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terça-feira, 10 de setembro de 2024

Mestres da escultura e pintura - Alberto Landi

 

Êxtase de Santa Tereza - Gian Lorenzo Bernini.


                         São Gerônimo que Escreve - Caravaggio






Mestres da escultura e pintura

Alberto Landi


Antes do início do século XVII Roma já era reconhecida como centro vital de cultura e arte, com a Igreja católica exercendo uma influência sobre a vida política e social da cidade, sob+ a liderança de papas como Urbano Vlll que governou de 1623 a 1644.

A cidade se tornou um verdadeiro palco para expressão artística onde escultores e pintores buscavam não apenas reconhecimento, mas também os favores da Igreja.

Nesse tempo vivia um escultor renomado chamado Gian Lorenzo Bernini.

Ele era conhecido por sua habilidade inigualável de transformar mármore em formas que pareciam quase vivas.

Suas obras como o “Êxtase de Santa Tereza” eram admiradas por todos, mas havia um rival que sempre o desafiava. O pintor Caravaggio.

Caravaggio com seu estilo dramático e ousado tinha uma abordagem diferente da arte. Enquanto Bernini dava vida ao mármore. Caravaggio capturava essência do momento em suas telas com intensidade única. A rivalidade entre eles era palpável mas ambos respeitavam o talento um do outro.

Certa manhã Bernini recebeu uma encomenda para criar uma escultura monumental que adornaria uma nova piazza de Roma.

Ele sonhava esculpir uma figura que representasse a beleza e a graça divina.

No entanto, ao ouvir que Caravaggio também estava trabalhando em uma pintura para a mesma piazza sua determinação se intensificou.

‘Não posso dizer que ele ofusque minha obra’ - pensou Bernini. Ele passou dias e noites em seu ateliê esculpindo com paixão e fervor. No entanto, à medida que avançava, sentia a pressão aumentar. O medo de não se reconhecido como o maior artista de Roma o consumia.

Enquanto isso, Caravaggio também lutava contra seus próprios demônios.

Ele queria mostrar que a pintura poderia rivalizar com a escultura de Bernini. Com cada pincelada ele buscava capturar não apenas imagens, mas emoções profundas e sombrias que falavam diretamente à alma das pessoas.

Quando as duas obras foram finalmente reveladas na piazza uma multidão se reuniu para admirar o resultado do talento dos dois artistas.

A escultura de Bernini era deslumbrante: uma figura angelical com detalhes que parecia prestes a ganhar vida. O público ficou maravilhado com a habilidade técnica do escultor.

Doutro lado da piazza a pintura de Caravaggio exibia uma cena dramática e emocionante. As sombras dançavam nas paredes da galeria sob a luz suave do sol poente. A intensidade emocional da obra tocou os corações dos espectadores de uma forma que poucos podiam ignorar.

No entanto, em vez de admiração mútua o conflito entre os dois artistas se intensificaram.

Comentários maldosos começaram a circular entre os admiradores da arte.

“A escultura é apenas uma imitação da vida”ou “a pintura é apenas caos sem forma”.! As provocações aumentaram e alimentaram ainda mais a rivalidade.

Certa noite após um dia cansativo de exibições e críticas mistas, Bernini decidiu visitar o pintor em seu estúdio. Ele estava determinado a confrontá-lo sobre as insinuações e rivalidades que estavam se espalhando pela cidade.

Caravaggo, disse Bernini com firmeza:

“Nós dois somos artistas excepcionais. Por que devemos competir? Não deveríamos nos apoiar reciprocamente”?

O pintor olhou para ele com um sorriso sardônico.

“A competição é o que nos impulsiona a ser melhores! Se não houver conflito, como saberemos quem realmente é o melhor?”

O escultor sentiu uma onda de frustrações crescer dentro dele.

“Mas essa não é sobre ser o melhor! É sobre expressar nossa arte! Devemos trabalhar juntos para destacar cada vez mais a arte em mossa cidade!”

Nesse momento de tensão, ambos perceberam que estavam perdendo de vista o verdadeiro propósito da arte: inspirar e tocar as pessoas. O conflito havia obscurecido a visão criativa.

Após essa conversa franca os dois artistas decidiram fazer algo inusitado: criar uma obra colaborativa

Juntos seremos mais fortes dizia Bernini.

E assim uniram suas habilidades.

O escultor criaria um suporte magnífico para a tela do pintor enquanto este inspirado na escultura, pintaria com luz e sombra dando um aspecto dramático e com emoções.

O resultado foi surpreendente: uma fusão perfeita, entre escultura e pintura, que capturou a essência da beleza divina e humana.

A piazza tornou-se um símbolo da união entre as duas formas distintas de arte.

Com o tempo tanto um como outro aprenderam que o verdadeiro valor da arte não está na competição ou na rivalidade, mas na capacidade de tocar vidas e criar experiências significativas juntos!

Taça, e mais vinho - Pedro Henrique

 


Taça, e mais vinho

Pedro Henrique

    

O vento levantava os cabelos ruivos de Beatriz fazendo-os beijar o nada. Estava frio do lado de fora do restaurante, entretanto o que de fato a incomodava era o que residia dentro.

     Havia ceifado com êxito de sua memória o que vivera com Fred (seu parceiro de trabalho), contudo não se pode fugir da fúria da paixão, ela vai te consumir de qualquer jeito.

     Ela está lá, em cada toque hesitante, em cada olhar apreensivo, em cada pensamento intrusivo.

     Fred a encara percebendo que está muito quieta. Ele tenta puxar conversa, porém Beatriz não abre mão de manter intacta a muralha que a cerca, a coisa que a segrega do mundo, do sofrimento.

     — Até quando você vai ficar me evitando? Questiona o rapaz.

     — Eu não estou te evitando.

     — Beatriz, desde que chegamos você não prestou atenção em nada do que eu disse.

     — Isso é mentira.

     — Ah, é? Então, o que eu estava falando neste exato momento?

     Beatriz o observa percebendo que ele jamais compreenderá. Irritada, levanta e sai do estabelecimento.

     Quando chega em casa nada passa por sua mente a não ser o desejo avassalador que ruge dentro dela por uma taça de vinho.

     Na primeira taça, pensa em Fred; no seu cabelo, no seu rosto, na forma engraçada com que fala, no seu jeito de andar, na sua boca.

     Na segunda taça, lembra de seu pai, da noite em que o matara, no gosto suculento que escorria do prato da vingança que sentiu ao passar a lâmina de um estilete em sua garganta.

     Na terceira taça pensava em Patrick e no lixo de ser humano que, infelizmente, descobriu que ele era.

     Taça e mais vinho, taça e mais vinho, taça e mais vinho! Mais, mais e mais! É preciso adormecer o que vive e que merece a morte. É preciso cortar a nódoa explícita que uma madrugada deixou. É preciso manter a barreira e a segregação.

     Taça e mais vinho. Sim, mais, pois a vida brada e quando ela brada há de se ter coragem para bater de frente, no entanto, Beatriz não tem coragem, falta-lhe e muito, é perigoso demais voltar lá e ela sabe disso, pena que Fred não.

     Caberá somente ao destino decidir qual será o próximo passo desta história.

 

DINAH AMORIM - PROJETO MEU ROMANCE 2024

 


VALÉRIA


 


UMA SIMPLES ADVOGADA CRIMINALISTA!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Uma jovem desce sorridente os degraus do Tribunal de Justiça de São Paulo. Alta, cabelos louros, porte elegante em seu terninho azul-marinho, sapatos de salto alto e fino. Valéria Sobral, renomada advogada, investigadora criminalista, auxiliar da polícia em muitas investigações.

Como desce sorridente, demonstra sucesso no último caso que investigou, e, quando isso acontece, aparece sempre leve cacoete, coça ligeiramente o nariz.

Valéria cresceu em meio policial, órfão de mãe, muito cedo, criada pelo pai, investigador e chefe de polícia, na pequena cidade de Tambuí, onde os fatos principais não eram de grande monta. Mas, mesmo assim, aprendeu com a experiência paterna a usar a sabedoria, a prática, a inteligência e a astúcia, no campo material, formando-se com brilhantismo em advocacia, no campo intelectual.

Com a morte do pai, continua na profissão e torna-se famosa pela habilidade com que a exerce.

Muda-se para São Paulo, após pequena herança paterna, um escritório, onde inicia atendimento aos casos difíceis que aparecem.

Tem como auxiliar o detetive Jorge, útil companheiro, que a ajuda nas grandes soluções.

Estão satisfeitos com a decisão dos jurados: culpado, o réu que matou a esposa, por motivo de traição. Um homem violento, machista, ignorante de leis e dominador do seu meio social, fazendo, ele próprio, as leis e exigindo obediência. Impossível de convivência doméstica. Educado à moda antiga, ou deseducado, melhor falando, achava que o assassinato em defesa da honra é um direito de qualquer marido ou homem traído.

Valéria, com provas de seus maus-tratos à esposa, e, principalmente, o direito à vida, para qualquer um, conseguiu a simpatia dos jurados, rebatendo as alternativas da defesa e conseguindo a vitória da acusação.

Satisfeitos, ela e Jorge comemoram num barzinho próximo ao escritório, com a bebida predileta, o Negroni, uma mistura de Gin, Campari e Martini Rojo. Fora do trabalho, eles relaxam, bebendo e jogando conversa fora.

Valéria já comenta e imagina as férias que planeja ter, alguns dias à beira-mar, sem preocupação em desvendar mistérios e procurar culpados.

Jorge, ficará no escritório, enquanto ela viaja, deixando sua folga para curtir com os filhos, nas férias escolares. É casado, com três filhos, ainda crianças.

Na manhã seguinte, quando Valéria chega ao escritório, encontra Jorge aflito, ao entregar-lhe uma intimação.

Que será isso, agora, pensa ela, louca para preparar a sua viagem.

Abre rapidamente o envelope, lê o escrito e o entrega a Jorge, espantada.

Um escritório do interior, perto da cidade de Dourados em que nasceu. Solicita sua presença para informá-la sobre assunto relacionado à herança, que recebeu do pai, uns dois anos antes.

Tentam o telefone deles, mas não dão informações, somente atendimento presencial e com documentos necessários.

Aborrecida com esse acontecimento inesperado, Valéria pede para Jorge assumir o escritório e vai para a rodoviária, com destino a Dourados, curiosa e, ao mesmo tempo, contrariada.

Dourados é uma cidade pequena, não muito movimentada, como todo interior. Ao contrário de algumas outras, tem a aparência de uma cidade próspera e rica, bonita em suas edificações. Valéria pede informações sobre o local do escritório Maya, Advocacia, o qual é onde está sendo intimada.

Ao entrar, é recebida por uma senhora de meia-idade, amável, que a atende gentilmente e avisa que o doutor Rogério Maya não está no momento, mas marca um horário à tarde, para ele atendê-la. Será avisado que ela chegou de São Paulo. Enquanto isso, poderá ficar à vontade no Hotel Central, próximo ao escritório.

Valéria almoça pequena salada e, quando pensa em tirar um cochilo, é avisada por telefone que Rogério Maya a espera. Dirige-se ao escritório e, ao conhecê-lo, espanta-se com sua simpatia e jovialidade. Esperava um senhor idoso e sóbrio, carrancudo e enérgico.

Após ser convidada a sentar e bebericar um gole d'água, é informada que existe alguém, uma mulher já idosa, que reivindica metade da herança deixada por seu pai.

Confirma ter direitos como ela teve, com provas de ter tido relacionamento e convivência com ele, após sua viuvez.

Valéria afirma nunca ter havido isso, que ela soubesse e que seu pai sempre foi um homem honesto, incorruptível, se fosse verdade, ela, como filha, saberia.

A mulher, diz Dr. Rogério, afirma ter provas de seu relacionamento com ele, mediante pessoas conhecidas, alguns textos escritos por ele, fotos onde aparecem juntos, em várias ocasiões, enfim, alguns recibos bancários feitos por ele, a ela.

Valéria, achando meio estranho, pergunta a causa de tudo isso vir à tona, justamente agora, dois anos depois.

Rogério também fez a mesma pergunta à senhora em questão, Dona Margarida, que se justificou, estava em tratamento, numa casa de repouso, acometida por um AVC que lhe tirou parte da compreensão. No momento, com a melhoria do seu estado, voltou a lembrar-se de tudo, principalmente de Joel, o chefe de polícia que a visitou e auxiliou por tantos anos.

