A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023
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quarta-feira, 27 de abril de 2022
IMPOTÊNCIA - Henrique Schnaider
IMPOTÊNCIA
Henrique Schnaider
O automóvel zuniu no asfalto molhado, a alta
velocidade desestabilizou o veículo que derrapou na curva, e acelerado
ziguezagueou até bater no muro de arrimo.
Alceu era um rico empresário do ramo de autopeças e
muito guerreiro. Começou do nada. Teve uma infância pobre. Era filho único e
tanto ele como seus pais, batalharam para ter um mísero prato de arroz e feijão
na mesa. Carne ou frango eram raridades.
Na juventude Alceu começou a trabalhar como
empilhador de autopeças numa grande Empresa do ramo.
Tinha um sonho. Abrir uma lojinha de autopeças,
pois entendia tudo do negócio.
Juntou com muito sacrifício, todo salário que
ganhava e depois de cinco anos na batalha, finalmente conseguiu abrir na
periferia, uma lojinha de autopeças.
O começo foi difícil, mas Alceu era inteligente e
corajoso. Entrou de cabeça numa luta sem tréguas. Cresceu no ramo que gostava e
daí subiu a montanha rapidamente. Abriu outra nova loja e desta vez, maior e
num ponto bem melhor.
Foi de vento em popa e logo já possuía cinco lojas
do ramo. Começou a alimentar o sonho maior que era comprar a grande loja onde
começou a vida profissional.
O sonho não demorou muito para se tornar realidade
e o menino humilde, se tornou o rei do mercado de autopeças.
Conheceu Mirtes, namoraram e logo se casaram com
direito a festa de arromba.
A vida mudou para Alceu, pois na medida em que
cresceu financeiramente, os problemas cresceram na mesma proporção. Começou a
ser visado por uma quadrilha especializada em sequestrar e extorquir enormes
quantias para poupar a vida de seus sequestrados.
Alceu passou a andar de carro blindado. Naquele dia
saiu para viajar com Mirtes para o interior do Estado. Alceu cometeu uma falha
imperdoável, dispensou os seguranças que sempre o acompanhavam.
No começo da viagem tudo seguia normalmente. Porém
Alceu notou que estava sendo perseguido por um carro preto. Como o carro de
Alceu era potente, ele começou a aumentar cada vez mais a velocidade para poder
escapar dos seus perseguidores.
E de fato o carro dos bandidos acabou sumindo do
retrovisor, que por precaução continuou em alta velocidade por um bom tempo. De
repente Alceu deu de cara com uma curva muito fechada. O tempo não ajudava pois
caia uma garoa fina, suficiente para deixar o asfalto escorregadio.
Alceu tentou frear, mas o carro derrapou deslizando
sem controle e bateu violentamente em um muro de arrimo, destruindo a frente e
prensando o casal dentro do carro.
Mirtes estava presa nas ferragens, gemendo de dor e
permanecendo por um tempo desnorteada. Finalmente voltando a si, olhou para o
marido ao lado, muito machucado. O sangue escorria da boca e da cabeça.
Alceu mal se mexia gemendo baixinho. Mirtes se
sentia impotente pois presa nas ferragens, não conseguia nem cuidar dela mesma.
As forças se esvaiam lentamente, e o casal ali preso parecia condenado a uma
morte lenta e dolorosa.
A noite caiu, o frio chegou e durante a madrugada
Mirtes ouviu os últimos suspiros de Alceu, que pelo menos parou de sofrer. O
dia clareou e os primeiros raios de sol surgiram.
Mirtes estava muito mal com dores no corpo todo.
Mas, às vezes, a sorte sorri para as pessoas no momento certo. A cachorrinha
Laika que estava passeando com o dono do Sítio situado do outro do muro de
arrimo, começou a latir e se aproximar do carro acidentado, fazendo com que o
senhor Antenor viesse atrás dela para ver o que chamava a atenção da Laika.
Antenor chegou e viu aquele quadro triste do carro
destruído e dentro Alceu morto e Mirtes muito ferida. Imediatamente chamou por
ajuda lá do sítio. Retiraram com todo cuidado Mirtes das ferragens, levando-a
para o hospital mais próximo e também o corpo morto de Alceu.
Mirtes sobreviveu, mas nunca mais foi a mesma
depois da perda de Alceu.
INVESTIGAÇÃO CONCLUÍDA - Hirtis Lazarin
INVESTIGAÇÃO CONCLUÍDA
Hirtis
Lazarin
O
casamento deles entrou em crise. Por mais que Luíza procurasse, não encontrava
motivos para o que estava acontecendo.
Beto
estava irreconhecível. O homem gentil e bem-humorado sumiu. Andava pela casa,
de um lado pro outro, sempre resmungando: era a conta de luz muito alta, a
comida salgada; ora era a música irritante, ora era a televisão que não podia
ser ligada.
Ficava
até de madrugada no computador e não admitia que a esposa se aproximasse. As
perguntas ficavam soltas no ar sem resposta. Começou a sair mais cedo para o
trabalho e ela falava sozinha à mesa do café.
Luíza
e Beto não formavam um casal perfeito. Brigavam, discutiam quando as opiniões
eram muito diferentes, ficavam até um tempinho sem falar, cada um querendo ser
o dono da verdade. Mas tudo não passava de um joguinho bobo e, por trás da cara
fechada e bicos, não se aguentavam de saudade.
Até
então, caminhavam juntos, partilhando os mesmos ideais. Beto era advogado numa
empresa conceituada e Luíza se especializava em “designer” de interiores. A
casa nova e financiada cabia perfeitamente dentro do orçamento e ainda podiam
se dar ao luxo de uma viagem internacional no período de férias. Problema financeiro não existia.
