O
Zorro de Itaoca
Suzana da Cunha Lima
João Teodoro era seu nome.
Pacato, leal, modesto. Não se dava valor nenhum nem sequer cogitava que um dia
poderia ser alguém importante ou necessário em sua cidade. Cidade muito
pequena, aliás, um lugarejo que conhecera dias melhores. Estava arruinada por
dois motivos principais; Resultado do êxodo dos jovens para cidades maiores em busca de melhores oportunidades, e a ausência
de oferta de serviços públicos essenciais: até para casar e enterrar tinham que
ir à cidade próxima. Faltava hospital, ambulância, escola e transporte público
confiável. Os impostos iam todos para os bolsos do prefeito e sua quadrilha de
vereadores vendidos. Doía-lhe o coração
ver o progressivo declínio de sua amada Itaoca. E agora, até o delegado
resolvera ir embora!!!
Em pouco tempo a bandidagem começou
a agir. Povoada por muito idoso e gente pobre, o dinheiro que circulava por ali
era do Bolsa-família, pouco, mas certo. E só havia um caixa eletrônico para
atender este pessoal. Sem gastar um
tiro, os marginais roubavam este suado dinheirinho. É como tirar doce de criança – gabavam-se.
João parecia pobre, mas na
verdade era até rico. Ninguém sabia que tinha muito gado nas fazendas vizinhas
e uma boa participação em postos de combustíveis. Ficara em Itaoca aquele tempo
todo porque gostava da solidão e da vida simples.
Mas agora a situação estava
insustentável e ele chegara ao seu limite.
Não quis tomar o lugar do delegado, porque sabia que era um posto de
fachada, sob as ordens dos chefões políticos.
Então deu asas à imaginação
e resolveu ser o Zorro do local. Lutar contra o mal e devolver à Itaoca a
dignidade perdida. Com seu dinheiro, arrumou rotas de fuga, esconderijo seguro
e um ajudante de confiança. Como tinha servido no Exercito quando moço, sabia manejar
armas e tinha noções de estratégias. Começou a caçar bandidos, tanto os de
colarinho branco quanto os de pés descalços. Usava disfarce também, às vezes
uma meia enfiada na cabeça, outras vezes máscara ou capuz. Não queria ser reconhecido.
Um sobrinho distante veio
para ser seu ajudante, adorando aquela aventura que durou uns três anos. E não
é que ele resolveu mesmo a situação? Pôs para correr os corruptos e as gangues
locais, todas compostas de meliantes analfabetos, sem a menor noção de um plano
militar. Teve que matar alguns e dar uns
sustos pesados em outros para adquirir respeito. Quanto aos políticos, dava uma
prensa e ameaçava denunciar à Lava-Jato.
-Tem gente que só entende violência,
dizia para o sobrinho.
Mas sabia que sem educação,
o povo ia cair nas mesmas armadilhas, acreditando em tudo quanto era promessa.
- Vamos construir boas
escolas e remunerar direito nossos professores, porque a ignorância é a mãe de
todos os males.
E a lenda do Justiceiro cresceu e teve o maior
apoio da população. Muitos retornaram e juntos conseguiram colocar Itaoca,
outra vez, na rota do progresso e desenvolvimento. Aí João voltou para seu
anonimato, atento, no entanto, à qualquer recaída. O segredo do progresso em
Itaoca é a eterna vigilância, pontificava ele, replicando um famoso estadista.
(O
segredo da liberdade é a eterna vigilância - Thomas Jefferson)