Valéria decide conversar pessoalmente com Dona Margarida, o que Rogério concordou e se propôs a ser o intermediário.

Melhor eu ir sozinha, responde Valéria, quem sabe encontro alguma intimidade de meu pai, reconheço alguma coisa, sua letra, principalmente. Converso também melhor com Da. Margarida, suas intenções, meu pai nunca escondeu nada de mim, acho tudo isso muito estranho.

Pega o endereço de Margarida, chama um táxi e dirige-se à sua casa.

Atende-a uma mulher ainda jovem, com jeito de experiente e prática, olhar vivo, como se já a esperasse. Manda-a sentar e chama Da. Margarida em voz alta: “A doutora chegou!”

Desce as escadas do pequeno sobrado, uma senhora gordinha e baixa, olhar simplório, um pouco tímida, mas resoluta, ao falar com Valéria. Determinada, ajeita levemente os cabelos brancos que cismam em sair do pequeno coque e senta-se também para uma longa conversa.

Valéria, ao conhecê-la, sente uma leve lembrança, a fisionomia não é totalmente estranha. Só não sabe quando a viu, nem onde.

Margarida reclama primeiramente de seus problemas de saúde e dos males que sofreu, tendo que ser cuidada numa Clínica de Repouso. Agora, vive temporariamente com um casal conhecido, dispostos a ajudá-la: Rosa, a moça que a atendeu e Lauro, seu marido, vizinhos antigos.

Valéria estima que esteja melhor e, meio compadecida, meio desconfiada, pergunta o que seu pai tem a ver com sua história.

Margarida, um pouco agressiva, comunica que seu pai a visitava constantemente, desde que a mãe faleceu. Não queria que ninguém soubesse, devido a sua posição na cidade. Quando faleceu, ela já estava na Casa de Repouso e não pode comparecer ao funeral, nem divulgar a sua existência.

Só agora, restabelecida, influenciada pelo casal amigo, soube que tem direito a parte da herança que deixou.

Valéria, lembrando-se do pai, sua personalidade, seu caráter, coloca em dúvida o que Margarida fala, mas, mesmo assim, pergunta quais as provas que possui?

A senhora, meio trêmula, nervosa, levanta-se e pega uma pasta, cheia de documentos e algumas fotos.

Alguns extratos bancários, feitos pelo pai, em nome dela, que não pareciam mesadas, mas pagamentos de consultas médicas feitas, com alguns recibos. Numerosos, mas não obrigatórios, poderiam justificar alguns auxílios prestados por ele a alguém necessitado. Nenhum pagamento de habitação ou pensão alimentar. 

Pelas fotos encontradas, Valéria reconhece algumas em sua casa de infância, principalmente com ela, pequena, no colo de Margarida, com o pai, mais moço, e algumas, sem ele. Lembra-se vagamente que deve ter sido sua babá, daí o olhar, levemente familiar.

Pergunta sobre as testemunhas das visitas frequentes à sua casa, se houve pernoites, pode provar isso?

Margarida responde que sempre morou em lugar retirado, a pedido do pai, mas o casal amigo, que a recolheu, poderá servir como testemunha disso. Conheciam-no como visitante constante de sua casa.

Valéria logo tem a intuição e quase certeza de que é mentira, a senhora está sendo induzida e influenciada por eles. Seria fácil provar isso, mas olhando Margarida, seu estado frágil, sua idade avançada, resolve conversar com Dr. Rogério como resolver melhor a situação. Não aparenta condições de aguentar um julgamento ou muitas sessões judiciais. Seu pai devia auxiliá-la por piedade, dó em situação carente, era um senhor piedoso e, agora, resolveram aproveitar-se disso.

Pede um tempo para estudar o assunto e sai, não sem antes perguntar e anotar os nomes dos colaboradores de Margarida, que, inseguros, dão suas credenciais e cópias dos documentos.

Valéria Sobral, sempre orgulhosa de seu nome, confusa agora, com tanta informação sobre o pai, dirige-se atordoada ao escritório de Rodrigo Maya, quem sabe, juntos, encontrarão alguma solução: verdade ou mentira.

Pelo caminho, percorre ruas estranhas da importante cidade de Dourados, com riquezas minerais em ferro, quando encontra, acidentalmente, um grande e querido amigo de infância, morador, como ela, da cidade de Tambuí. Foi vizinho e companheiro de grandes brincadeiras e alegrias em crianças.

Cresceram dos seis anos até a adolescência, quando começaram a frequentar bailinhos e ouvirem as músicas da época.

Sem perceber, a mocinha Valéria se apaixona pelo amigo Afonso, que se tornou o primeiro amor, o primeiro namorado.

Conviveram diariamente, durante anos, quando Joel, seu pai, por necessidades de trabalho, resolve interná-la num colégio de freiras, famoso na educação de moças, de uma cidade vizinha.

Há um afastamento triste entre os dois enamorados, e, com o passar do tempo, esquecem-se um do outro.

Quando Valéria conclui seu curso e volta à cidade natal, encontra Afonso noivo de sua melhor amiga, Clarice, que também deixou de lado, após anos.

Segue cada um o seu destino, Afonso formado em arquitetura, casado e com filhos e, Valéria, a advocacia, investigativa e criminalista, como o pai.

No reencontro, após tantos anos, Afonso caminha só, mais gordo e envelhecido, o grande amor do passado de Valéria.

Espantados e emocionados, abraçam-se e resolvem tomar um café no bar próximo, relembrar os velhos tempos.

Afonso, agora divorciado, com filhos grandes, tenta recomeçar a vida em Dourados, num trabalho de construção. Ele olha para Valéria com carinho e admiração, com a saudade antiga dos seus sentimentos e, ela, espanta-se, após tantos anos de distância e vivências diferentes, ainda sentir por ele uma certa atração, o despertar de uma paixão adormecida há tempos.

Quando percebem, entardece e Valéria se lembra que tem um assunto urgente para conversar com o Dr. Rogério. Não pode esquecer o caminho que o caso está tomando e, docilmente, despede-se de Afonso. Combinam de encontrar-se em outra hora.

Mais alegre e distraída, menos esperta e intuitiva, dirige-se ao escritório Maya Advocacia, antes que feche.

Rogério Maya a espera e, juntos, examinam as reivindicações de Margarida. Segundo a documentação do casal que a sustenta e auxilia, a amizade entre eles é recente, não são testemunhas antigas, como pretendem.

Lauro é um ex-presidiário, já sofreu penalidades por roubo e porte de drogas, e Rosa, sua mulher, era uma faxineira da Casa de Repouso, onde ficou Margarida. Nem conheceram Joel, o pai de Valéria, quando vivo.

Diante dessa mentira, e algumas idas à Casa de Repouso que tratara de Margarida, pessoa só, desamparada, ficou fácil para Valéria provar que não houve nenhum relacionamento com seu pai. A não ser ajuda e pagamento financeiro, muitos anos antes, quando Valéria ainda era pequena e necessitava de cuidados, e Margarida, foi temporariamente, sua babá. Mas, logo pediu demissão, alegando problemas de saúde. Viveu, maritalmente, alguns anos após, com um homem chamado José, que a deixou por outra mulher e sumiu do mapa. Nunca mais foi visto com ela, segundo uma vizinha que a conheceu em Tambuí, durante anos.

Cidade pequena, interior, pensa Valéria, sabe-se tudo a respeito de todos, embora nem sempre a verdade, mas, com Margarida, foi fácil sondar sua vida, sem grandes mistérios.

Discute o caso com Rogério, qual a melhor atitude a tomar, sem pensar em acusá-la por difamação e perjúrio, mas livramento do nome do pai dessa acusação.

Quanto aos seus dois comparsas, uma reprimenda severa e ameaça de cadeia, caso continuem com esse falso testemunho.

Valéria, ao olhar Margarida, intimada a comparecer ao advogado e retirar a queixa, compadece-se da velha senhora. Uma idosa, facilmente iludida, e, em lembrança ao falecimento de sua mãe e atendimento inicial de uma babá, resolve arrumar-lhe um lugar para ficar, novamente a Casa de Repouso, deixando uma certa quantia em seu nome, para as necessidades.

Dr. Rogério arquiva o caso, não sem antes advertir Valéria de que não deve deixar o coração dominar diante da veracidade da lei, ao que ela responde: A lei existe sim para o nosso benefício, mas nesse caso, há necessidade de um certo abrandamento. Não houve dano e Margarida chora, arrependida.

Dando o caso por terminado, Valéria respira aliviada e volta a sonhar em ir à praia, num pequeno bangalô que construiu aos poucos, com parte da herança que recebeu e o ordenado de uma advogada vitoriosa.

Lembra-se antes de Afonso, gostou realmente de encontrá-lo e, mesmo sem vontade de algum relacionamento mais íntimo, gostaria de vê-lo mais vezes.

Procura-o e combinam de se encontrar em São Paulo, assim que ele tiver alguns dias livres na construção.

Ela avisa-o que irá até a praia, possui pequeno chalé em São Sebastião, quando puder, que apareça.

Afonso, mais alegre que de costume, fica de avisá-la, quando irá.

Os dois, já não tão jovens, parecem reiniciar uma amizade que, talvez, transforme-se em algo mais sério. Tudo indica. Coisas do destino, mesmo.

Em São Paulo, Jorge pede a Valéria para ir até o escritório. Precisa assinar uns documentos que darão baixa no caso de Margarida, para ser arquivado com eles também.



 Episódio II


ASSASSINATO NA BIBLIOTECA



Dando o caso por terminado, Valéria respira aliviada e volta a sonhar em ir à praia, num pequeno bangalô que construiu lentamente, com parte da herança que recebeu e ordenado de uma advogada ganhadora de causas.

Lembra-se antes de Afonso, gostou realmente de encontrá-lo e, mesmo sem vontade de algum relacionamento mais íntimo, gostaria de vê-lo mais vezes.

Procura-o e combinam de se encontrar em São Paulo, assim que ele tenha alguns dias livres na construção.

Ela avisa-o que irá até a praia, possui pequeno chalé em São Sebastião, quando puder, que apareça.

Afonso, mais alegre que de costume, fica de avisá-la, quando irá.

Os dois, já não tão jovens, parecem reiniciar uma amizade que, talvez, transforme-se em algo mais sério. Tudo indica. Coisas do destino, mesmo.

Em São Paulo, Jorge pede a Valéria para ir até o escritório. Precisa assinar uns documentos que darão baixa no caso de Margarida, para ser arquivado com eles também.

Valéria resolve consultar, primeiro, uma pequena dúvida que teve sobre o arquivamento e acha mais prático ir até a Biblioteca, lugar que frequenta, às vezes.

Quando entra, percebe uma correria em meio ao silêncio, muitos gritos, uma senhora corre apressada à sua frente, ouve um barulho forte de tiro que a atinge e ela cai desmaiada ao chão, sem que Valéria possa segurá-la. Pronto, novo caso desperta e aguça o espírito investigativo dessa advogada criminalista que se mete na confusão estabelecida para auxiliar a polícia, logo chamada. Telefona para uma ambulância do SAMU que corre ao local e também faz perguntas aos funcionários se sabem ou viram algo relacionado ao crime.

Liga para Jorge e cancela sua ida à praia. Novo caso apareceu, novo caso a resolver, a mulher atingida na Biblioteca.

Valéria se espanta com a mulher caída aos seus pés! Esse crime não lhe sai da cabeça!

Qual seria a causa? Algum assalto? Vingança? Perseguição? Em uma Biblioteca! Lugar de silêncio e estudo?

Interessa-se pelo caso. Seu espírito investigador ressurge e esquece-se das suas férias na tão sonhada praia. Construiu o bangalô com tanto capricho e quase nem aparece. Sempre a profissão em primeiro plano. Os crimes e as tragédias não cessam, não lhe dão folga, principalmente em São Paulo.

Começa a investigar quem é a mulher vítima, qual o nome, onde mora?

Se é frequentadora comum da Biblioteca. Poucas respostas, obtém.

Descobre que ela já se refugiou lá algumas vezes, para fugir de ataques de terceiros. Uma senhora que é sua vizinha, está comentando o caso, em voz alta.