Luíza
precisava descobrir o que estava acontecendo.
Um casamento não se joga assim pela janela. O mais cruel é suportar a primeira ideia que
vem à cabeça de toda mulher: TRAIÇÃO.
Teve
muita paciência até descobrir a senha do celular do marido. O mais dolorido foi acessar as redes sociais;
a coragem demorou uma semana pra chegar. Mexeu e remexeu o quanto pode e não
encontrou nenhuma pista. Teria ele outro
celular?
Foi
no sábado quando voltavam do supermercado que a paciência de Luíza se esgotou e
a briga ultrapassou os limites do civilizado. Tudo começou com o gasto nas
compras. Ela já tinha reduzido todas as despesas e não tinha mais como cortar.
Já à
porta de casa, antes do carro entrar na garagem, Luíza soltou o cinto de
segurança; queria fugir pra que o pior não acontecesse. Os braços compridos e
fortes de Beto impediram-na de qualquer reação.
Ele
pisou forte no acelerador e o carro preto zuniu no asfalto molhado. Arrastou
cavaletes de uma construção, ultrapassou farol vermelho, entrou na contramão e
quase atropelou pessoas que passavam na faixa de segurança.
Alcançou
a rodovia feito um desvairado, ziguezagueando na pista em velocidades que iam
de cem a cento e oitenta quilômetros por hora.
Ouvia-se um “buzinaço” dos outros veículos que cruzavam a pista, em
alerta aos motoristas.
Luíza
sentia o pavor da morte. Os gritos não
tinham mais força; foram reduzidos a grunhidos de desespero.
E,
numa curva fechada, Beto perdeu o controle. O carro se desestabilizou, bateu na
mureta de arrimo e girou sobre si mesmo em trezentos e sessenta graus. Capotou
várias vezes e despencou morro abaixo.
Tudo
virou um emaranhado de lata contorcida e dois corpos. Ele morreu no local e a
esposa só voltou pra casa após dois meses de internação.
Ainda
em recuperação e fazendo fisioterapia, Luíza esperava o momento pra começar uma
investigação. Nada fazia sentido. Nada justificava aquele revés na vida...
E,
numa tardinha bem fria de inverno, a campainha toca. Era um oficial de justiça
e uma intimação judicial de despejo por falta de pagamento das prestações da
casa financiada.
Luíza
não precisava investigar mais nada.
ACIDENTE DO DESTINO - Hélio Fernando Salema
ACIDENTE
DO DESTINO
Hélio Fernando Salema
Antônio Carlos liga para sua esposa Mirtes e avisa que
recebeu um convite para uma reunião numa chácara no interior. São colegas que
irão se reunir com as famílias.
Pede para ela arrumar as malas, pois partirão hoje à
noite e só voltarão no domingo no fim do dia. Passa informações sobre o lugar
em que ficarão hospedados temperatura, programação etc.
Na realidade ele lembrou que no sábado fará vinte anos que eles se conheceram numa festa numa pequena cidade. Conseguiu reservar hotel e pretendia fazer-lhe uma surpresa.
Quando chegou à casa Mirtes já estava pronta. Tomou banho e se arrumou. Colocou as malas no carro e saíram, pois, ele sabia que a estrada era perigosa, principalmente à noite. Só não imaginava que pegaria chuva forte.
A empolgação de Antônio Carlos era semelhante à daquele dia em que ele e mais três amigos foram a uma festa de São João numa pequena cidade. Todos foram entusiasmados pela perspectiva de conhecerem belas moças que diziam haver naquela festa tradicional.
Quando chegaram, a alegria dos quatros jovens era a de crianças ganhando doces de Cosme e Damião. Uma festa típica com barracas enfeitadas, fogueira, dança de quadrilhas, pau de sebo, pessoas vestidas à caráter e muita alegria.
Poucos minutos depois Antônio Carlos viu uma linda jovem
acompanhada de outras duas que se dirigiam a uma certa barraca de doces, cujo
nome era muito sugestivo “BARRACA DO AMOR”. Aquela que lhe chamou a atenção
também lhe dirigiu um olhar significativo. Experiente que era em conquistas,
logo se dirigiu àquela barraca.
Ao se aproximar viu que a sua jovem predileta se deliciava com uma cocada. Ele olhando os demais doces percebeu um dos seus favoritos, doce de leite com chocolate. Solicitou um à vendedora e foi prontamente atendido.
Ao ver que as outras moças se afastaram, aproximou-se e puxou
conversa:
— É o seu doce preferido?
Ela olhou nos olhos dele e disse, sorrindo:
— Sim.
Com este SIM iniciava uma relação que no dia seguinte completaria vinte anos. Antônio Carlos e Florinda continuaram conversando ali perto da barraca por muitos minutos. Até que foi anunciado que iria começar a apresentação da Quadrilha. Ela se entusiasmou e perguntou se não iria ver. Ele concordou, logicamente, e olhando para o balcão da barraca viu algo, pegou e entregou a Florinda:
— Dizem que é a MAÇÃ DO AMOR.
Ela sorrindo aceitou e foram para o local da quadrilha.
Ela depois de saborear alguns pedaços ofereceu a ele. Assim ambos apreciaram o
fruto.
Ficaram admirando a dança até que o locutor informou que
naquele momento iniciaria uma quadrilha para todos. Muitas pessoas correram
para dentro da quadra posicionando-se. Florinda pegou a mão de Antônio Carlos e
o puxou até junto aos demais. Dançaram e se divertiram como nunca.
Saíram da quadra caminhando alegremente, quando ele viu
uma pequena praça com um banco vazio, os demais ocupados por casais. Não teve
duvidas, foram rapidamente sentar e descansar.
