Impotência
Adelaide
Dittmers
O
automóvel preto entrou em uma curva em alta velocidade. O veículo derrapou no asfalto molhado, o que
o desestabilizou e acelerado ziguezagueou até bater no muro de arrimo.
Mirtis
voltou a si atordoada. Estava presa nas
ferragens e desnorteada olhou para o marido atrás do airbag. Não havia a menor
chance de sair dali sem ajuda. Suas
forças esvaiam muito depressa. Examinando o celular sem bateria atinou a
vaguidão da rodovia. Ninguém sentiria falta deles...
A
memória foi voltando devagar. Pareciam
lampejos, que escapavam de sua cabeça. A discussão acirrada com o marido. O
intempestivo modo de ele responder a
ela.
Por
que mesmo brigaram? Perguntou-se e com
muito esforço lembrou-se de que fora por algo que a estava irritando. Ela quis sair mais cedo de uma festa na casa
de amigos, que moravam em uma pequena cidade do interior e ele insistiu em
ficar mais tempo, esvaziando um copo de cerveja atrás do outro. Nos últimos tempos estava bebendo muito, mas
sempre que lhe perguntava o motivo, recebia respostas evasivas. Além disso,
trovões e raios ao longe anunciavam a chegada de um temporal.
Quando
por fim saíram e entraram na estrada, pingos grossos arrastados por um forte
vento começaram a cair de um céu escuro.
A chuva foi aumentando em intensidade e a visibilidade ficou quase nula.
O
medo e a raiva acenderam nela uma revolta incontida, que a fez recriminar
João. Ele, tomado pela bebida, respondia
de maneira violenta, e irado, acelerou o carro. A curva fechada apareceu diante
deles e tudo aconteceu em um segundo.
Agora
iam morrer ali. Tentou se mexer. A dor em todo o corpo era insuportável. Sentiu que ira apagar outra vez, quando ouviu
que tentavam abria a porta. O vidro da
janela foi quebrado e a chuva molhou-lhe o rosto. Diante de si, um homem pedia para terem
calma. Por um celular, pediu socorro.
Olhou
para o lado, o marido estava inerte e ela desfaleceu novamente.
Quando
acordou, estava em uma cama. Atordoada,
tentava focar as pessoas e o lugar a sua volta.
Aos poucos as imagens distorcidas foram ficando mais nítidas. Olhos atentos fixavam-se nela.
—
Ela está voltando. Disse um homem de
azul.
—
Onde estou? Perguntou com um fio de voz.
— Em
uma UTI. Você apagou por sete dias, mas
está se recuperando. Respondeu o homem
de azul.
— O
que aconteceu? Não me lembro de nada! Perguntou assustada.
O
médico colocou a mão sobre a dela e disse:
—
Aos poucos, sua memória vai voltar. Você
e seu marido sofreram um acidente.
— E
onde ele está? Disse com uma voz quase inaudível.
—
Depois falamos sobre ele. Agora
descanse.
Ela
fechou os olhos, exausta.
Dias
se seguiram e ela foi se recuperando lentamente. Sofreu várias fraturas e foi avisada de que
teria de usar uma cadeira de rodas por uns tempos. A memória foi voltando e uma
manhã ela tornou a perguntar do marido.
Soube então que não tinha resistido aos ferimentos e morrera.
Mirtis
ficou sem reação ao ouvir a notícia pela irmã que a acompanhava. Era como se o trauma
e as dores por que estava passando, tivessem sugado quaisquer emoções de sua
alma.
Fechou
os olhos como se quisesse fugir da realidade que a rodeava.
Semanas
depois, foi para a casa da irmã, que iria cuidar dela. Certa tarde soube que João estava enfrentando
uma grave crise financeira, quando se deu o acidente e ela compreendeu o motivo
do seu abusivo uso do álcool.
Agora
dependia dos outros tanto física como financeiramente e sentindo-se impotente
diante dessa situação, desejou ter morrido naquela fatídica curva da estrada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
DEIXE AQUI UMA MENSAGEM PARA O AUTOR DESTE TEXTO - NÃO ESQUEÇA DE ASSINAR SEU COMENTÁRIO. O AUTOR AGRADECE.