Chama-se Doroteia e é muito temida na região central de São Paulo. Mora nas imediações da Avenida São luís, numa casa antiga, muito velha, pobre e assustadora.

Doroteia é conhecida como a louca da região. Faz barulhos, gritarias, assusta e xinga quem passa. Ninguém a suporta e a polícia foi chamada muitas vezes, por sua causa.

Detestava crianças e mulheres, talvez algum problema antigo que teve em relação a isso.

Encaminhada à psiquiatria pública e institutos correcionais, sempre voltou, fingindo ou disfarçando melhoras. O comportamento briguento e escandaloso reaparecia, em pouco tempo.

Saber, para Valéria, a causa da morte, quem seria o assassino, torna-se confuso. Muitos queriam sua morte, muitos tinham motivos para isso: a mãe que teve seu filho com a cabeça raspada, o senhor de idade que ela roubou a bengala, a família do seu vizinho, com muitos filhos, a quem tirava a comida, diariamente, enfim, era uma pessoa detestada por muita gente.

Defendê-la, descobrir um culpado, ou vários culpados, seria uma agulha em meio ao palheiro. Queriam distância dessa mulher, todos ao seu redor.

Abandonar o caso, passou por sua cabeça, mas, o direito à vida, a culpa de assassinato, mesmo que seja feito por defesa, planejado, uma vingança, merece estudo. Uma vítima, já condenada por antecedência. A lei decidiria a culpa. 

Valéria começa a pesquisar o ambiente que Doroteia vivia.

Um sobrado que se destaca na Av. São Luís pela feiura, pobreza e sujeira. Muito estragado. Bastante antigo, deve ter sido valioso, no passado. Se morou sempre ali, pertenceu à sua família, não conseguiram expulsá-la.

Examinando roupas jogadas, móveis empoeirados, Valéria descobre gavetas com objetos estranhos.

Doroteia, a louca, teve vivências, lembranças do passado.

No armário sem porta, acha várias fotos. Parecem seus familiares, parecidos com ela. Teve, então, vida familiar, ao nascer. Por que, sozinha, ao morrer? Qual o motivo que a fez louca? Observa tudo. Quem sabe acha alguma pista?

Tem experiência, nesses casos. Não haverá muita investigação policial, mas um possível arquivamento. Será considerada indigente.

De repente, encontra uma foto mais recente, Doroteia aparece abraçada a um moreno bigodudo, ainda jovem. Estão no sofá da sala.

Valéria pensa: Então, mesmo louca, ela gostou de alguém. Quem seria? Demonstra muita paixão.

Observa melhor e percebe a figura de uma criança, semelhante ao homem que a abraça. Será que teve filho?

Enquanto estuda essa vida, aumenta a curiosidade de Valéria.

Cansada, anda pela Avenida e encontra a vizinha fofoqueira que comenta sobre Doroteia.

Nem sempre apresentou loucura. Foi unida a um homem e teve um filho. Com o passar dos anos, ele a abandonou e levou o filho. Nunca mais soube deles. Fugiu, levando as poucas economias que tinha como herança de família.

Ficou emudecida e trancada em casa por vários meses até reaparecer odiando tudo e todos.

Essa é a Doroteia que eles conheciam e que morreu assassinada, talvez por roubar alguém ou sabido alguma trama do bairro. Costumava andar à noite.

Não usava tóxico, mas alguns drogados frequentavam a sua casa. Deixava-os entrar, protegia-os da polícia, principalmente os mais jovens, como Oscar, que lembrava o olhar de seu filho. Quando os familiares ou vizinhos iam buscá-los, chamavam a polícia, que nada encontrava, mas era ameaçada de prisão, muitas vezes. Recebia reprimendas, era levada à Delegacia, prestava depoimentos e voltava para casa, o grande desgosto e tristeza dos vizinhos.

Valéria pensa em várias hipóteses. O assassino pode ser qualquer um. Todos tinham motivos para matá-la. Difícil, esse caso.

Dá uma chegada no escritório e comenta o caso com Jorge. Pede auxílio na investigação.

Jorge, admirado, pergunta-lhe: 

Por que tanto interesse? Nem família pediu sua defesa! Parece que ninguém se incomoda muito! Deixa nas mãos da polícia.

Valéria não responde. Sente uma coisa estranha. Uma intuição, talvez.

Nunca soube explicar bem suas atitudes, simplesmente age.

Vai até o Departamento de Polícia, procura saber o tipo de armamento usado. Foi um tiro mortal, de revólver comum, manejo simples, qualquer um saberia usá-lo.

Em seguida, dirige-se ao Necrotério para examinar a biópsia. Está sendo estudada. Verifica que foi um tiro só, à distância, atingindo os pulmões, enquanto ela corria. Não parece premeditado por pessoa com prática. Alguma vingança, talvez.

Quem teria feito isso? Eliminá-la, simplesmente, como se fosse um animal nocivo, no meio do caminho!

Sente curiosidade em saber mais. Dirige-se ao guarda que chefia a entrada da Biblioteca e pergunta se possuem algum controle ou câmera.  Se notou alguém estranho, armado, quando a mulher foi morta.

Ele responde que não percebeu nada, só escutou os gritos dela, como todos, nem viu quem atirou, mas poderá verificar alguma coisa na câmera de investigação, daquele dia. Existe um departamento que vigia o entra e sai diário da Biblioteca. Leva-a até lá.

Valéria estranha como ninguém se preocupou com isso, nem a polícia. Doroteia seria mesmo mais uma indigente morta, uma infeliz a menos, na cidade. Encontrar o culpado? De pouca importância.

Observa bem a entrada das pessoas, naquele dia. Verifica alguns corredores que aparecem no vídeo e interroga algumas funcionárias que lá trabalham, como auxiliares. Não chega a nenhuma conclusão. Aparenta um dia normal.

Observa novamente a entrada de pessoas, com livros ou cadernos, debaixo dos braços. Entrada de estudantes, com certeza, ou algum fanático pesquisador.

De repente, percebe a entrada de Doroteia, descabelada, nervosa, fazendo sinais incontroláveis com as mãos, disfarçando ligeiramente uma bolsa vermelha, cheia de papéis, não se distingue o que são.

Caminha apressadamente, verifica os lugares mais escondidos da entrada e se refugia atrás de grandes livros.

Após um tempo, em meio a outras pessoas, calmamente, entra uma mulher de meia-idade, mais moça que ela, também com uma bolsa larga a tiracolo, que se dirige a uma funcionária à procura de um livro. Enquanto a atendente procura, ela se distancia do local e parece procurar alguém ou algo, em outras dependências.

Valéria pede para o guarda aumentar a imagem e reconhece já ter visto esse rosto, no dia da confusão.

A imagem some e eles não conseguem mais mostrar nada, somente se ouve gritos e correria de pessoas no ambiente. Não conseguiram gravar o crime, somente Doroteia caída aos pés de Valéria.

Que estranho, ela pensa, como a polícia não investigou isso? Vai atrás da moradia da fofoqueira. Lembra-se do seu nome, Catarina. Quem sabe reconhece a mulher.

Como se trata de crime, acha melhor não ir sozinha e liga para Jorge acompanhá-la.

Junto a Jorge, indaga os vizinhos de Doroteia, os mais antigos e conhecedores de sua vida. Todos se atemorizam. Ninguém quer dar informação. Muito ao contrário, afirmam ter dó dela.

Valéria, contrariada, continua batendo às portas e perguntando nas imediações até que encontra um grupo de meninos, jogando bola. Um deles, mais inocente, conta para Valéria que todos a conheciam e falavam mal. Deram até Graças por ela morrer.

Quem brigava mais com ela, aqui? Pergunta Valéria ao garoto.

Ele responde que todos a ameaçavam, mas a última briga foi com a mãe de Oscar, um menino que ia fumar, à noite, em sua casa. A mãe dele foi buscá-lo e fez um escândalo. Jurou que ainda ia acabar com sua vida.

Valéria pede, então, para mostrar onde ela mora e o menino aponta a rua próxima, uma casa amarela. A mãe de Oscar era Madalena, brava também, mulher de briga.

Acompanhada de Jorge, dirigem-se à casa de Madalena, e, antes de baterem, escutam o vozerio da mulher com o filho. Está aos berros, ameaçando-o de internação se não parar com a maldita droga. Já não bastou a morte da Doroteia, que o protegia? Quem ela precisaria acabar com a vida agora? Seus amigos?

Madalena para de gritar, imediatamente, quando ouve batidas à porta. Assume um ar calmo e educado, quando percebe que é a investigadora, acompanhada do detetive.

Valéria, que ouviu tudo, mas não gravou, afirma que ela será intimada a depor no caso do assassinato de Doroteia. Reconheceu o rosto. Precisará explicar o que fazia na Biblioteca, naquela hora e, suas brigas e ameaças a ela, por causa do filho Oscar.

Madalena, muito pálida, não responde nada, e confirma com a cabeça, o entendimento. Parece surpresa com a descoberta de Valéria, mas segura e convicta do que fez.

Valéria e Jorge dão andamento ao inquérito, que segue o processo normal. Madalena, intimada, acaba confessando sua ida à Biblioteca. Não pretendia matar Doroteia, mas só assustá-la, usando o revólver do marido. Como ela percebeu e correu, a arma disparou ou ela se desesperou e atirou. Queria mesmo acabar com aquele tormento.

Justificou seu crime em defesa do filho. Achava que Doroteia é que fornecia a droga.

No julgamento, Valéria esquivou-se da acusação, passando o caso para uma colega. Queria defender a morta, mas sentiu também o drama de Madalena ao defender o filho. Achou melhor abandonar o caso.

Enfim, processos e julgamentos, na sua profissão, eram sujeitos à habilidade profissional da defesa e da acusação, tendo como final a decisão dos jurados. A justiça seria feita, independente dela.

Soube, mais tarde, que Madalena foi condenada a oito anos de prisão, por fazer justiça com as próprias mãos, sujeita a diminuição da pena, por bom comportamento.

Valéria, cansada de São Paulo, acabou tirando umas férias e indo à praia, por longo tempo. Afonso apareceu para visitá-la.


 UM CRIME PASSIONAL!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

 

Andréia, jovem inocente e sincera, casa-se com João Carlos, rapaz experiente e vivido, mais velho que ela, seu primeiro namorado.

É uma esposa dedicada, apaixonada pelo marido, há uns sete anos.

Ultimamente, nota em João Carlos, um certo afastamento, esquecimentos, uma esfriada no relacionamento.

Quando pergunta o que acontece, ele desvia o assunto, anda muito ocupado com o trabalho, é gerente de uma firma de cosméticos.

Andréia sabe que se relaciona com várias mulheres, vendedoras, interessadas em beleza, bonitas, famosas e elegantes.

Nunca sentiu ciúmes dele, tal era a sua confiança. Um ciúme que anda tendo agora.

Resolvida a dar uma esquentada no relacionamento, emboneca-se toda, certa noite, e combina de encontrá-lo num restaurante, a fim de uma noite especial.

Coloca um vestido vermelho, justo, que realça suas formas, torna-a atraente e sexy. De sapatos de salto alto e fino, transforma-se em mulher mais sedutora e elegante. Modifica os cabelos, enfeita-os com uma presilha dourada, que ladeia um coque bem trabalhado.

Olha-se ao espelho e sente-se linda, outra mulher, mudou realmente o aspecto.

Avisa-o que irá esperá-lo num restaurante perto do escritório, lugar que já foi preferido deles.

João Carlos, admirado, recebe seu telefonema e tenta avisá-la que sairia mais tarde, seria melhor escolher outro dia.

Andréia responde não haver reservas para outro dia.

No horário marcado, estaciona o carro em frente ao local, entra e vê que o marido ainda não chegou.

Espera-o numa mesa e pede um vinho, enquanto o aguarda.

Após uma meia hora, João Carlos entra e ao vê-la, tão bonita e elegante, se surpreende e mostra-se encantado.

Começa a beber também e, quando percebem, o casal está todo envolvido, novamente.

Andréia percebe nele o afeto que tinha, antigamente.

Quando acaba o jantar e se preparam para sair, felizes, entra uma mulher nervosa, enraivecida, com ares de dominadora e ciumenta, que grita para todos ouvirem: “Você é casado? Mentiroso! Farsante! Enganou-me por tanto tempo. Merecia morrer!”