Assim que readquiriram as forças, ele a abraçou e se
inclinou para beijá-la. Sutilmente desviou a boca, de modo que os lábios dele
tocaram só no rosto dela. Sem se dar por vencido manteve a posição e sussurrou:
— Gostaria de sentir o sabor da cocada.
No fundo do poço dos sentimentos mais profundos da atração
natural, ela sentiu florir a força sublime dos desejos. E só no pensamento: “também
gostaria de sentir o sabor do doce de leite”. Em seguida os lábios tornaram-se frutos
dos sabores e desejos.
Esse beijo foi lembrado e replicado inúmeras vezes com
outros sabores, mas com a mesma intensidade.
Assim, pela primeira vez, o casal usava o carro novo na
estrada. Aquele que Antônio Carlos vinha há muito tempo admirando. Que na
semana anterior, ao passar por uma concessionária viu chegando, e era
justamente da sua cor preferida, preto.
Logo no inicio da viagem, Antônio Carlos teve algumas
dificuldades com tudo de moderno que havia. As vezes se embaraçava com tantos
botões e informações apresentadas no painel.
Mirtes perguntou pelas outras famílias. Ele respondeu que
já estavam na estrada, saíram mais cedo.
No inicio da viagem tudo transcorria muito bem, como o “sonho”
de Antônio Carlos havia sido imaginado.
Repentinamente começou a chover. Cada minuto que passava
ficava ainda mais forte. Por estarem num carro novo e moderno, nada parecia preocupá-los,
tanto é que não perceberam a alteração da chuva, tornando-se um terrível
temporal.
Quando Mirtes avistou uma placa que indicava a próxima
cidade, lembrou a festa em eles se conheceram. Com um raio de luz lhe veio à
memória a data, justamente a do dia seguinte.
Comentou com o marido. Este apenas deu um sorriu
malicioso. Mas foi o suficiente para que ela percebesse a intenção dele.
Invadida por tanta emoção que não lhe cabia, e a medida
que olhava para ele, aumentava sua vontade de correr, pular, gritar e saudar a ocasião.
Sem pensar e nem imaginar o que estava fazendo, soltou-se
do cinto de segurança, atirou-se sobre ele e deferiu-lhe um forte abraço e
muitos beijos.
O carro que estava em alta velocidade não conseguiu fazer
a curva, desgovernou-se e bateu fortemente.
Mirtes foi atirada contra o vidro, sentiu a cabeça doer,
depois as pernas, e em seguida sentiu que ficaram presas. Olhou para o lado e
viu o marido preso no cinto de segurança, porém inerte.
O estrondo da batida dissipou-se. Sentiu um silêncio que
veio lentamente penetrando no seu corpo, tomando-o para si. Percebeu que seu
corpo assim ficava mais leve à medida que o silêncio ia aumentando até
tornar-se um SILÊNCIO ETERNO.
Somos todos iguais - Alberto Landi
Somos todos iguais
Alberto
Landi
Todo
ano, no dia 2 de novembro tenho o costume de visitar meus parentes que não
estão mais nessa vida e levo flores ao túmulo gelado de mármore de meus avós.
Penso
que cada um deve fazer a sua homenagem como pode.
Este
ano aconteceu comigo uma coisa muito estranha depois de ter cumprido essa
triste missão.
Veja
o que aconteceu!
Aproximava-se
o horário de fechamento do cemitério, eu vagarosamente estava para sair e me
distrai, admirando algumas sepulturas que mais pareciam obras de arte. Mas uma
delas me chamou atenção que tinha os seguintes dizeres:
Aqui
dorme em paz um nobre industrial, proprietário de vários imóveis, falecido em
31 de dezembro.
Ali
havia brasão e coroa, uma cruz feita de lâmpadas, vários buquês de rosas com
uma lista de luto, velas e castiçais.
Bem
ao lado deste ilustre morador, havia outro pequeno tumulo, abandonado, sem
nenhuma flor, somente uma pequena cruz. E sobre a cruz lia-se apenas: gari Domenico Pazzi.
Olhando
o túmulo, dava pena, nem sequer havia uma lamparina.
Esta
é a vida, pensei! Este pobre homem não esperava ser um mendigo no outro mundo.
Enquanto
refletia sobre isso, já era noite e o cemitério foi fechado.
Fiquei
trancado como se fosse um prisioneiro, com muito medo na frente das velas.
De repente,
o que vejo de longe? Duas sombras se
aproximando de mim
Estranho!
Estou acordado, durmo ou é fantasia?
Era
o industrial, com charuto, chapéu e, sobretudo, o outro atrás dele com uma
ferramenta com uma vassoura na mão, era o gari.
Eles
estão mortos e aqui presentes?
Quando
estavam bem próximos, o industrial parou de repente, se volta lentamente... Calmo
, diz a Domenico:
—
Meu jovenzinho! Eu gostaria de saber de você, seu bastardo, com que ousadia e
como você se atreve, ser enterrado, ao meu lado, eu que venho de uma família
nobre. Cheguei há pouco de uma viagem à Terra Santa, contemplei os mares
intermináveis do deserto, as curvas e arabescos das mesquitas e o chamado à
prece dos fieis sarracenos, experimentei as especiarias aromáticas, as cores vívidas,
o gosto apimentado da comida, e o brilho do sol lindo, ao se por sobre
Jerusalém, e agora infelizmente estou aqui. E você?
— Sou
apenas um gari, uma das profissões mais nobres.
— Linhagem
é linhagem, tem que ser respeitada, mas você perdeu o senso e a medida, seu
corpo foi enterrado no lixo.
