PROVA
DE FOGO
Hirtis Lazarin
Jaime estranhou a correspondência via SEDEX que acabava de
pegar
na portaria do prédio onde
morava. Era pra ele. Nome e endereço completos.
Sem remetente.
Dona Josefina nem
deu importância ao embrulho.
Até sugeriu ao filho que atirasse tudo
no lixo. " Propagandas enganosas chegam a toda hora.
É muito dinheiro jogado fora com papelada inútil."
É que Dona Joaquina se esqueceu de que seu filho além de inteligente
era curiosíssimo.
Depois do jantar, Jaime trancou-se no
quarto. Abriu o envelope e encontrou um
livro fininho, três folhas apenas, além da capa. O papel, de tão envelhecido, exigia manuseio delicado.
As folhas amarelecidas e silenciosas escondiam muitas digitais.
O texto não era em Português. Uma língua bem estranha.
Jaime não conhecia.
Palavras compridas com muitas consoantes e poucas vogais. Não dava nem
pra silabar. Algumas palavras apareciam grifadas
em vermelho e os poucos números circulados em amarelo.
Chamou-lhe a atenção as palavras BRASIL e SÃO PAULO escritas
em letras garrafais.
Jaime não tinha pressa. Tudo correria na maior
tranquilidade. Lançou no Google a palavra que vinha
junto ao vocábulo BRASIL. Talvez fosse um substantivo.
Poderia ter a primeira pista.
Palmas pro Jaime! Descobriu o idioma do texto. Era o russo.
O rapazinho vivia num mundo tão pequeno. Pouquíssimas vezes saiu dali onde nasceu. Não conhecia
estrangeiros. Apenas um casal de bolivianos que costurava numa
oficina próxima ao prédio. Conhecia o bê-á-bá do inglês que
aprendia com Dona Rosália.
Todas as noites na quietude da madrugada, Jaime embrenhava-se no computador
buscando respostas. Cada palavra bem encaixada fazia
com que o menino acreditasse que tinha nas mãos o mapa de um tesouro.
O bom é que Jaime era paciencioso e nada o desanimava. Nem
mesmo quando o velho e ultrapassado computador teimava em não funcionar por
dias seguidos.
Os seus pensamentos vez ou outra confundiam-no. "Seria um
recado
de atentado?" Os
noticiários sempre recheados de homens-bombas espalhados por toda
parte. "Será que me escolheram pra participar de atos terroristas, uma
vez que participo de movimentos sociais contra o capitalismo injusto?
Mas uma vozinha interior gritava mais alto: "Você é
corajoso. Não desista".
Numa dessas noites sem dormir, involuntariamente, um grito reprimido
escapou lá de suas entranhas. Depois de juntar palavras
traduzidas a outras
deduzidas, Jaime conseguiu traduzir uma frase completa: "O dinheiro
está no cofre 126 - Banco do Brasil - centro de São Paulo.
Meses e meses se passaram. Perdeu-se a conta de quantos até que o rapaz
conseguiu a tradução completa. Ou ele e sua mãe teriam a vida
que
pediram a Deus ou... quem sabe nem mais
estariam aqui pra contar essa história.
Era sexta-feira. Jaime não foi à escola. Tomou o ônibus.
Desceu no centro
da cidade. Andou alguns quarteirões. Parou em frente
ao banco do Brasil.
Pálido...Tremendo...Pisou firme. Entrou. Jamais entrara num banco.
Tão grande, tanta gente trabalhando e tantos
clientes. Perguntou pelo gerente e o funcionário levou-o a uma sala
separada.
Seguindo as orientações, mostrou-lhe um cartão com as letras SHURV.
Em poucos minutos recebeu uma chave e dois seguranças
armados levam-no a uma sala a meia-luz no final de um corredor sem
fim. À sua frente estava o cofre 126.
As mãos trêmulas não conseguem encaixar a chave. Respira fundo...
Dá um tempo...Disfarça. Enxuga o rosto suado...Gira
a chave e nada... Gira pela segunda vez...Gira pela terceira vez e num som
enferrujado o cofre abre-se. Uma luz amarela ilumina o
seu interior.
Jaime estica o pescoço e paralisado fica. Mãos ágeis
enchem a mochila com notas de cem reais. Fecha o
cofre e a mochila. Sente por dentro um vulcão
pronto pra entrar em erupção. Sorri e agradece os seguranças.
Entrega a chave ao gerente que insiste em servir-lhe um café. Ao primeiro
gole, um acesso de tosse. O café é cuspido pra camisa branco total do
gerente.
Sem olhar pra trás, deixa o prédio a passos tão largos capazes de provocar inveja
ao mais hábil avestruz. Embrenha-se na multidão.
Alívio de missão cumprida. Flutua entre balões coloridos que brotam do chão.
e pipocam em todas as direções. Dona Josefina aparece vestida
de branco voando entre os balões.
Jaime para no ponto de ônibus lotado. Dois homens
de terno e gravata aproximam-se dele, um de cada
lado. O da direita cochicha-lhe ao ouvido. Não tem jeito.
Entrega-lhe a mochila. O homem da esquerda entrega-lhe uma
caixinha. Despedem-se dando-lhe beijos nas bochechas ardidas
e vermelhas feito pimenta. "Dê lembranças a Dona
Josefina."
Já dentro do ônibus, abre a caixinha, encontra um DVD e um bilhete:
"Obrigado Jaime por nos ter prestado tamanho favor de um jeito tão
perfeito. Sabíamos que era inteligente, mas você foi além de nossas
expectativas. Assista ao DVD. Ali encontrará
respostas a todas as interrogações que atormentarão você. Abraços.