Momento chocante que paralisa o ambiente do restaurante e o casal também.

João Carlos, pálido de raiva, querendo avançar em cima dela, protege Andréia com o braço e procura a saída.

A mulher, vendo-o, faz menção de abrir a bolsa e os seguranças do lugar, temerosos, agarram-na e a colocam fora. Impedem uma nova entrada. O dono do restaurante, um amigo, pergunta se querem que chame a polícia.

Andréia, assustada e muda, não consegue emitir um som, mas João Carlos responde que não é preciso, esse assunto resolverá mais tarde. Sob o olhar espantado da esposa, pega o carro e vão para casa.

Em casa, ao prepararem-se para dormir, João Carlos se justifica para Andréia, de todas as maneiras. Explica que é um relacionamento antigo, uma moça que já trabalhou com ele, e não aceitou o seu casamento. Desequilibrada, perturba-o ocasionalmente, no trabalho, ameaça sua esposa, enfim, inferniza sua vida quando se desespera. Muito sozinha, meio doente, uma coitada. Que ela não se impressione com isso. Coisas que acontecem aos homens, de vez em quando.

Andréia, ainda chocada e emudecida, nada responde, mas o pensamento, em ebulição. Não consegue acreditar no marido e, com raiva, lembra-se de uma corrente que viu no pescoço da outra, igual à dela, um presente que ele trouxe a pouco tempo, da Argentina.

Deitam-se e ele adormece logo, mais tranquilo, e ela, não prega o olho, a noite inteira. Sente-se mal, percebe que tem que tomar uma atitude, sem coragem para isso.

Amanhece e João Carlos beija-a como sempre e vai para o trabalho. Promete uma nova noite para ambos, com final mais agradável.

Andreia mal responde, e, sonolenta, corre a atender o telefone. Não para de tocar.

Logo percebe a voz da mulher da noite anterior, já, mais calma, querendo conversar amigavelmente com ela.

Sem medo, Andréia responde sim e combinam um local perto da casa da outra, que, para seu espanto, fica próximo de sua casa.

Arruma-se rapidamente, meio trêmula, com ligeira dor na perna direita, que a faz andar devagar, quando fica nervosa, e caminha em direção a uma lanchonete, perto da casa das duas.

Geni, a outra, com certeza a amante real do marido, já está à sua espera.

Sem muita demora, afirma-lhe que João Carlos frequenta sua casa, há tempos, e quer lhe fazer uma proposta.

Andréia, no íntimo, sente que a moça fala a verdade, mas responde-lhe: “Ele afirma que foi um caso antigo, que você é louca, não fala a verdade. Quer fazer uma vingança! ”

Geni, sem sorrir, responde séria: “Ele a engana, ainda ontem esteve em casa, esqueceu até o celular. ” E tira-o da bolsa e o entrega. E continua falando:

— Estou grávida. Não pretendia isso, mas aconteceu. Queria propor-lhe uma situação boa para nós duas. Continue casada com ele e eu fico assim, a outra, na vida dele. Ele não quer a separação e eu não quero ficar só, nessa situação.

Andréia, sem voz, quando Geni fala em gravidez, fica paralisada. Seu maior sonho é ser mãe, o que não conseguiu ainda, nesses sete anos.

Quando consegue responder, não aceita acordo nenhum e ela, Geni, como futura mãe, não deveria aceitar uma situação dessa, fazer um infeliz, antes de nascer. Diante disso, ela é quem sairia de cena, que fosse ser feliz com João Carlos, como deseja.

Geni, sem graça, pede-lhe para pensar melhor no assunto, mas Andréia, mancando de dor na perna, volta para casa, determinada a pedir a separação.

São dias angustiosos para esse trio meio desesperado. João Carlos não quer sair de casa, nem assumir seu caso extraconjugal. Geni, não dá sossego a Andréia, sentindo que pode perder tudo. Andréia, a única cabeça mais lúcida, nessa situação, entra em depressão e quer sumir, refazer sua vida. Voltar a estudar, procurar um emprego, ser a Andréia alegre de antigamente.

Ainda é moça e bonita, quem sabe, começa tudo de novo.

João Carlos, com raiva de Geni, não a procura mais. A moça, faz um aborto clandestino, passa mal e quase morre.

Andréia fica conhecendo a verdadeira personalidade do homem que amou por tanto tempo e que lhe pede mil desculpas, querendo salvar o casamento. Para ele, de grande representação social, e fingia que a amava.

Enquanto não sai o desquite, João Carlos continua em casa, portando-se como marido e dono, sem aceitar a separação.

Não se fala mais no nome de Geni, o que para Andréia já é um alívio. Começa a mudar seu tratamento com o marido. Quem sabe, foi um caso, uma fraqueza que acontece com a maioria dos homens.

O tempo vai passando e a situação do casal melhora. Andréia resolve aceitar esse deslize do marido e começa a crer que ele mudou realmente. Quer salvar o casamento e gosta realmente dela.

Andréia começa a ter até sonhos em ser mãe, o que sempre desejou.

Numa tarde, o carteiro do bairro entrega-lhe uma carta sem carimbo, com o seu endereço. Ela estranha um pouco, mas abre o envelope. Uma letra feminina, avisa-a para ir ao escritório, depois do expediente, na sala do marido, todos os dias, e ver o que acontece, quando tudo se fecha.

Andréia, cismada novamente, com o ciúme à flor da pele, o coração endurecido, vai buscá-lo após o trabalho, sem avisar.

Realmente, encontra uma moça bonita, toda arrumada, à sua espera.

João Carlos, muito sem graça, espantado, dispensa a moça e recebe a esposa, surpreso, mas bastante senhor da situação.

Andréia perde o controle, diante da nova traição e, nem espera que ele se explique ou abra a boca. Tira da bolsa um pequeno revólver que aprendeu a manejar e dá dois tiros no marido, que cai prontamente.

Quem continua no escritório corre até lá. Andréia não se mexe. Chamam uma ambulância que socorre João Carlos e a polícia, que leva Andréia até a Delegacia.

Dr. Valéria Sobral, advogada criminalista, é chamada, acompanha-a o detetive Jorge, e fica encarregada de interrogar a criminosa e conhecer os detalhes. Mais uma mulher que é vítima e faz a justiça com as próprias mãos ou alguém com instinto criminoso mesmo?

Andréia, recolhida para interrogatórios à Detenção Feminina, sente-se mal, sendo encaminhada à enfermaria, onde Valéria consegue vê-la.

Apresenta uma palidez estranha, uma certa apatia, como se não tivesse feito ou não soubesse de nada. Está em estado de choque e Valéria não consegue obter nenhuma resposta.

Pensa logo: mulher muito sofrida. Devo aguardar sua melhora. Não é uma criminosa comum. Seu instinto investigativo a adverte.

O tempo passa e Andréia vai se conscientizando aos poucos, do que fez, de sua necessidade da advogada, principalmente do lugar terrível em que se encontra.

Valéria, após algum tempo, volta a procurá-la, procura saber como está. Se já pode falar, responder algumas perguntas. Procura saber antes da situação do marido, a vítima, se realmente morreu ou não.

João Carlos, atingido na virilha e barriga, não morreu, mas encontra-se em estado grave, talvez se recupere, lentamente. Continua inconsciente do que aconteceu. Seu amigo, Dr. Paranhos, advogado da firma, aguarda ansioso para receber suas instruções.

Andréia, ao receber Valéria, sai do seu estado apático e mudo, sente na advogada um certo apoio e interesse na sua vida. Se é que pode ainda se considerar viva. A lembrança do que fez, do que lhe aconteceu, vai voltando.

Não pergunta sobre João Carlos, se o matou ou não.

Com visitas regulares, Valéria vai se inteirando dos problemas do casal e o que levou a esposa inocente e dócil ao uso de arma e ao crime. Sabe que será difícil defendê-la, todo crime merece ser punido, mas tentará lutar para uma explicação e abrandamento da pena.

Dr. Paranhos, ao contrário, aguarda instruções de João Carlos, já em condições de falar, para iniciar rápido julgamento e pena da mulher assassina. Quer considerá-lo uma vítima inocente nas mãos de uma mulher doente de ciúmes e violenta. Irá pedir sua punição.

A Justiça abre um processo, aproxima-se a data de um julgamento. Os advogados serão chamados, Dr. Valéria como defesa de Andréia e Dr. Paranhos, como a acusação.

Os dois, considerados amigos, cumprimentam-se calorosamente, quando se veem, mas sabem que, na hora do julgamento, lutarão habilmente, um contra o outro. Os jurados decidirão.

Aproxima-se a data, os advogados inteirados da situação, avisam seus interessados, João Carlos como vítima e Andréia, como tentativa de assassinato.

Valéria quer conversar com João Carlos, inteirá-lo da situação de sua cliente. Quanto mais forte a acusação, pior será o julgamento para Andréia. Compreende que os erros dele a levaram a essa fatalidade. A mudança do comportamento. Ao descontrole. Seria realmente essa a sua vontade? Penalizá-la? Sai, deixando um homem cabisbaixo e abatido pelos seus erros, salvo da morte pelos tiros inexperientes de uma mulher que o amou e a quem prometeu cuidar.

Arrependido, chama seu advogado e quer que retire a acusação.

O tempo, novamente, mais amigo que inimigo do homem, nos mostra Dr. Valéria esperando uma Andréia, muito magra, envelhecida, com a mágoa e a desesperança no olhar, saindo da Detenção Feminina. Livre, sim, mas com dificuldades, agora, em reiniciar a vida.

 

 Episódio III

 O INESPERADO!



Valéria Sobral, conhecida advogada criminalista, junto a seu fiel escudeiro, o detetive Jorge, auxiliar nas investigações, resolve tirar férias.

Aconselhada pelo médico, devido ao excesso de trabalho e com os nervos à flor da pele, marca uma excursão à Europa, para visitar alguns portos pitorescos dos países que sonha conhecer.

Reconhece que anda com o temperamento diferente, muito impaciente e desconfiada de tudo e todos. Até Afonso, o homem que sempre amou, não anda suportando muito, ultimamente.

Deixa o escritório com Jorge e embarca no aeroporto de Guarulhos, para a Inglaterra, de onde vai em direção à Dinamarca; tomariam um navio em direção aos vários portos que margeiam o mar Báltico.

São lugares pouco divulgados e de formação muito antiga, descendentes dos primeiros habitantes europeus, que despertam o interesse e o espírito investigativo de Valéria, já curiosa.

No porto de Copenhague, embarca, em excursão, no colossal Voyager, um navio branco, semelhante a um enorme prédio de quinze andares, com capacidade para cinco mil passageiros, rumo ao primeiro porto Warnemunde, na Alemanha.

O enorme gigante branco desliza suavemente pelas águas calmas, acinzentadas, numa manhã fria para os brasileiros, que saem do inverno e buscam o início do verão europeu. Seu navegar é tão calmo que dá a impressão de estar parado, mas caminha, lentamente, aos portos do seu destino.

Passageiros de várias nacionalidades percorrem-no constantemente. São restaurantes, lojas, jogos de todos os tipos, piscinas, divertimentos e comidas, para todos os gostos.

Valéria, distraída e encantada, observa com olhar menos investigativo e mais criativo, curiosa, essa primeira aventura marítima.

Os passageiros, em grande número, na maioria orientais, predominam entre poucos brasileiros e norte-americanos.

Aos poucos, a investigadora vai se enturmando, conhece o casal Alberto e Antonia, ele, um colecionador de selos, mais interessado neles, para conhecer os diferentes lugares.

Uma brasileira simpática, com quem divide seu camarote, Tina, torna-se a companhia constante, para todas as horas. Logo iniciam conversas alegres e frequentam os lugares mais agitados. As músicas, as danças, os shows musicais que atraem e divertem.

Valéria observa com atenção o rapaz da Indonésia que as serve no camarote. Muito simpático, conversador, embora de difícil entendimento, linguagem muito diferente, procura servi-las com excessiva amabilidade e prepara as toalhas de banho com desenhos diferentes. Ora um coelho, ora uma ave, um gatinho ou cachorrinho. Bem-feitos e delicados, difíceis de desmanchar.