— Não
posso suportar a sua proximidade fedorenta, é necessário que você procure uma
vala e que seja distante!
— Mas
senhor empresário, não é culpa minha eu não fiz nada de errado, minha família
me deixou aqui, o que fazer se eu já estava morto? Se estivesse vivo seria
diferente, levariam em uma caixa os ossos e iria para outra vala.
— E
o que você está esperando? Que minha raiva atinja você? Se eu não fosse um nobre,
já teria dado lugar à violência. Essa conversa está me chateando, se perco a
paciência, esqueço que estou morto e queimado.
— Mas
quem você pensa que é um deus? Responde o gari.
— Quero que você entenda que aqui dentro somos
todos iguais. Você está morto e eu também.
— Porco
imundo, como você se atreve, a se comparar comigo? Sou ilustre e de fazer
inveja a muitos príncipes reais.
— Você
é fantasioso diz o gari. Um rei, um magistrado, um grande homem ao passar por
este portão, já perdeu tudo, a vida e o nome também, você não se deu conta
ainda?
— Portanto
me escute, não se faça de orgulhoso, suporta-me vizinho. Essas diferenças são
feitas apenas pelos vivos. Pertencemos a outro mundo!
Estamos
no mesmo nível a sete palmos!
Festa de Iemanjá - Do Carmo
Festa
de Iemanjá
Do Carmo
É incrível
como nossa mente é um universo inesgotável de lembranças adormecidas, que a um
fato informal e inesperado desperta, trazendo recordações guardadas há anos.
Foi o que aconteceu comigo ontem, quando lendo um relato de recordações de um
amigo, levou-me ao distante e colorido tempo, de minha adorável adolescência.
Era uma doce e mística tarde de fevereiro, precisamente dia dois, que passeamos pelas areias mágicas da Praia Grande, que na época chamava-se Oceânica Amábile, em homenagem à esposa do proprietário da maior parte desse litoral, fomos surpreendidos, meus pais e minha irmã, com uma festiva comemoração à rainha do mar, Iemanjá, celebrada no Candomblé – religião ativa na Bahia.
A título de informação há duas músicas do inigualável Dorival Caymmi, dois de fevereiro e Rainha do mar.
Lembro, e sinto ao recordar a mesma emoção que senti com a religiosidade do povo. O carinho que demonstravam com as oferendas dos doces e flores, o cuidado com os barquinhos levando os bilhetes com os pedidos de graças, com amor e muito respeito demonstravam fé. Todos esses rituais, estendiam-se ao vestuário dos participantes, que aos raios do sol, brilhavam numa brancura engomada.
O espaço era cercado com flores e atabaques, formando uma praça onde tocavam músicas místicas, as quais a assembleia acompanhava cantando no centro da praça, tendo no centro uma bonita imagem de Iemanjá, enfeitada com flores, formando colar, pulseira e coroa.
Os
participantes dançavam ao som dos atabaques, cantavam hino de louvor à sua
deusa, era um lindo espetáculo no centro da pracinha.
Hoje, mesmo
depois de muitos anos, ainda sinto o perfume do incenso queimando, soltando uma
leve e delicada fumaça que envolvia o ambiente. Tudo muito esotérico, sensível,
tive a mesma sensação que me tocou fortemente tempos passados.
Ah! Encontrei a letra das músicas que citei, do imortal Dorival Caymmi, homenageando a bela Iemanjá:
Dois de Fevereiro Dia dois de fevereiro |
Rainha do Mar Minha sereia é rainha
do mar |
Impotência - Adelaide Dittmers
Impotência
Adelaide
Dittmers
O
automóvel preto entrou em uma curva em alta velocidade. O veículo derrapou no asfalto molhado, o que
o desestabilizou e acelerado ziguezagueou até bater no muro de arrimo.
Mirtis
voltou a si atordoada. Estava presa nas
ferragens e desnorteada olhou para o marido atrás do airbag. Não havia a menor
chance de sair dali sem ajuda. Suas
forças esvaiam muito depressa. Examinando o celular sem bateria atinou a
vaguidão da rodovia. Ninguém sentiria falta deles...
A
memória foi voltando devagar. Pareciam
lampejos, que escapavam de sua cabeça. A discussão acirrada com o marido. O
intempestivo modo de ele responder a
ela.
Por
que mesmo brigaram? Perguntou-se e com
muito esforço lembrou-se de que fora por algo que a estava irritando. Ela quis sair mais cedo de uma festa na casa
de amigos, que moravam em uma pequena cidade do interior e ele insistiu em
ficar mais tempo, esvaziando um copo de cerveja atrás do outro. Nos últimos tempos estava bebendo muito, mas
sempre que lhe perguntava o motivo, recebia respostas evasivas. Além disso,
trovões e raios ao longe anunciavam a chegada de um temporal.
Quando
por fim saíram e entraram na estrada, pingos grossos arrastados por um forte
vento começaram a cair de um céu escuro.
A chuva foi aumentando em intensidade e a visibilidade ficou quase nula.
O
medo e a raiva acenderam nela uma revolta incontida, que a fez recriminar
João. Ele, tomado pela bebida, respondia
de maneira violenta, e irado, acelerou o carro. A curva fechada apareceu diante
deles e tudo aconteceu em um segundo.
Agora
iam morrer ali. Tentou se mexer. A dor em todo o corpo era insuportável. Sentiu que ira apagar outra vez, quando ouviu
que tentavam abria a porta. O vidro da
janela foi quebrado e a chuva molhou-lhe o rosto. Diante de si, um homem pedia para terem
calma. Por um celular, pediu socorro.
Olhou
para o lado, o marido estava inerte e ela desfaleceu novamente.
