A herança não pode tardar
Pedro
Henrique
Dinheiro,
sim, dinheiro, essa palavra que me delicia a boca. Que com cada uma de suas 8
letras e 7 fonemas tem o poder de reger a vida. Não há quem não o queira, não
há quem não o deseje, não há quem não o ambicione. Se acham que vim aqui lhes
contar algo simplório, convido-os a se retirar. Esta história é perigosa.
Uns
dizem que tudo começou devido à vaidade, outros, ou por uma desgraça. Eu,
porém, me coloco entre as afirmações e permito a visão macro dos fatos.
Trata-se de uma mulher abastada, que teve acesso a todos os privilégios. Seu
nome? Magnólia Monteiro dos Santos, filha de Lúcia Monteiro dos Santos e Rafael
Vitório dos Santos, um dos empresários mais respeitados da indústria
alimentícia, que infelizmente faleceu.
Toda sua fortuna recaiu nos
braços de Lúcia, e não se importou com inventário nem com a distribuição da
parte da Magnólia, afinal a filha ainda era uma criança. Ela, então, desfrutava
de uma vida que, aos olhos dos outros, a inveja se fazia inevitável. Falo de
jantares, viagens internacionais, roupas do mais fino tecido, uma casa que
caberia um bairro inteiro, joias que valiam prédios e todas as coisas boas
inerentes à vida daqueles que são agraciados com ouro e prata.
Criou
sozinha a filha Magnólia. Claro, teve ajuda da babá e dos outros funcionários
da casa, estes não sabiam como lidar com os mandos e desmandos da pequena
Magnólia. A menina era autoritária; aí daquele que questionasse uma ordem sua.
Se pedisse para você pegar o brinquedo que queria, deveria ir correndo, pois,
se assim não o fizesse, se jogaria no chão em prantos e persuadiria, com a mais
sofisticada das atuações, Lúcia Monteiro dos Santos, a entregar sua carta de
demissão.
Além
de tudo, era vaidosa. Não aceitava qualquer sapatilha, queria da Chanel; não
gostava de qualquer maquiagem, queria a mais cara. Não lhe importava o preço,
importava que era a melhor. Lúcia se deixava levar pelos caprichos da filha, e
assim a menina cresceu se sentindo a verdadeira Cleópatra, a verdadeira rainha
da terra. Muitos afirmavam que nela residia o próprio diabo. Era má e gostava
de ser.
Magnólia
cresceu e, como toda menina bonita, foi alvo dos olhares de um homem sedutor:
Alberto de Campos Nunes, um grande empresário do ramo imobiliário da cidade de
São Paulo.
Não
havia uma que não se entregasse ao seu charme. Alberto, para Magnólia, não era
senão uma questão de honra. Queria provar para si mesma e para todos que era
capaz de seduzir quem quisesse.
Não
demorou muito para ambos se casarem e terem sua primeira filha, Emanuela Campos
dos Santos. Os anos se passaram e, com eles, a juventude de Lúcia também.
Quando chegou aos 70 anos, uma doença bateu à porta. Todavia, não só a doença
foi a grande questão entre a família. Havia algo acontecendo; a maldição
começou a surgir das sombras e ganhar vida na multidão. A empresa de Alberto
estava indo à falência, o assunto foi o mais enfatizado durante semanas na casa
da família, não havia solução. Sendo assim, o casal arquitetou um plano para
resolver o problema: acelerar a morte de Lúcia.
Pois,
desta forma, Magnólia herdaria tudo e poderia ajudar o marido.
Quando
Alberto contou o plano para Magnólia, ela nem ao menos se assustou. Pelo
contrário, degustou a ideia como quem degusta o prato mais saboroso que já
comeu até então. E juntos, estabeleceram uma estratégia para executar Lúcia.
Era o seguinte: numa noite de sábado, quando Magnólia voltasse com Lúcia do
hospital, deveria ser forjado um assalto em frente à garagem do casarão. O
ladrão, no entanto, só teria um alvo, e não era o dinheiro.
E
assim se sucedeu. Era uma noite fria quando Lúcia retornou para casa ao lado da
filha, depois de sua passagem pelo hospital, como já era de costume devido à
sua doença. Magnólia estacionou o carro em um ponto diferente dessa vez. Lúcia
achou estranho e questionou a filha.
—
Por que estacionou aqui fora?
—
Ah, estacionei aqui porque só vou entrar com a senhora e depois vou sair com o
carro. Vou encontrar umas amigas no shopping.
—
Ah, sim.
Então,
quando Lúcia colocou os pés para fora do veículo e foi em direção ao portão, a
filha, ciente dos fatos futuros, se precaveu e ficou alguns metros afastada da
mãe. Desta forma, como planejado, veio um homem das sombras, do nada,
encapuzado como quem queria permanecer no anonimato, sacou uma arma e, em voz
de mando, ordenou:
—
Passa tudo, passa tudo.
Lúcia olhou assustada para o rapaz e depois levou seu olhar para a filha, percebendo que nela não havia nenhum pouco de desespero. Estranhada, olhou novamente para o rapaz que disparou três tiros. A bolsa permaneceu nas mãos de Lúcia, dinheiro nenhum foi levado, roubo nenhum foi cometido. Estava feito.
Lúcia
tombou no chão. Sufocando, olhou para a filha e, com o pouco de voz que tinha,
rogou-a:
— Me
ajuda.
Magnólia
se aproximou da mãe, abaixou-se ao seu lado direito e pegou sua mão.
—
Ah, mamãe, eu queria tanto lhe ajudar, mas não posso. A senhora vai ficar bem,
eu juro.
— Só
me ajuda, por favor.
Magnólia
levou a mão aos cabelos grisalhos da mãe, e Lúcia, como quem já foi graduada
nas malandragens da vida, soube o que acabara de ocorrer. Olhava com espanto e
medo, com terror, para a própria filha. Não reconhecia o ser humano que estava
à sua frente, não reconhecia a menininha que tinha criado, dando-lhe de tudo.
Se perguntava: "Onde foi que eu errei?" Pensava, como há muito tempo,
que a vida era um local onde as crueldades fazem parte do ecossistema.
Era
assim e sempre foi. O culpado? Bom, lhes digo: o dinheiro.
Lúcia,
entretanto, em todos aqueles devaneios rápidos que passavam como um carro em
alta velocidade por sua mente, só teve a capacidade de verbalizar uma única
sentença, da qual precisava mais do que tudo dá resposta.
—
Por quê?
—
Ah, mamãe, a herança não pode tardar.