Dizia chamar-se Jean, e permanecia sempre às ordens, a serviço delas. Cada setor do navio deveria ter o seu ajudante.

Os dias transcorrem e, quando percebem, já estão às margens do antigo porto alemão de Warnemunde. Bonito observá-lo através da varanda do camarote do navio, que tenta atracar o mais perto possível.

Nessa primeira visita, impressiona-se com a civilização que habita no porto. Muitas lojinhas de vendas típicas, bares com delicioso chope, novidades em habitação. Casas pequenas com enfeites marítimos denunciam moradas de marujos e famílias.

Todas as janelas foram enfeitadas com cortinas de renda e pequenos bichos de louça. Corre um boato entre o povo: quando cachorrinhos estão expostos na janela, significa que o dono da casa está no mar e as moçoilas da casa, mais dispostas…

Mexericos engraçados para divertir os visitantes são inúmeros, e Valéria, distraída, esquece-se, temporariamente, das suas atividades.

Tiveram algumas preocupações, quando perceberam que o verão deles é semelhante ao nosso inverno, correndo todos a comprar agasalhos.

Dona Antonia, sem o marido, acostumada com suas fugidas aos correios em busca de selos, acompanha Tina e Valéria em suas andanças. Senhor Alberto, perde-se entre os lugares estranhos e causa grande preocupação a todos, pois não chega a tempo para o embarque. Quase o perde, chegando num táxi para noivos, que encontrou pelo caminho, bastante enraivecido e nervoso, por sair muito caro, em euros.

Todos deram muitas risadas, às escondidas, e o grande Voyager continua seu rumo. Agora em direção a Tallin, na Estônia.

Valéria e Tina preparam-se para as boas novidades que o navio oferece.

A investigadora repara que Jean ainda não apareceu no camarote, enquanto saíram. Nenhuma figura de toalhas enfeita suas camas.

Comenta com a colega sobre isso: “Vai ver que ficou descansando!”

No dia seguinte, aparece um novo auxiliar porto-riquenho, e diz que Jean foi transferido para outros camarotes.

As moças sentem, gostavam de suas brincadeiras, mas navio é assim mesmo, acham.

Novo dia inteiro a bordo, e Tina, cansada da comida self-service, em excesso, convida Valéria para um restaurante mais chique, a bordo. Tomam uma sopa de cebola, feita à moda europeia, com pedaços de cebolas cozidas, temperadas com sal. Nenhum outro ingrediente, diferente das nossas. A seguir, peixe frito com batatas, que elas apreciam muito.

À noite, enquanto Tina pega logo no sono, Valéria fica desperta, não consegue dormir. Escuta uns trovões que prenunciam grossa tempestade. Amedronta-se um pouco, com os balanços repentinos que sofre o sossegado navegar da embarcação.

Lembra-se vagamente do pouco tempo que morou com a avó, das suas primeiras preces, e pensou em Deus. Coisa rara em sua vida.

De repente, escuta também, olhando através do vidro do camarote, um barulho estranho, como se alguém tivesse caído ou jogado ao mar, no camarote vizinho. Acha estranho e, devido à sua prática, logo suspeita de algum suicídio ou um cadáver.

Assustada, tenta abrir o vidro do terraço, mas a chuva forte a amedronta, e o barulho, ao lado, cessa rápido.

Acorda Tina que, sonolenta, manda-a dormir. Com certeza, sonhou ou a sopa de cebola não lhe caiu bem.

De manhã, com Valéria meio indisposta, Tina sai pelos arredores do navio. Indaga se houve alguma coisa à noite, mas ninguém ouviu nada. Nenhum comentário.

Valéria levanta mais tarde, ainda um pouco atordoada, e sobe ao andar dos refeitórios, em busca de um café.

Percebe, pelas escadas, um ligeiro cochicho entre alguns empregados que, ao vê-la, se interrompem e dispersam. Acha um pouco estranho, acostumada com comportamentos duvidosos.

Toma seu café e dá umas voltas pelos andares, com camarotes lotados.

Procura examinar todas as dependências do navio. Os lugares mais visitados pelos passageiros, com restaurantes, lojas e entretenimentos, e os mais vazios, só para os que trabalham nele.

Também o lugar das máquinas, dos marujos, guardas costeiros, comandante, etc.

Repara que os empregados do navio, que cuidam de sua limpeza, dormem em camarotes diferentes, menores, um pouco amontoados, com pequenos banheiros entre eles, para uso coletivo.

Sua presença desperta a curiosidade de alguns que estão ali.

Uma mulher idosa, cheia de toalhas e lençóis nos braços, aproxima-se de um grande local semelhante às lavanderias. Valéria tenta aproximar-se dela.

Ao vê-la, a mulher recua, assustada.

Valéria, com simpatia, cumprimenta-a e pergunta, em espanhol, a sua linguagem.

Ela sorri e responde em português: “A senhora precisa de algo? Falo português, sou brasileira!”

Valéria logo pensa, com satisfação, caiu a mosca na sopa!

Que ótima coincidência!

— Sou também brasileira, a passeio, responde, e procura fazer amizade com a patrícia, tão distante.

Aos poucos, com habilidade, Valéria conversa com a mulher que, contente, diz chamar-se Anita, casada com o alemão Hans, marinheiro que conheceu no Brasil. Quando ele sai para o mar e é temporada, ela emprega-se para trabalhar no navio.

Sente-se feliz com a vida que escolheu, mas o marido ganha pouco e, para auxiliá-lo, dedica-se à lavanderia, nas excursões marítimas. Tem paixão pelo mar.

Conversa vai, conversa vem, entre mulheres alegres por serem conterrâneas, a investigadora pergunta se conhece bem todos que trabalham no navio.

Anita afirma que não, a mudança é constante, muitos imigrantes, vindos de todos os lugares do mundo.

Valéria pergunta se costuma fazer amizade com todos, e, em geral, se comunicam bem?

Anita responde que todos necessitam do emprego e procuram cumprir bem as obrigações, a não ser quando contratam alguém… e aí para de falar, sentindo que falou demais.

Valéria percebe sua interrupção e insiste, a não ser o quê?…

A mulher, meio sem graça, responde: a não ser quando não conhecem bem os antecedentes das pessoas, a falta de prática, não sei bem. E, fica quieta.

Valéria pergunta à Anita se houve alguma briga ou acontecimento na noite anterior. Se ouviu alguma coisa.

Por quê? — a mulher pergunta, deixando cair as roupas no chão.

— Porque ouvi, na noite passada, uns barulhos estranhos e fiquei desconfiada — Valéria responde.

Anita diz que deve ter sido a chuva. O navio fica barulhento mesmo, junto ao mar.

Valéria resolve abrir-se com a lavadeira da embarcação. Conta, principalmente, a falta do cuidador Jean.

Anita estremece e fala que houve mesmo uma briga entre Jean e um tal de russo, Sergei, um sujeito de cara amarrada, usuário de drogas, encarado como suspeito pelas autoridades policiais do navio. Só esperam chegar ao novo porto, para entregá-lo às autoridades.

A briga foi mortal? — Pergunta Valéria.

— Não sei — responde Anita — mas acho que foi grave porque Jean desapareceu. Estamos proibidos de falar no assunto, para não atrapalhar a viagem. Falo com a Senhora porque viu alguma coisa e perguntou. Posso encaminhá-la ao Comandante? Ele lhe explicará melhor!

Valéria agradeceu a Anita, despediu-se e dirigiu-se ao Comandante, apresentando-se como advogada e pessoa que alega ter visto alguma coisa.

Intimamente, pensa sozinha: “Viajo para me distrair e não tenho direito a isso! Essa profissão parece que atrai coisa ruim ou sou destinada a observar tudo que acontece nesse mundo!”

Coloca-se à disposição do Comandante para auxiliar no trabalho investigativo. Jean teria sido morto e jogado ao mar. Tudo indicava a presença de Sergei no crime. As causas poderiam ser inúmeras e caberia à polícia costeira, essa investigação.

Nossa advogada pode terminar a sua viagem, mas não tão calma e prazerosa como pretendia.

Despede-se dos amigos que conquistou. Volta para casa, saudosa dos seus, do escritório e de Afonso, seu verdadeiro porto!

 


Episódio IV


E O NATAL SE APROXIMA...

 

 

Valéria, ao voltar do cruzeiro de férias, passa horas sentada em sua poltrona predileta, procura se lembrar das horas mais agradáveis e esquecer as tristes. Agarrada ao seu xale predileto e ao amado cãozinho Puc, descansa, calmamente, tentando recompor as energias gastas com seu eterno trabalho, defensora e investigadora da verdade humana.

Olha distraída o calendário próximo ao telefone e repara que a festa do Natal está chegando.

Natal, lembra-se vagamente dos seus.

Vem à memória a lembrança da querida avó Vitória, uma presença constante no Natal.

Quando pequena, com a morte da mãe, seu pai em trabalho excessivo, para esquecer a esposa amada, é criada pela avó, que a mimou e acarinhou enquanto viveu.

Com ela, aprendeu as orações costumeiras e como festejar, durante o ano, cada festa que chegava.

Na Páscoa, escondia ovinhos pelo quintal e fazia com que os procurasse, em vários lugares, dizendo que o coelho andou por ali. Colocava-os nos lugares mais estranhos, fazendo-a exercitar muito a imaginação e dar muitas risadas. Lembra-se de um ovo que achou, com dificuldade, embrulhado numa folha de árvore e pregado no varal de roupa. Estava acima de sua cabeça e não percebia.

Nos seus aniversários, não faltavam as crianças da rua, com mesa colorida de doces gostosos e o famoso bolo, ornamentado com velinhas acesas. Era mesmo uma alegria, a casa com bolas de gás pelas paredes, seu nome com letras douradas, caprichosamente desenhadas, e as risadas das crianças de boca cheia de brigadeiros, tentando furar as bolas mais altas.

Muitos presentes sobre a sua cama, desde coisas simples até os mais caros, dados por ela e o pai.

Ah! Vovó Vitória! Muita saudade! A lembrança predileta de sua infância!

Das festas, a que considerava importante, maior que todas, era o Natal.

Acho que pelo aspecto religioso, lembra Valéria, vovó Vitória era muito religiosa. Havia até um oratório, em casa, onde orava e acendia suas lamparinas.

Costumava preparar as festas de Natal com muita antecedência, tanto nos enfeites, presentes e comidas.

Quando foi interna em colégio de freiras, para completar os estudos, e vovó Vitória envelheceu muito, esperava-a, ansiosamente, no Natal.

Achava forças para ornamentar a casa como antes, com belas flores e bolas coloridas, colocava luzinhas que acendiam e apagavam constantemente, até nas escadas que levavam aos dormitórios do sobrado.

Fazia o Honório, um feirante conhecido, trazer-lhe o mais lindo e alto pinheiro que estivesse à venda, para transformá-lo na mais bonita árvore de Natal.

Eram luzes coloridas, bolas, enfeites de várias formas, deixando os mais bonitos para a neta colocar, quando chegasse.

Havia uma estrela prateada, de brilho cativante, que Valéria colocava em cima de todos, na noite de Natal. Apagavam-se as luzes e só a árvore brilhava, com a bela estrela resplandecendo como se fosse a noite de fora entrando na sala.

Querida Vovó, como a esperava com tanto carinho e alegria. Sabia preparar o peru de Natal, como ninguém.

Criava-os especialmente para o Natal. Era costume, nas casas. Toda mulher, do lar, fazia isso, sabia matar a ave e assar com batatas e farofa. Ninguém podia comê-lo, antes de assistir à missa do galo, tão comum naquela época. Era a sua maneira de homenagearmos o nascimento de Jesus.

E tínhamos muito respeito com isso, pensa Valéria, com saudade.

Lembra que se emocionava com as músicas que cantavam durante a missa, não faltando o jingle Bell.

Depois chegavam em casa, ceavam com muitos familiares e amigos convidados e, finalmente, a distribuição dos presentes.

Uma hora muito divertida, com momentos de risadas e brincadeiras. Eram presentes engraçados e os mais curiosos possíveis.

Os anos passaram rápido, vovó envelheceu muito, já não lembrava mais quando era a época do Natal.

Quando Valéria, mocinha, vinha do colégio, quase formada, era ela quem fazia um pequeno Natal para vovó. Procurava montar o pequeno presépio embaixo da árvore, para que ela não se esquecesse da data considerada tão importante.