Quando
acordou, estava em uma cama. Atordoada,
tentava focar as pessoas e o lugar a sua volta.
Aos poucos as imagens distorcidas foram ficando mais nítidas. Olhos atentos fixavam-se nela.
—
Ela está voltando. Disse um homem de
azul.
—
Onde estou? Perguntou com um fio de voz.
— Em
uma UTI. Você apagou por sete dias, mas
está se recuperando. Respondeu o homem
de azul.
— O
que aconteceu? Não me lembro de nada! Perguntou assustada.
O
médico colocou a mão sobre a dela e disse:
—
Aos poucos, sua memória vai voltar. Você
e seu marido sofreram um acidente.
— E
onde ele está? Disse com uma voz quase inaudível.
—
Depois falamos sobre ele. Agora
descanse.
Ela
fechou os olhos, exausta.
Dias
se seguiram e ela foi se recuperando lentamente. Sofreu várias fraturas e foi avisada de que
teria de usar uma cadeira de rodas por uns tempos. A memória foi voltando e uma
manhã ela tornou a perguntar do marido.
Soube então que não tinha resistido aos ferimentos e morrera.
Mirtis
ficou sem reação ao ouvir a notícia pela irmã que a acompanhava. Era como se o trauma
e as dores por que estava passando, tivessem sugado quaisquer emoções de sua
alma.
Fechou
os olhos como se quisesse fugir da realidade que a rodeava.
Semanas
depois, foi para a casa da irmã, que iria cuidar dela. Certa tarde soube que João estava enfrentando
uma grave crise financeira, quando se deu o acidente e ela compreendeu o motivo
do seu abusivo uso do álcool.
Agora
dependia dos outros tanto física como financeiramente e sentindo-se impotente
diante dessa situação, desejou ter morrido naquela fatídica curva da estrada.
IMPOTÊNCIA - Leon Vagliengo
IMPOTÊNCIA
Leon Vagliengo
Ou, como
pequenas ofensas podem provocar uma grande tragédia.
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Casado com Mirtes
havia quarenta anos, até os sessenta e oito de idade Oswaldo nunca teve problemas
de saúde. No máximo um resfriado ou uma gripezinha, poucas vezes, nada mais. Sempre
se cuidou muito bem mediante uma alimentação saudável, a prática de esportes e
a realização dos exames médicos preventivos de praxe.
Tudo corria com
normalidade até que, à noite, começou a ter que interromper o sono para ir ao
banheiro urinar. De início não deu muita importância, porque acontecia
esporadicamente, uma noite ou outra, apenas uma vez. Mas ao longo de dois anos isso
começou a ocorrer com maior frequência, até que todas as noites passou a
levantar-se duas, três e até quatro vezes, para atender aos reclamos de sua
bexiga.
Na consulta
periódica seguinte, o médico urologista avaliou os exames laboratoriais de
Oswaldo, fez o toque, considerou os seus setenta anos de idade e sentenciou: sua
próstata está normal, mas a hiperplasia benigna avançou bastante e o senhor
deverá tomar este remédio de uso contínuo que está na receita, para urinar
melhor e evitar o risco de uma infecção urinária. Na sua idade começa a ser
perigoso.
Oswaldo voltou da
consulta profundamente encucado. Ouvira já, de seus amigos, que esse tipo de
remédio causa queda da libido e dificuldades também físicas para o
relacionamento amoroso. Chegou a comentar isso com o médico, mas ouviu dele que
isso é folclore, conversa mole, o remédio não tem esse efeito.
Nos dias
seguintes passou a tomar o remédio, seguindo a recomendação médica, mas o
receio não o abandonava. Pensava em Mirtes, sua linda esposa, oito anos mais
jovem, sempre muito disposta para ele, provocante e carinhosa, sua musa sensual.
Não poderia deixá-la frustrada em seus desejos. E, também, não queria passar
pela humilhação de dizer a ela de seus temores e explicar as dificuldades por que
passava. Não achava apropriado para um homem admiti-las.
Se o médico
estava certo e não foi o remédio, porém, a preocupação ou a idade começaram a
ter o efeito temido. No início, sempre que as intimidades com Mirtes começavam
a esquentar, o pensamento “será que eu consigo” aparecia, incomodava, mas era logo
dominado pela forte emoção erótica obtida com as preliminares e tudo funcionava
bem. Com o tempo, porém, a preocupação de Oswaldo foi aumentando e um dia venceu
ao erotismo, apagando o encanto que sustentava o ato, e ele falhou. Uma vez, alguns dias mais adiante outra,
depois novamente, e a autoconfiança acabou desaparecendo.
Mirtes, de início
compreensiva, tentou reanimá-lo, dizendo que “isso é normal, acontece de vez em
quando até com gente mais jovem”. Evidentemente, esse comentário de nada serviu.
A cada insucesso, a frustração e os temores de Oswaldo só aumentaram. Parou de
tomar o remédio, mas não adiantou; seu psicológico não reagiu. Mesmo querendo,
o receio de novo fiasco fazia com que evitasse ensejos de intimidade com a
esposa, e minava a sua vontade de possuí-la, antes tão frequente.
Temeroso, Oswaldo
se esquivava desses momentos; com as esquivas, deixou de receber os estímulos sensuais
que encontrava em Mirtes, e assim a libido também o estava abandonando. Mirtes percebeu
que já não o atraía mais e foi mudando de atitude. De início fora compreensiva
e confortadora, depois passou a sentir ciúmes, reclamando que ele não gostava
mais dela. Então, sem perceber como isso era torturante para o marido, tornava-se
exigente:
— Você tem que
conseguir! — Dizia. — Como não consegue? Está tudo igual, concentre-se! Faça um
esforço! A não ser que você não queira mesmo — completava irônica, piorando a
situação. Uma noite, chegou a perguntar ao marido se ele estava tendo um caso,
se tinha uma amante.
