  todos observaram certinho seu número  e não houve problema algum.  Já tínhamos nos  enturmado e, embora cansados e suados daquela longa espera, como qualquer pai e mãe, queríamos proporcionar aos nossos filhos aquela oportunidade única.

Quanto mais perto da porta do elevador que subia para a torre, mais excitadas as crianças ficavam. Foi quando um senhor colocou uma menina de uns sete anos à nossa frente, avisando ao militar que guardava a entrada,   que ela iria subir na torre.

Eu pensei que ele não havia reparado que o fim da fila estava lá atrás.

Ele não me prestou a atenção e simplesmente mostrou sua carteira ao militar.
Aí  o sangue me subiu à cabeça e lhe falei, já com voz alterada:

- Se o senhor tem uma carteira, eu também tenho e todos aqui também. É minha identificação como cidadã brasileira, que, como o senhor deve saber, diz que todos somos iguais perante a lei. Se o senhor é militar, não sabemos, porque está à paisana. Se estivesse a serviço, estaria uniformizado, sem nenhuma criança junto. Então, como vem chegando aqui, querendo furar a fila?

Peguei a mão da criança, levando-a  para o pai, dizendo:

— Aqui tem fila, viu? E seu lugar é lá atrás -  Tanto o pai quanto o militar ficaram sem ação.

Mas, não contente, a indignação subindo na cabeça,  ainda falei em voz bem alta, como se estivesse fazendo um comício:

- Que péssimo exemplo está dando à sua filha, como se esta  carteirinha tivesse mais valor do que as nossas? Não tem não. Isto é uma Festa do Povo e todos nós ficamos horas debaixo do sol para podermos subir à torre. O senhor devia ter feito o mesmo para sua filha. E vou logo dizendo que na minha frente ninguém vai passar. E virei-me falando bem alto, para o pessoal de trás: - E vocês não sejam bobos não. Eles são pagos com o dinheiro de nossos impostos. Todos ficamos na fila, por que ele não?

E peguei meus filhos passando bem na frente dele e do militar, para entrar no elevador.  Ainda olhei com o rabo do olho, depois que me despenquei lá de cima e vi que os bobalhões tinham cedido lugar para a menininha.

É por esta e outras que este país não vai para  frente, pensei. Todo mundo tem medo de carteirada e não conhece seus direitos. E os próprios pais não sabem educar seus filhos dentro da lei e da ordem.


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