O
dejejum
Ana Catarina Sant’Anna Maués
O dia despertava em mim
o viço da juventude, apesar de meu bico e garras já tão desgastadas. Sobrevoava
uma trilha estreita com vários ruídos de animais, alguns me assombravam, e outros despertavam
meu apetite, pois procurava meu dejejum. Por um momento pensei estar só, sem o
bicho homem por perto, mas avistei um minúsculo casebre sinalizando tê-lo por
ali.
Interrompendo meus
pensamentos apareceu lá embaixo, um coelho assustado que corria devido um som,
que de onde eu estava parecia um rosnado ofegante e por certo o perseguia,
então vi surgir um animal bem maior, um lobo. Um apito ecoou por entre as
árvores frondosas, tratava-se do guarda florestal afugentando a fera que havia invadido
a reserva. Pousei no telhado do casebre para apreciar o desfecho, quem sabe a
sorte me favorecesse e eu, ao invés do lobo, capturasse a lebre. Sem ser
convidada a chuva apareceu umedecendo minhas penas, deixando-as pesadas,
um obstáculo a mais a ser vencido, pois isso dificultaria o voo rasante
que pretendia dar.
Com visão
privilegiada, pude conferir que o coelho conseguiu escapar do ataque com ajuda
do guarda, que vitorioso expulsou o lobo dali.
Mais alguns instantes me
separavam de saciar minha fome, um desavisado esquilo arriscou-se na trilha e
eu não o poupei. Tinha pele macia, daí minhas unhas penetraram a carne
facilmente e pude saboreá-lo, me lambuzando de prazer.