Foi-se a sedução.
Os momentos
íntimos outrora partilhados por tantos anos entre os dois, com tantas carícias
e palavras carinhosas, o clima romântico e a magia que se instalavam nessas oportunidades,
desapareceram. Foram substituídos por atitudes quase mecânicas, meros
exercícios físicos muitas vezes frustrados, que pouco ou nada tinham a ver com
amor.
Essa situação foi perdurando, sem
indícios de ser superada. Oswaldo já estava muito estressado. Sentia-se incapaz
de fazer aquilo que sempre fizera tão bem e com tanto prazer, que era deixar
sua esposa sexualmente satisfeita e feliz. Até que um dia os pensamentos lhe fluíram
na mente de forma precipitada, maldosa, apavorante: Mirtes está muito enciumada,
desconfiada, pode até procurar um outro homem; será que pode? Claro que ela
nunca faria isso, sempre foi uma mulher fiel, ela me ama; mas eu não a
satisfaço mais, ela pode, sim; não, ela não pode; não faria isso, não teria
coragem; eu não aguentaria, isso não pode acontecer...
Pensamentos assim atabalhoados se
repetiam de forma doentia, quase diariamente, aumentando a tensão de Oswaldo, e
ele, sem perceber, mudou muito as suas atitudes. Antes sempre alegre, sempre com
um sorriso nos lábios, sempre carinhoso e atencioso com todos, tornou-se
bipolar: às vezes triste e desanimado, parecia completamente derrotado; outras
vezes ficava muito nervoso, dava respostas ríspidas e tornava-se bastante
desagradável.
Mirtes não sabia
mais como agir. Não conseguia entender o que estava acontecendo com o seu
marido, antes tão calmo, tão educado, tão amoroso, tão carinhoso, tão fogoso, tão
ardente; agora nervoso, grosseiro, briguento, nem ligando mais para ela.
Precisava fazer
alguma coisa, tomar alguma atitude. Teve, então, a ideia de passarem uns dias
em algum hotel, num ambiente romântico, para tentar um recomeço. Procurou um
belo roteiro, esperou um momento tranquilo e propôs a viagem para Oswaldo. Ele entendeu,
gostou da ideia e logo concordou, também com a esperança fantasiosa de que
novos ares poderiam ajudá-lo a recuperar-se.
As curtas férias
de cinco dias tiveram mesmo bom efeito. O hotel era agradável e acolhedor, a
praia era tranquila, a pequena enseada oferecia um mar calmo, ótimo para
mergulhos refrescantes seguidos de quentes banhos de sol. Alguns passeios a pé,
de mãos dadas, conversas amenas nas boas refeições; especialmente no jantar, que
coroava o clima romântico de cada dia. Numa daquelas noites, completamente
esquecidos das dificuldades que haviam passado, até o amor teve cenário: total,
completo, tórrido, mas sublime, em sua expressão maior para o casal. No sábado,
na despedida com um jantar especial, dançaram e celebraram felizes o sucesso
daqueles dias maravilhosos de descanso.
O domingo, porém,
começou mal, anunciando que seria um dia difícil.
Muito vinho à
noite, Mirtes acordou com dor de cabeça, uma forte enxaqueca. Na refeição da
manhã, no hotel, derramou café na bermuda branca, a sua preferida, formando-se
nela uma grande mancha escura. Estragou a peça, sem dúvida.
Sim, apenas um
pequeno e desagradável acidente comum, pode acontecer de vez em quando com
qualquer pessoa. Ficou chateada e esperava ouvir palavras carinhosas de consolo
de seu marido, mas as férias foram curtas, e Oswaldo, novamente muito nervoso
já pensando no retorno, foi inesperadamente grosseiro:
― Você é uma
desastrada, mesmo! Sempre fazendo alguma besteira!
Foi aí que tudo recomeçou.
Mirtes sentiu-se
magoada, ofendida, indignada, e respondeu à altura:
— Estúpido!
O clima entre
eles ficou tenso, nem terminaram o café da manhã. Voltaram para o apartamento
do hotel, arrumaram as malas de cara feia e desceram para encerrar a conta.
Colocaram a bagagem no porta-malas do carro e partiram pela estrada em retorno
para casa. Mirtes estava mesmo enfurecida. Não se conteve e repetiu:
— Você é mesmo um
estúpido!
Para quê foi
dizer isso? A discussão se instalou novamente e não parou mais. Envenenado pelas ofensas mútuas, proferidas
com as vozes cada vez mais alteradas, Oswaldo foi acelerando, acelerando, a
velocidade aumentou muito, superou os limites de segurança, até que ele perdeu
o controle do veículo.
Foi de repente. O
carro preto derrapou no asfalto molhado, a alta velocidade o desestabilizou, passou
direto pela curva e seguiu descontrolado, em ziguezagues, até que desceu um
barranco e bateu numa árvore, lá embaixo, rodas para cima, longe das vistas de
quem passasse pela rodovia.
Então...
Mirtes estava
sangrando muito, presa nas ferragens. Desnorteada, olhou para o marido sem vida,
caído sobre o volante, um grande ferimento na cabeça. Ela não tinha a mínima
chance de sair dali sem ajuda. Suas forças se esvaiam muito depressa. Desistiu
do celular sem bateria, atinou para o ermo do local. Ninguém sentiria a falta
deles a tempo...
Em seus momentos
finais, Mirtes sentiu e entendeu como pode ser perversa uma impotência.
