O segredo
Adelaide Dittmers
Rogério atendeu ao telefone no escritório. A
expressão de seu rosto tornou-se dura e contrariada. De forma gélida e
ríspida, disse à pessoa do outro lado, que não podia conversar naquele
momento. Mentiu que estava em reunião. Uma voz estridente soou no seu
ouvido. Com raiva, desligou o telefone.
Colocou as mãos sobre o rosto. Isso não podia
continuar. A pressão que estava sofrendo estava ficando cada vez mais
insuportável, mas como poderia resolver a situação sem revelar o segredo que
guardava há anos e que, se tornado público, iria desestabilizar sua vida e
colocar em risco a fama de homem honesto e de caráter ilibado. Tinha que
achar uma solução para que não viesse à tona.
Tentou ler os papéis, que cobriam a escrivaninha,
mas não conseguiu se concentrar. Levantou-se, pegou o paletó e saiu da
sala, avisando a secretária, que tinha um compromisso particular.
Chegou à casa com um semblante carregado. Luísa,
sua mulher, olhou-o surpresa. Ele nunca chegava tão cedo.
— O que você tem? Aconteceu alguma coisa?
— Estou com uma baita dor de cabeça. Vou
tomar um comprimido e me deitar um pouco.
Preocupada, ela argumentou:
— Você nunca tem dor de cabeça. Será que não
é melhor ligar para o Dr. Osvaldo?
— Imagina! Tive insônia à noite. Estou
com um problema difícil de resolver no trabalho. Acho que é estresse.
O olhar penetrante e interrogativo de Luísa
acompanhou-o enquanto ele subia as escadas. Ultimamente andava estranho e
nervoso. Irritava-se por qualquer coisa. A justificativa do
problema no trabalho não a convenceu. Sempre foi um homem seguro e hábil
em resolver questões desafiadoras.
Sentou-se na poltrona da sala de estar e pegou um
livro e antes de abri-lo olhou em volta. O ambiente tinha mobília leve e
clara. Tapete, objetos e quadros em perfeita harmonia. A casa era
um retrato dela. A vida devia ser assim, com tudo no seu devido
lugar. Colocou o livro no colo e começou a divagar. Tinha uma vida
boa, fez várias viagens pelo mundo, partilhava momentos felizes com muitos
amigos, nada lhe faltava: roupas caras, joias e tudo o que o dinheiro pode
comprar. O único empecilho para sua paz, no entanto, era o segredo, que guardava
há tanto tempo, que amargava seu caminhar e que não podia contar a ninguém para
sua vida não desabar como um prédio velho e mal construído.
Nesse momento, Diana entrou na sala, como um
furacão, mochila nas costas, as chaves do carro na mão. Bonita e, cheia
de energia, estava sempre correndo, como se a vida fosse lhe fugir.
Estava no último ano da faculdade de jornalismo. Inteligente, curiosa e
ativa iria se dar bem na profissão escolhida, pensou a mãe sorrindo para ela.
— Oi mãe! Tudo bem? Tive que fazer uma
entrevista com um político do alto escalão. Foi demais! Acho que me saí
bem. Despejou ela, quase sem respirar, sobre a mãe.
— Parabéns, filha!
— Estou fazendo tudo para ser contratada depois do
estágio. Imagina, mãe, eu trabalhar nesse jornal tão importante no país.
Beijou a mãe e continuou:
— Vou subir para tomar um banho! Já volto para
contar tudo para você.
A jovem e a mochila foram pela escada acima. Luísa
seguiu com um olhar carinhoso. Que ela nunca descobrisse o segredo.
Então a mãe gritou:
— Não faça barulho, seu pai voltou do trabalho com
dor de cabeça!
Diana parou pensativa em um dos degraus, e depois
continuou a subir mais devagar. No quarto, jogou a mochila na cama.
Despiu as roupas, que foram jogadas em uma cadeira e foi para o chuveiro.
A água tépida caiu como uma bênção no seu corpo. Foi um dia exaustivo e
desafiador. Estava feliz com a profissão que escolhera. Sempre colhia
elogios dos professores. A única pedra em seu caminho era o segredo, que descobrira
há pouco tempo, deixando-a arrasada. Às vezes, tinha vontade de atirá-lo
aos quatro ventos, mas a coragem lhe faltava.
Mais tarde o jantar foi servido. O silêncio
reinava na sala. Somente o ruído dos talheres era ouvido. Diana,
quis quebrar o gelo, perguntando ao pai como se sentia.
— Estou melhor! - E sem levantar a cabeça, continuou
a comer.
Ela, então, começou a contar como a entrevista
transcorreu, mas percebeu que Rogério estava longe. Apenas balançava a cabeça
para disfarçar que não estava ouvindo. Diana parou de falar e mãe e filha
trocaram olhares preocupados. Terminado o jantar, Rogério levantou-se e
deu boa noite para as duas mulheres.
— O que está acontecendo com ele?
— Não sei. Disse que era um problema de
trabalho.
No dia seguinte, Rogério saiu muito cedo e recusou
o café da manhã, no entanto só chegou ao escritório às onze horas. Entrou
apressado, fisionomia fechada. Um “bom-dia” seco foi jogado à secretária,
que notou a palidez no rosto do chefe. Chamou-a e disse que não queria
ser incomodado.
Tirou o paletó, sentou-se e afrouxou o nó da
gravata. Sentia-se sufocado. O que aconteceria se fosse revelado o
que guardara por tanto tempo. Era refém daquele maldito segredo.
De repente, uma dor aguda apertou o seu peito, o
suor escorreu pelas têmporas, tentou aspirar o ar, que lhe fugia. Com
dificuldade chamou a secretária, que se assustou ao ver o estado do
chefe. Com rapidez, ligou para o departamento médico e logo Rogério foi
atendido, mas apesar dos esforços do médico, não resistiu.
O velório estava cheio. Muito estimado, ninguém se conformava com a morte súbita dele. Luísa e Diana muito abatidas aproximaram-se do caixão. Abraçadas, consolavam-se mutuamente. A mãe olhou para o marido, que foi o amor de sua vida. Quanto sofrimento ela aguentou firme. A filha pensou que agora o segredo nunca seria revelado.
Nesse momento, uma mulher desconhecida e dois jovens adolescentes entraram e chegaram perto do morto. Luísa e Diana fixaram o olhar nela. A mulher sustentou o olhar de mãe e da filha, com os olhos cheios de ódio e depositou uma rosa no peito do morto. Os jovens tentavam esconder as lágrimas que teimavam em deslizar pelos seus rostos.
Luísa e Diana
entreolharam-se, e Diana puxou a mãe para fora da sala. No jardim, que
cercava aquele lugar lúgubre, novamente uma olhou para a outra com compaixão e
perceberam que ambas sabiam de tudo e intimamente se perguntaram se aquele
segredo iria morrer com Rogério ou seria revelado.