Vovó Vitória, que lembrança saudosa. Depois que faleceu, Valéria nunca mais se importou com o Natal. Não tinha mais tempo para isso.

Seus estudos, seu trabalho, seu pai, foram, então, as preocupações constantes. Mais tarde, a profissão de advogada criminalista e investigadora em busca da verdade humana e as causas que a impediam de aparecer, tornou-se a preocupação principal da sua vida. Todo o passado esquecido.

Os Natais perderam o significado, ficaram festas, mais pobres, pobres de amor.

Neste ano, pensa Valéria, realizarei um Natal diferente, lembrar o que aprendi com vovó Vitória, convidar meus poucos amigos e familiares, Joel e família, Afonso, o meu apaixonado, e terei um belo Natal, cheio de fé, paz e amor!

 

 

 Episódio V

SABEDORIA


Valéria, dispensada de suas funções, foi indicada pelo juiz do Supremo Tribunal como responsável e capaz para assistir a um curso e dar aulas para advogados iniciantes.

O assunto era sobre direitos e deveres da família, Legislação da Vara Familiar.

Achou interessante ela e Joel frequentarem e esquecerem momentaneamente os assuntos criminais.

Ultimamente, as investigações a estavam cansando muito, embora fosse considerada ótima advogada nesse assunto.

Ouvir e estudar sobre problemas familiares, direitos e defesas das mulheres e dos filhos, as causas das separações e dos divórcios, a atraiam também.

Por incrível que pareça, durante o curso, tornou-se amiga de um Pastor Evangélico, Paulo Amorim Resende, encarregado pela igreja Cristãos do Novo Mundo, a acalmar ou tentar reconciliar casais em brigas, ou separações.

Espantou-se muito ao vê-lo entre os advogados, estudando, mas foi entendendo. Precisa conhecer o assunto e basear-se nas leis competentes. Conhecia bem as leis de Deus, mas queria saber, na prática, a lei dos homens. Quais os direitos e deveres do homem, baseados na legislação brasileira.

Curiosa, Valéria começou a gostar muito do Pastor Paulo. Olhar a religião baseada na Bíblia, principalmente nos ensinamentos de Jesus, com atenção e interesse também para a prática na advocacia.

Sempre procurou agir com seriedade e justiça. Considera-se uma pessoa sensível e humana, que busca a verdade sempre na profissão, embora sem conhecimento religioso.

Começa a interessar-se pelo assunto, também.

Pastor Paulo, quando a conhece melhor, amplia seu estudo e lê para ela algumas passagens bíblicas referentes à justiça, contidas no Antigo e Novo Testamento.

Valéria o ouve com bastante atenção, principalmente quando, juntos, ele lê um salmo de Davi, do Antigo Testamento, O Cidadão dos Céus! Salmos 15.

“Quem, Senhor, habitará no Teu Tabernáculo?

Quem há de morar no Teu Santo Monte?

O que vive com integridade, e pratica a justiça, e de coração, fala a verdade;

O que não difama com sua língua,

Não faz mal ao próximo, nem lança injúria contra o seu vizinho; o que, a seus olhos, tem por desprezível ao réprobo, mas honra aos que temem ao Senhor; o que jura com dano próprio e não se retrata; o que não empresta o seu dinheiro com usura, nem aceita suborno contra o inocente.

Quem deste modo procede não será jamais abalado. ”

Pastor Paulo termina de ler e percebe em Valéria grande comoção. Está impressionada como essas afirmações foram respeitadas e seguidas, num tempo tão antigo da civilização dos homens, anterior ao ano um da era cristã, antes da vinda de Jesus Cristo, o menino Deus do seu Natal, na infância.

Começa a compreender o respeito e o valor que certas pessoas dão à Religião e às suas Igrejas. Como a Boa-Fé em Deus auxilia as pessoas a viver melhor, a deixar o mundo melhor, em Paz, a amar mais o seu próximo.



Episódio VI

COMPLICAÇÕES DE AMOR!


 

Valéria Sobral, já nossa conhecida, renomada investigadora, após fazer seu curso para orientação aos advogados iniciantes, como já foi dito antes, encantou-se com novos conhecimentos bíblicos, sobre as regras e leis seguidas e orientadas aos povos antigos, tão necessárias também agora. Tornou-se grande amiga do Pastor Paulo e resolveu influenciar também Afonso, seu namorado apaixonado, para que legalizassem a própria situação. Como divorciado, poderia unir-se a um novo matrimônio, considerado legal.

Quando estavam já entusiasmados com uma nova união, Valéria recebe a visita de Clarice, a primeira esposa de Afonso, sua antiga amiga de infância. Muito surpresa e espantada com a separação total do marido, afirma que é pai de três filhos. Chorosa, pede à Valéria para pensar melhor no assunto, uma vez que ele não paga pensão alta e ela mal consegue manter seus filhos. Vivem em grande dificuldade. A falta da presença do marido, como esposo e pai, também dificulta muito a felicidade de todos.

Casado com Valéria, então, as visitas serão muito esparsas, se é que não acabem de vez.

Enfim, diante da Clarice, chorosa e lamuriosa, Valéria começa a sentir-se um pouco culpada pelo seu entusiasmo e, embora tenha certeza do amor de Afonso por ela, promete pensar melhor na situação dos dois. O problema não será financeiro, mas a emoção dos dois irá distraí-lo, com certeza.

Cabisbaixa, pensativa, sentindo-se como se fosse uma ladra de marido alheio, pai ainda de três filhos, anda em dúvida sobre como agir, logo agora que está se envolvendo e gostando do Cristianismo. Talvez o Pastor Paulo a oriente a respeito.

Para seu espanto, o amigo Paulo manda-a distrair-se um pouco, não se envolver demais com o problema de Clarice, no momento. Procurar afastar-se de problemas pessoais e, principalmente, da pesada profissão.

Alguns amigos de Valéria, da delegacia, recebem um convite especial para assistir à ópera La Traviata, de Giuseppe Verdi, escrita em 1865. Será encenada no Teatro Municipal, por cantores vindos da Itália.

Todos ficam entusiasmados em comparecer e Valéria, que nunca teve tempo para assistir óperas, fica também. Quem sabe, com a encenação e a música, volta mais animada e aprende alguma coisa. Afinal, toda ópera ou música de amor é um pouco trágica mesmo e fornece ideias.

Veste-se elegantemente e acompanha os colegas, animados.

O lugar reservado a eles é especial, de grande visibilidade.

Inicia-se o primeiro ato, com excelentes tenores, vozes líricas e música maravilhosa.

A figura feminina principal faz o papel de uma cortesã francesa, de saúde frágil, mas que gosta de festas, bailes e todos os prazeres que a vida oferece.

Conhece e apaixona-se por um homem de alta sociedade, sendo também loucamente correspondida. Iniciam romance, entre várias indecisões dela, não achando que está à sua altura.

Seus nomes logo chamam a atenção de Valéria. Por coincidência, de um casal de tios seus, Alfredo e Violeta, já falecidos, que foram muito felizes.

Lentamente, envolve-se com a história do casal, que decide morar junto num sítio de Alfredo.

Ele descobre que está mal de vida, talvez dinheiro gasto em vida mundana e social, mas promete dar jeito na situação. Violeta mantém-se apaixonada e continua ao seu lado.

Como sempre acontece nas histórias de amor, nada dura para sempre e Violeta é atormentada pela visita do pai de Alfredo que, às escondidas, lhe pede para largar o filho e deixá-lo livre para voltar à Florença e viver junto a ele e sua querida irmã, jovem inocente ainda.

Violeta, desesperada e sentindo-se mais doente, devido à grande insistência do pai, jura abandonar Alfredo e ir embora para Paris. Voltar à vida de cortesã e frequentar novamente as festas e bailes da sociedade, enquanto puder. Deixa uma carta escrita para Alfredo e toma uma carruagem, deixando-o.

Alfredo, quando chega, lê a carta e, atordoado, pensa que foi abandonado por Violeta, que prefere a vida de cortesã. Encontra também um convite para uma festa e vai atrás dela, humilhando-a em público, no que é repreendido até pelo pai.

Com o tempo, Violeta perdoa-o, mas sua doença piora e, acamada, não sai mais de casa. Alfredo chega, para sua alegria, mas morre nos braços dele, seu único e verdadeiro amor.

Valéria, emocionada pela representação dos atores tenores e pelo assunto triste, aplaude também de pé, como todos, mas nada acrescenta, essa história triste, à sua.

A única coisa que pensa é como o amor pode deixar as pessoas sofridas, apaixonadas e até meio loucas, quando não acontece na idade normal, na situação normal, quando envolve outras pessoas.

Acha melhor voltar ao seu trabalho como advogada, o de sempre, e deixar Afonso decidir a melhor maneira. Não mais o influenciar. Essa ópera foi escrita em 1865, mas os problemas, no amor, parecem continuar os mesmos, quando muito apaixonados.

Afinal, pode até ser que entre eles, tudo dê razoavelmente certo, pelo menos, doente, ela ainda não está.

Deixará o tempo, esse grande aliado, resolver entre eles. Nada feito às pressas para não ferir ninguém.

 


Episódio VII

E A JUSTIÇA PREVALECE!

 

Giuseppe Marano, é italiano, tem hoje 56 anos.

Em 2005, seu automóvel desgovernado rolou pela ribanceira que dava no mar. O homem foi lançado para fora do veículo, pelo vidro frontal, e o carro, já em chamas, explodiu espirrando os destroços no oceano.

Giuseppe ficou enroscado na encosta. Como estava sozinho naquele trecho de estrada, ninguém viu o automóvel cair. Não fosse a explosão e um estudo da parábola da queda, seria impossível calcular que um homem estaria instalado numa fenda da rocha.

Mas, quem investigou e descobriu o homem entrincheirado nas rochas, foi uma competente detetive criminalista, investigadora e advogada, VALÉRIA SOBRAL.

Quem era aquele homem? Não portava documentos, nem celular, nenhum sinal que o ligasse a alguém ou a alguma coisa.

Ele sofreu inúmeras fraturas importantes. Foi socorrido após horas, devido à dificuldade de acesso. Estava vivo, mas inconsciente. Foi levado para o hospital, passou por dezenas de cirurgias, mesmo desacordado. O estado de coma o manteve em silêncio por longos nove anos.

Nesse período, a detetive trabalhou em sua identificação. E foi aí que descobriu que ninguém reclamou sua falta, procurou por sua identidade, mesmo através da publicação do acidente e da sua vida em coma. Nada obteve.

Espantada, com isso, chegou à fácil conclusão de que sua morte foi provocada. Alguém queria vê-lo morto. Quem seria? Por quê?

Nenhum parente, amigo ou conhecido, apareceu, preocupado. Um silêncio estranho.

Giuseppe era um homem moço, forte, deveria ter família, amigos, alguém, enfim, que o conhecesse. Não era um indigente. Isso era preocupante. Verdadeiro mistério.

Saiu do estado de coma em 2014, recobrando parcialmente a memória. Alguns relatos de sua vida anterior, alguns nomes mais íntimos, conseguia pronunciar. Não sabia bem quando aconteceram nem quem eram, mas a memória, vagamente, ia voltando.

A detetive Valéria Sobral, sem abandonar o caso, que sempre a intrigou, conseguiu, por meio de constantes buscas, identificar seu nome pela placa do carro afundado que apareceu à tona, alguns meses antes.

Mesmo divulgando seu nome, não recebe nenhuma informação. Muito tempo passou ou não queriam se identificar.

Quando Giuseppe volta a si, sai do estado comatoso, manda noticiar novamente nos jornais e meios de publicação.

Surgem, então, aos poucos, algumas pessoas, sedentas de informações a respeito dele, demonstrando saber quem era e de onde vinha.

Valéria Sobral faz questão de conhecer cada um e realiza pequenas entrevistas. De repente, desperta estranho interesse a vida de Giuseppe.

Descobre aos poucos que ele era filho único, de pais falecidos, criado por um avô, Paolo Giuseppe Marano, um fazendeiro, muito rico em bens e plantações, mas de vida bastante reclusa. Vivia exclusivamente para si e o neto Giuseppe, que nomeou único herdeiro.