O Olhar - Adelaide Dittmers
O Olhar
Adelaide Dittmers
Os veleiros pintavam o mar de diversas cores.
A espuma branca das ondas batia com força nos cascos. As velas cuidadosamente
dispostas a favor do vento. O mar vestia-se de um verde claro e transparente,
que deixava vislumbrar no seu interior cardumes diversos.
Osvaldo conduzia a embarcação com maestria.
Forte, pele bronzeada, bonito, era admirado pelas mulheres e invejado pelos
amigos. Destacava-se em tudo o que fazia. Publicitário de sucesso colheu
vários prêmios na profissão. Sempre guiado pela razão, ponderava sobre
cada passo dado para alcançar seus objetivos.
Com segurança, Oswaldo navegava em direção ao ponto
de chegada. Mais uma vez ganharia a regata.
No barco, outro rapaz o ajudava nas manobras com
eficiência e atenção. Celso, irmão de Osvaldo, era o companheiro no
iatismo, esporte que adorava. Amava o mar, sentir o vento e o
balançar do barco, provocado pela dança das ondas. Sério, introvertido, tímido,
o oposto do irmão. Preferia ficar na sombra, ao contrário do irmão, que
adorava ser admirado e bajulado. A diferença entre os dois era
marcante. Um era o sol, o outro, a lua. Um iluminava tudo à sua volta, o
outro refletia essa luz. Um era a razão, o outro a emoção. Tinham visões
de vida muito diferentes e, apesar do respeito que Celso tinha pelo irmão, a
única coisa, que os aproximava, era a paixão pelo esporte.
Celso formara-se em filosofia o que o levava a
observar e questionar a natureza humana, as fraquezas e contradições dos
homens. Seu objetivo, nas regatas de que participava, não era apenas
ganhar, mas desfrutar do desafio, enquanto Osvaldo adorava ganhar os louros da
vitória e ser admirado pelas conquistas.
O veleiro foi se aproximando rapidamente da linha
de chegada e aplausos estouraram, quando a atingiu. Mais uma vitória!
Foram cercados pelas pessoas e Osvaldo sorrindo apertava com um prazer intenso
a mão de seus admiradores. Celso, ao contrário, conseguiu esgueirar-se e
foi se afastando.
Mais adiante, uma bela jovem veio ao seu encontro e
o abraçou carinhosamente, cumprimentando-o pela vitória. Ele retribuiu
com um sorriso tímido. Era a namorada do irmão. Conversavam
animadamente, quando Osvaldo chegou, abraçou e beijou Marta. No entanto,
ela desviou o olhar para Celso, que viu nos olhos da moça algo diferente, que o
fez estremecer por inteiro. O que significaria aquele olhar? O irmão estava com
ela há dois anos, mas ultimamente notava que ela estava mais distante de Osvaldo.
Muitas vezes desviava-se dos carinhos do namorado com um sorriso forçado.
E agora aquele olhar intenso e angustiado, que lhe lançou.
Ele foi se afastando devagar. De repente,
notou que uma raiva súbita lhe subiu pela garganta. Admirava o irmão, mas ao
mesmo tempo não apreciava a necessidade de ele aparecer. No âmago de seu ser
sufocava o sentimento de saber que ele era egocêntrico e superficial. Marta era
algo a ser exibido e não uma pessoa com alma e emoções.
O que estava acontecendo? Por que estava revoltado
com isso? Não era de sua conta. O que aquele olhar tinha arrancado de
dentro dele? Um pensamento faiscou em sua cabeça e iluminou o que não
ousara ver: o sentimento que brotara silenciosamente no seu coração. Estava
apaixonado pela namorada do irmão. Sacudiu a cabeça, como se quisesse espantar
essa descoberta.
Entrou no carro e saiu em disparada. Aquele
olhar, que lhe mostrou que ela nutria algo por ele o estava
desestabilizando.
Tentava entender racionalmente suas emoções, mas
era impossível. Há algum tempo, tentava sufocar o desprezo pelas
atitudes do irmão. A vaidade desmedida, o egocentrismo, a necessidade de
vencer sempre e ser incensado por isso.
Será que o amor que sentia por Marta e que não
quisera tomar consciência, o fez enxergar tudo o que sentia pelo irmão?
Não, ele não iria mais se submeter às vontades de
Osvaldo. Iria lutar por Marta, custasse o que custasse.
Chegou à casa e entrou como um furacão, mal
cumprimentou os pais, que se entreolharam preocupados.
— Vou tomar um banho!
— Como foi a regata? Perguntou o pai.
— Vencemos.
E saiu da sala. O pai virou a cabeça para a
mãe, encolhendo os ombros e virando as mãos para cima, sem entender o que
estava acontecendo com o filho, sempre tão calmo e controlado.
Celso entrou no quarto e jogou as roupas com
força. Estava cansado do menosprezo de Osvaldo, que se sentia o melhor em
tudo e até no esporte não reconhecia a ajuda dele para conquistar as vitórias.
Depois do banho, resolveu sair e dar uma corrida
para espairecer.
— Aonde você vai, filho? Perguntou a mãe?
— Vou dar uma volta.
— Você não vai almoçar?
— Não, não estou com fome. E saiu.
O que estaria acontecendo com ele? Pensou a mãe.
Precisava correr para pôr a cabeça em ordem e
decidir como iria agir. Foi a um parque perto de sua casa e correu até
cansar. Sentou-se em um banco à beira do lago, cujas águas calmas davam
às pessoas uma sensação de paz e comunhão com a natureza. Abaixando-se
pegou pequenas pedras, que atirou na água, o que assustou os cisnes, que por
ali passavam, mas precisava jogar fora o que lhe agitava a alma e agir com a
razão e não com a emoção.