Com sua morte, o neto foi importunado constantemente por primos e parentes afastados, interessados em abocanhar parte da herança.

Como não tinham direito legal, enraivecidos, tentaram de todas as maneiras anular o testamento do avô, havendo brigas sérias com o herdeiro.

Valéria, aos poucos, foi se inteirando do assunto familiar, devido à visita amigável de uma atendente da fazenda, Maria do Rosário, que ajudou na criação de Giuseppe e acreditava-o morto. Não quis meter-se na complicação familiar, após o acidente. Continuou a trabalhar na fazenda, meio abandonada, de vez em quando visitada por alguém da família, para verificar o estado. Ninguém a ocupou, talvez, pensa Valéria, porque sabiam que Giuseppe ainda vivia.

Ele vai, aos poucos, melhorando. Toma conhecimento de sua casa, uma fazenda, com meios e bens para continuação do tratamento.

Vem visitá-lo Honório, o administrador, muito contente em vê-lo vivo e meio lúcido, chamando-o de patrão e colocando-se à sua disposição. Continuava, com Maria do Rosário, morando e cuidando da fazenda, em memória dele, que pensou ter morrido, e do avô, a quem devia favores.

Giuseppe, ao vê-lo, um amigo do passado, demonstra reconhecê-lo e, pela primeira vez, derrama uma lágrima dos olhos arregalados com tudo. Demonstra ter sentimento com relação à vida que teve. O coração adormecido esboça pequenas reações.

Sabedores de suas sensíveis melhoras, alguns parentes próximos se achegam, em frequentes visitas ao quase falecido.

Tido como morto, para a maioria, os mais interessados em sua melhora aparecem.

Márcia, uma prima em segundo grau, chorosa e emocionada, vem visitá-lo com mais frequência.

Interrogada por Valéria, afirma haverem sido quase noivos, não tendo tempo de oficializar o noivado, com seu desaparecimento. Não soube que o acidente havia sido com ele.

A detetive sente que Márcia é conhecedora de informações. Acha melhor interrogá-la mais vezes, com habilidade, para não afugentá-la. Percebe que teve intimidade com o paciente e talvez forneça algumas respostas de que necessita.

Giuseppe não demonstra sinais aparentes em reconhecê-la, mas aceita-a como visita agradável, curioso em saber algo sobre quem é e como foi.

Aparece também no hospital, em presença de Valéria, a figura de um tabelião, antigo amigo do avô falecido, Dr. Aparício Neves, que cuidou sempre dos bens da família. Pessoa de confiança, não descartou a possibilidade da presença do herdeiro para estabelecer a herança, enquanto não soubesse a verdade, desaparecido ou morto.

Dr. Aparício sofreu muita insistência da família e dos primos para distribuir o dinheiro deixado pelo avô, mas, sem a verdade concreta, ignorou o assunto, até a saída do coma. Fica sabendo que sobreviveu a um acidente, o legítimo herdeiro.

Valéria Sobral esconde as investigações e desconfianças e procura conhecê-los melhor antes de levantar qualquer suspeita. Aparentemente, é um caso normal de recuperação de memória, localizado pela família, após anos, mas o que a intriga é essa aproximação e busca, a procura, agora. O desinteresse na pessoa dele ou o medo, talvez, quando aconteceu…

Procura conversar com Aparício Neves. Quem, na família, tinha maior interesse ou revolta no dinheiro deixado para Giuseppe?

O tabelião, espantado, finge certo constrangimento e pensa: “logo agora que a situação se resolve!” Mas, sente-se no dever de atendê-la.

Convida Valéria para um atendimento particular, em seu escritório.

Enquanto isso, Giuseppe, auxiliado por Maria do Rosário e Márcia, recebe alta e volta à fazenda, curioso e receoso com o que irá encontrar, mas cheio de esperança.

Desgosta-o um pouco a insistente presença de Márcia, mas sabe que a necessita no momento atual. É incapaz de ficar só.

Valéria comparece ao escritório de Aparício e lhe pergunta sobre o resultado havido na família, quando leu o testamento de Paolo Giuseppe Marano. Só um herdeiro.

O tabelião se lembra de que foi realmente um susto e consequente tumulto. O mais questionador e briguento, que queria logo anular o testamento, foi o Sr. Cláudio, neto direto também do falecido, filho de uma filha de Paolo que o havia abandonado em mocinha; fugiu com um capataz da fazenda e nunca mais voltou a procurar o pai. Cláudio, após o falecimento da mãe, procura o avô materno e tenta um relacionamento.

Paolo, sabendo da origem desse novo neto, conhece seu tipo de vida desregrada, dado a jogatinas em cavalos. Não o aprecia muito e sente que é procurado apenas pelo dinheiro e pelos cavalos que cria na fazenda, de belo porte. Logo percebe um interesse em explorá-lo. Tira-o do testamento, juntamente com outros familiares, que só o visitam quando em necessidade.

O único neto que mereceu sua fortuna, em quem confiou e amou, foi Giuseppe, que criou.

Valéria já imagina a reação de todos diante do tabelião. Raiva, ressentimento, ódio, inveja, mesmo deve ter sofrido o único herdeiro da fortuna. O dinheiro, sempre o dinheiro, eterno causador dos grandes ataques, crimes e mortes. Já tinha base suficiente para iniciar a investigação. Como? Quem? Seria difícil, depois de nove anos. Um desastre que não deixou vestígios materiais, só uma consequência humana, grave. Iria necessitar muito que Giuseppe recuperasse totalmente a memória.

O tempo, esse companheiro inseparável, sem intervalos, segue a eterna marcha. Giuseppe, cada dia, uma novidade, aprende a conviver com as incapacidades e vai dominando-as.

Com o auxílio de Honório, integra-se novamente nas atividades da fazenda. As visitas ao médico diminuíram e a presença de Márcia, uma constante. Afeiçoa-se à prima e torna-se dependente.

Valéria Sobral, a investigadora, disfarça e cessa um pouco as visitas e preocupações. Na realidade, não desiste, e pesquisa agora como está a vida dos familiares que eram interessados na herança. Primo Cláudio, o maior objetivo. Intuição, talvez, ou experiência.

Giuseppe, ao lado de Márcia, realiza grandes passeios pela fazenda, encanta-se com tudo. Para ele, a vida recomeça e sente novidade em cada canto que vê. Os belos cavalos, bem cuidados por Honório, as montanhas distantes, a plantação do trigo, de brilho dourado ao sol escaldante, viva, que cresce com Maria do Rosário e alguns colonos, moradores locais.  Ele assemelha-se a uma criança, em fase de crescimento. Até a montar e cavalgar pelos arredores, inicia-se novo aprendizado.

Tenta lembrar-se do avô, a quem deve tudo que tem, mas ainda não consegue. Passa horas olhando seu retrato na grande sala de jantar.  Observa fotos de um álbum escondido na gaveta, medita, dá tratos à memória, sem grandes resultados.

Folheava um grosso livro, empoeirado, numa estante do escritório do avô, que Maria do Rosário dizia ser a sua leitura predileta. Uma espécie de diário e história da fazenda: “ A fazenda Arco Iris e Minha vida!”. O avô, então, era um escritor. Pensa logo: Vai me ajudar muito.

Começa a ler as primeiras páginas, interessado, no começo de vida do avô, suas primeiras conquistas, formação da fazenda e da família. Toma conhecimento de quem foram seus pais, como morreram, o porquê de sua criação pelo avô. Tudo isso vai lhe abrindo mais a mente, dando-lhe maiores conhecimentos. Atrai vagas lembranças.

De repente, uma foto cai do meio do livro e lhe chama a atenção: a figura de Márcia, abraçada a Cláudio, o outro neto, como se fossem namorados ou noivos. Acha estranho e, curioso, pergunta à Maria do Rosário. Márcia era sua noiva ou do seu primo?

Maria do Rosário, encabulada, responde-lhe não saber direito. Acha que tiveram um namorico, sim, meio para desgosto do avô, que não os apreciava. Era parente distante e não aconselhava casamentos entre pessoas, de mesmo sangue. Enfim, não gostava do comportamento dos dois.

Queria-os longe dele. Márcia, tentando agradá-lo, desfaz o namoro, mas aproxima-se do neto preferido, desagradando ainda mais o idoso.

Giuseppe sente que a moça não lhe foi tão fiel como afirma, demonstra ser amiga, mas não deve ter sido. Já é conhecedor dos problemas que sua herança causou, principalmente no primo Cláudio. Começa a se preocupar também com as causas do acidente.

Sente-se perturbado, muita informação no momento. Fecha o livro e continua a vivenciar os dias, normalmente.

Valéria Sobral, aparece para uma visita a Giuseppe, ver como está se adaptando à vida, novamente.

Ele, satisfeito, mostra-lhe o diário do avô, que está lendo aos poucos, mostrando também a foto do primo e Márcia.

A detetive, curiosa, examina atentamente a foto dos dois e procura a data, no verso. Um ano antes da morte do avô. Como o acidente de Giuseppe parece ter ocorrido meses depois da leitura do inventário, o noivado com ele foi de curta duração.

Pede a Giuseppe para ficar com a foto e arquivá-la às suas investigações. Ele, também meio desconfiado, a entrega.

Valéria, cada vez mais cismada em elucidar esse caso, que desconfia, achará provas.

Vai para o escritório e lê, novamente, tudo que se relaciona ao acidente. Muito pouco a saber.

Que Giuseppe continue recuperando a memória e descobrindo mais provas.

A família continua a visitar o primo recém-saído do coma, muitos não souberam do acidente na época, simplesmente acharam que tinha sumido, viajado para longe, gastar sua fortuna.

Cláudio, o primo rebelde, aparece também para mostrar-lhe o carro novo, recém adquirido, seu orgulho. A vida dele continua em altos e baixos, às vezes livre das dívidas, quando ganha nos cavalos e, quase sempre, endividado, o que mais acontece.

Convida Giuseppe para dar uma volta pela fazenda e conhecer as novidades do veículo.

Giuseppe, temeroso, de locomoção só teve ambulância, treme um pouco, mas resolve não dar demonstrações e senta-se ao lado de Cláudio.

Este, satisfeito, dá um arranco e dispara pelas estradas que circundam a fazenda. Demonstra a grande potência do motor.

Giuseppe, assusta-se, olha para o primo e grita. Uma vaca escapa do cercado e Cláudio faz um desvio brusco, quase a apanha.

Com o esforço, o carro para em cima de um barranco.

Os dois primos suspiram. Cláudio tenta acelerar novamente e voltar à fazenda. Olha, tímido, para Giuseppe e percebe que o primo está muito branco, quase a desfalecer. Retorna rápido e pede desculpas à Maria do Rosário, que acha melhor chamar o médico.

Giuseppe é colocado na cama e o primo, discretamente, vai embora.

Dr. Roberto, o médico conhecido da família, examina Giuseppe e percebe que foi mais o susto, lembranças do acidente que teve e aplica-lhe uma injeção calmante, que o faz dormir.

Márcia e Maria do Rosário, preocupadas, o observam constantemente, aflitas, e ele dorme, com momentos de agitação.

Dorme e tem um sonho estranho. Uma mulher lhe aparece, dizendo ser sua mãe, e vem ajudá-lo a se lembrar do passado. Afirma, suavemente:

“Sai da casa de Márcia, na cidade, numa noite escura e volta para a fazenda, pelo caminho de sempre, a estrada de terra. Não em grande velocidade, pensa na festa de noivado que está próxima e sente-se inseguro, não a ama profundamente, mas acha que deve se casar. Está ficando velho e a moça o ama. Quando faz a curva estreita, à esquerda, vem um carro em sua direção, à frente, que bate feio no seu e o empurra para fora da estrada, jogando-o no barranco. O carro vira e cai no mar. Sente-se jogado fora, antes da queda, e fica preso numa rocha. Assim foi encontrado, mais tarde, pela polícia.”

A senhora, no sonho, diz-lhe que pegou a estrada tarde da noite e a batida ocorreu uma hora depois, com um carro cinza prata, de um parente.  Foi proposital.

 Giuseppe acorda espantado e assustado. A lembrança do acidente vem à tona. Sente que o susto da tarde contribuiu para isso. Recorda que, anos atrás, o primo Cláudio tinha um Voyage cinza prata. Pensativo e quieto, tem um olhar esquisito, muito desconfiado, quando Márcia e Maria do Rosário lhe perguntam como está. Não responde e pede para chamarem a investigadora Valéria. As duas mulheres se olham e pensam, recobrou a memória do acidente.

Márcia demonstra ligeira preocupação e avisa que precisa chegar mais cedo em casa, nesse dia. Sai às pressas. Quem chama Valéria é Maria do Rosário, que, idosa, ainda se preocupa muito com ele.

Valéria, ao escutá-lo, sente que descobriram toda a história. Agora, o principal serão as provas. Encontrá-las!

Sabem a data do acidente, o horário, arquivado pelo legista, resta saber quem veio à sua frente, na mesma estrada e o tipo de carro. Como provar o que acreditam como verdade?

Não houve testemunha, àquela hora.

Valéria, indo à Delegacia, encontra-se com Joel, seu investigador auxiliar e comenta o assunto.

Joel, pensa e sorri: “Só havendo também uma testemunha espiritual que se materialize… Ah! Diz ele, temos agora, através da Internet, um link fabuloso! Você clica e descobre até onde uma pessoa passou. Até a data e hora! Recursos fabulosos do mundo atual!

Não sei se consegue localizar após tantos anos, é um link moderno, mas vale a pena tentar.”

Valéria encanta-se com a ideia. Não conhecia muito a Internet, mas reconhece sua utilidade, quando bem utilizada. 

Correm ambos ao computador e descobrem um site que informa tudo sobre pessoas, acontecimentos…

Valéria espanta-se. Não deixa de achar uma invasão da privacidade. Pensa logo, estamos virando robôs, abertos ao mundo.

Joel lhe diz que é necessário um código secreto para abrir.  Não está disponível a qualquer pessoa. Talvez a polícia tenha ou consiga de algum juiz.

Recebem a autorização de um juiz amigo, quando Valéria expõe o caso e consegue visualizar o acidente no local e o motivo principal, a batida do outro carro causador. Com ampliação da imagem, verificam que se trata de um carro cinza prata, com número da placa.

Eureca, exclama Valéria, deu certo. Agora é seguir a movimentação normal do inquérito. Verificar o nome do dono do veículo, na época, fazer a intimação e procurar levá-lo a julgamento.

Com as provas em mãos, os dois têm dificuldades em localizar o primo Cláudio, que, sabedor da descoberta da verdade, foge com Márcia, a auxiliar que o informou a hora em que Giuseppe saiu de sua casa, naquela noite.

São encontrados numa praia do nordeste, refugiados numa cabana, disfarçados em pescadores.

Cláudio é levado a julgamento, acusado com intenção de matar, e recebe trinta e cinco anos de prisão, sem direito a recursos, e Márcia, por colaborar, quinze anos de reclusão.

Giuseppe, recuperado e de boa memória, atualmente, mora ainda na fazenda, que prospera sempre. Prepara-se para escrever um livro: “A fazenda Arco Íris e Eu”, onde planeja homenagear o avô e contar sua história. Formou também uma família, embora mais velho, ao lado de Hilda, a atraente mulher que conheceu em sua última viagem.

Maria do Rosário, bastante idosa, ainda prepara gostosos quitutes ao filho de Giuseppe, Paolo Júnior, a quem chama de neto.

Valéria Sobral, investigadora criminalista obstinada, ainda aceita alguns casos, quando cisma, negando-se a aposentar, embora tenha anos.

Ficou madrinha do filho de Giuseppe, que, agradecido, não quis se desfazer da sua protetora e amiga.

Detalhe da narradora: “Amo finais felizes! A quem merece, quando a justiça prevalece…”


E O FINAL SE APROXIMA!

 

 

Após a solução do caso de Giuseppe, Dra. Valéria Sobral, muito divulgada e famosa, permanece em seu escritório de advocacia, auxiliada por detetive Joel, seu fiel escudeiro, citando Dom Quixote. Surgem muitos casos para ela resolver e não pensa em aposentar-se tão cedo, embora já tenha anos de serviço.

Seu nome e suas atividades percorrem os tribunais e Supremas Cortes existentes no país. Chegam até as nossas autoridades governamentais.

É convidada para dar aulas a advogados iniciantes e aconselhamentos à Jurisprudência nos julgamentos do Estado.

Com o tempo, esse nosso companheiro insubstituível sente-se cansado e iniciando a velhice. Tanta dedicação à profissão a faz esquecer-se de pensar em si própria, nos seus sentimentos pessoais, em novos projetos de vida.

Não se considera, ainda, totalmente realizada como mulher.

Gostaria de ter casado, sido mãe e, talvez, no momento, até avó. Lembra-se, com saudade, do antigo namorado, Afonso, o único amor verdadeiro que teve. Houve um relacionamento, mas não se interessou muito em cultivá-lo. O trabalho a impediu disso.

Surge, então, vontade de procurá-lo. Quem sabe como irá encontrá-lo? Sozinho ou casado novamente? Passaram-se alguns anos e não manteve contato.

Sente saudades. O sucesso deu-lhe satisfação, mas deixou-a só. Compreende isso, agora.

Procura-o na Internet, boa maneira de encontrá-lo.

Descobre que ele trabalha ainda como arquiteto, é professor da Politécnica e parece só. Não há indicação de família. Tenta localizá-lo e reatar o relacionamento.

Afonso, feliz ao vê-la, volta e, com o tempo, pede-a em casamento ou uma união estável. Querem envelhecer juntos.

Valéria, novamente alegre e feliz, aceita-o como companheiro final de vida e pensa numa aposentadoria. Chega de identificar situações criminosas, defender inocentes, acusar culpados, usar sua capacidade mental e experiente, trabalhar sempre com intuição e astúcia; quer relaxar na vida.

Marcam um casamento simples, poucos amigos, preparam até uma viagem para a Escandinávia, sonho antigo dos dois. Pensam em reviver uma lua de mel tão esquecida.

Quando está para acontecer, nas vésperas do casório, Valéria recebe uma carta timbrada, oficial. Curiosa, abre, sem muito entusiasmo. A preocupação, no momento, com assuntos relacionados à profissão, não mais lhe interessa.

Lê, espantada e indecisa, um convite do governo atual, que é partidária, para ser Secretária da Justiça do Estado. Pedem sua colaboração.

Treme um pouco nas bases. E agora! O que escolher? Difícil decisão. Sua vida pessoal ou uma servidora do Estado, a posição maior em sua carreira.

Após horas de meditação, algumas lutas consigo mesma, vontade de ir com Afonso e obrigação ao dever, opta pela profissão que escolheu, novamente.

Preocupada com Afonso, comunica-lhe, suavemente, sua decisão.

Muita conversa e discussão. Afonso tenta fazê-la mudar de ideia. Não consegue. A Valéria investigativa, determinada e profissional, volta. Seus momentos de indecisão se escondem. Talvez retornem, mais tarde, quando já não houver mais tempo para ser feliz a dois.

Afonso, tristonho, afasta-se de sua vida, novamente.

E assim os cidadãos do Estado ganham uma Servidora da Justiça, honesta e capaz!

 


 E O FINAL SE APROXIMA!

 

Após a solução do caso “Giuseppe”, Dra. Valéria Sobral, muito divulgada e famosa, permanece em seu escritório de advocacia, auxiliada por detetive Joel, seu fiel escudeiro, citando Dom Quixote. Surgem muitos casos para ela resolver e não pensa em aposentar-se tão cedo, embora já tenha anos de serviço.

Seu nome e suas atividades percorrem os tribunais e Supremas Cortes existentes no país. Chegam até às nossas autoridades governamentais.

É convidada para dar aulas a advogados iniciantes e aconselhamentos à Jurisprudência nos julgamentos do Estado.

Com o tempo, esse nosso companheiro insubstituível, sente-se cansada e iniciando a velhice. Tanta dedicação à profissão faz ela esquecer-se de pensar em si própria, nos seus sentimentos pessoais, em novos projetos de vida. Tem vontade de tentar novos caminhos, antes da idade avançada.

Não se considera, ainda, totalmente realizada como mulher.

Gostaria de ter casado, sido mãe e, talvez, no momento, até avó. Lembra-se, com saudade, do antigo namorado, Afonso, o único amor verdadeiro que teve. Houve um relacionamento, mas não se interessou muito em cultivá-lo. O trabalho a impediu disso. Embora tenham tido grande amor, o trabalho, entre eles, foi a maior preocupação. Ambos, amadurecidos, sabiam que, nessa vida, a ilusão, o sonho, existe com grande fantasia, nem sempre é muito real.

Afonso, chamado a trabalhar sempre em lugares diferentes, sente que é impossível, para ela, acompanhá-lo. Acaba desistindo também desse amor.

Surge, agora, em Valéria, vontade de procurá-lo. Quem sabe como irá encontrá-lo? Sozinho ou casado novamente? Passaram-se alguns anos e não se manteve contato.

Sente saudades do seu sorriso, da sua companhia masculina, das opiniões. O sucesso deu-lhe satisfação, mas deixou-a só. Compreende isso, agora.

Procura-o na Internet, boa maneira de encontrá-lo.

Descobre que ele trabalha ainda como arquiteto, é professor da Politécnica e parece estar só. Não há indicação de família. Tenta localizá-lo e reatar o relacionamento, tão esquecido, tantos momentos felizes que tiveram.

Afonso, espantado ao vê-la, retorna contente, lembra também com saudade esse tempo vivido juntos e volta. Quer também reviver, ao lado de Valéria, a mulher que mais amou, o final de sua vida. Com o tempo, pede-a em casamento ou uma união estável.  Envelheceriam juntos.

Valéria, alegre e feliz, aceita-o como companheiro final de vida e pensa numa aposentadoria. Chega de identificar situações criminosas, defender inocentes, acusar culpados, usar sua capacidade mental e experiência, trabalhar muito com intuição e astúcia; quer momentos de calma e sossego, sentir também o verdadeiro amor e as coisas boas que a vida lhe oferece.

Marcam um casamento simples, poucos amigos, preparam até uma viagem para a Escandinávia, sonho antigo dos dois. Pensam em retomar uma lua de mel tão esquecida.

Quando está para acontecer, nas vésperas do casório, Valéria recebe uma carta timbrada, oficial. Curiosa, abre, sem muito entusiasmo. A preocupação, no momento, com assuntos relacionados à profissão, não mais lhe interessa.

Lê, espantada e indecisa, um convite do governo atual, que é partidária, para ser Secretária da Justiça do Estado. Pedem sua colaboração.

Treme um pouco nas bases. E agora! Rasga a carta ou mostra para Afonso? Saber sua opinião. O que escolher? Difícil decisão. Sua vida pessoal ou uma servidora do Estado, a posição maior em sua carreira. Senta-se no sofá e passa horas em meditação. Talvez Afonso queira partilhar, junto a ela, esse momento importante em sua profissão. Poderiam ficar unidos e ele partilhando os seus momentos de trabalho.

Não seria necessário terminar o relacionamento. Era um homem moderno, compreensível.

Após horas de meditação, algumas lutas consigo mesma, vontade de largar tudo e ficar só com Afonso e, obrigação ao dever, opta pela profissão que escolheu, novamente.

Preocupada com Afonso, comunica-lhe, suavemente, sua decisão. Queria casar-se, mas continuar seu trabalho. Ainda não era o momento da aposentadoria.

Muita conversa e discussão. Afonso, nervoso e enraivecido, tenta fazê-la mudar de ideia. Não consegue. A Valéria investigativa, determinada e profissional, volta. Seus momentos de indecisão se escondem. Ele não aceita ser um companheiro deixado de lado, quer, agora, a exclusividade do seu amor na sua vida.

— Talvez retornemos, mais tarde, exclama Valéria. Sempre haverá tempo para sermos felizes, viajarmos juntos.

— Quando? Exclama Afonso.  Logo, não haverá mais tempo para sermos felizes a dois.

E ele, tristonho, sai batendo forte a porta.

Valéria, sozinha, derrama algumas lágrimas e sabe que ele sai definitivamente de sua vida.

Não quer ter somente a posição de marido. Perde-o pela segunda e última vez.

E assim os cidadãos do Estado ganham uma Servidora da Justiça, solteirona, mas honesta e capaz!


 


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