Pegou o celular e seu dedo parou sem apertar o
botão. Apertou os lábios. Faria ou não faria aquela ligação. Sim,
tinha que ligar para ela. E pressionou o botão.
A voz de Marta soou nos seus ouvidos.
— Celso? Tudo bem?
— Não, Marta! Não estou bem e nem sei como começar.
— O que aconteceu?
Ele estremeceu. Será que estava certo e o que
vira no olhar dela realmente significava alguma coisa? Ficou calado, paralisado
pelo medo.
— Celso? Você está aí?
— Desculpe Marta! Estou nervoso.
— Por quê?
Como uma enxurrada, as palavras saíram de sua boca
como se estivesse vomitando toda a sua emoção.
— Posso estar sendo um idiota, mas quando você
olhou para mim hoje de manhã, li nos seus olhos algo que me atingiu como um
raio e me tirou do prumo. Vi tristeza e desconcerto, mas também vi
paixão.
Parou para respirar.
— Desculpe se confundi tudo. Afinal, você é a
namorada do meu irmão.
O silêncio da jovem o deixou mais ansioso. “O que
eu fiz”, pensou.
De repente, ela disse devagar, pesando cada
palavra.
— Seu irmão saiu daqui há pouco. Tivemos mais
uma discussão. Não aguento mais sua indiferença e muitas vezes ser posta de
lado. Suspirou fundo e prosseguiu: O que você viu no meu olhar é sim
amor. Me apaixonei pela sua simplicidade, seu modo de ver as coisas, a sua
delicadeza em tratar as pessoas. E não estou sabendo como lidar com isso.
Uma mistura de sentimentos contraditórios o
assaltou: alegria e remorso, era amado e traidor. Era como se estivesse sendo
arrastado por uma forte correnteza de emoções.
— Também não estou sabendo o que fazer, mas ao
mesmo tempo, não temos culpa. Aconteceu!
E com essas palavras, procurou justificar a si
mesmo sua conduta.
— Venha até aqui. Precisamos conversar
pessoalmente e com calma. Disse ela.
Foi uma longa conversa em que resolveram contar a
Osvaldo o que estava acontecendo.
Na manhã seguinte, Celso foi ao apartamento do
irmão, que se surpreendeu com a visita dele tão cedo. Com um tom muito sério
ele disse que precisavam conversar.
A surpresa estampou-se no rosto de Osvaldo.
Sentaram-se um de frente para o outro. A tensão pairava no ar.
— Desembucha!
— Me apaixonei!
— E isso é tão grave assim? Osvaldo disse com um ar
zombeteiro.
— É. Pela Marta e sou correspondido.
Aconteceu!
Osvaldo levantou-se. A expressão
transtornada.
— Você tem coragem de vir aqui me dizer isso! Meu próprio irmão me apunhalar
pelas costas!
Celso empalideceu:
— Tudo foi muito de repente! Nem sei como explicar.
— Isso não tem explicação. E foi para cima do
irmão, desferindo-lhe um bofetão no rosto.
Celso ergueu os braços para se defender do irmão,
que descontrolado, continuava a açoitá-lo. Dona Júlia, a empregada de alguns
anos, entrou na sala assustada com os gritos e os sons das pancadas de Osvaldo.
— Parem com isso! E tentava separá-los.
— Por favor, Dona Júlia, saia daqui.
— Não saio. Não sei o que está acontecendo, mas
você tem que se acalmar.
Como se tivesse recebido um balde de água fria, ele
abaixou os braços e jogou-se na poltrona. Os olhos destilavam ódio.
— Sempre te apoiei nas tuas inseguranças e o que
recebo de volta...
— Soube que vocês não estão se entendendo
mais. Celso respondeu, tentando se recuperar das agressões.
— Verdade! Nosso relacionamento está se
esgarçando. Ando cansado das exigências dela. Quer atenção o tempo
todo. Não sou homem para isso. Posso ter as mulheres que quiser. Mas
terminar a relação pela traição de meu irmão.
— Nós nos apaixonamos sim, mas só descobrimos isso
ontem e vim dizer a você.
— Você não entende nada mesmo! Eu é que tinha que
terminar primeiro e não ela vir amanhã e dizer que tudo está acabado, depois de
você confessar a sua traição.
Celso sacudiu a cabeça ao compreender a reação do
irmão. Ele não estava sentido pela perda da namorada. Estava
furioso por ter sofrido uma derrota. Um esgar de asco contraiu as feições de
Celso. Que tipo de homem era ele?
Controlou-se para não dizer tudo o que estava
sentindo e saiu porta afora.
Entrou no carro e tentou se acalmar. Encarar
pela primeira vez a personalidade do irmão o surpreendeu. A admiração e o
orgulho que tinha por ele foram por água abaixo. De repente, porém, um
pensamento surgiu imperioso. E ele, o que sentia pelo irmão, será que não
era inveja? O fato de se sentir em segundo plano, bem no âmago do seu ser, não
o tinha incomodado? Quando decidiu lutar por Marta, não sabia o que ela
significava para o irmão e assim mesmo foi em frente, mesmo sabendo que poderia
causar sofrimento a ele. Será que poderia se considerar melhor do que
ele?
Subitamente se sentiu apaziguado. Osvaldo
tinha defeitos, mas ele também não era santo. Não iria mais ser o reflexo
do irmão, mas seriam dois homens com defeitos e qualidades, que se
respeitariam. O orgulho de Oswaldo faria com que transformasse a traição
a seu favor. Vítima, mas livre de um relacionamento, que já não
funcionava mais.
Deu partida no carro e acelerou em direção do
apartamento da amada.
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