A Sombra
Adelaide Dittmers
A menina aproximou-se do terraço da casa grande da
fazenda. A noite escura cobria a extensa plantação. As massas
negras, em que as árvores do pomar se tornaram balançavam impulsionadas por um
vento, que gemia.
Um arrepio sacudiu seu corpinho de onze anos.
Aquela escuridão a encheu de medo. De repente, notou uma sombra, que se movia
em direção do cafezal. Nas mãos, havia algo comprido. Uma arma, um pedaço
de pau. Não dava para enxergar. Sorrateira como um felino, que vai
atacar, desapareceu entre os pés de café.
Em desabalada corrida, a menina entrou, chamando
pelo pai. O coração quase lhe saia pela boca. Quem era aquela
sombra, para onde iria na noite tenebrosa, que anunciava uma tempestade.
A imaginação da criança criou várias histórias terríveis em apenas poucos
segundos.
O pai veio ao seu encontro e a acolheu nos braços,
enquanto ela, quase sem fôlego, contou-lhe o que vira. Com paciência, ele
a acalmou, dizendo que na escuridão se podem ver muitas coisas irreais. A
menina, no entanto, insistiu que tinha visto uma sombra, que parecia de um
homem, que entrara na plantação.
— Tudo bem, filha! Vou ver quem é essa tal sombra.
E estendendo o braço, pegou uma arma pendurada na
parede da sala.
— Mas o senhor vai sair nesse escuro?
— Não tenho medo de escuro, filha.
A mãe, que entrou na sala, nesse momento, quis
saber aonde ele ia, numa noite negra e o prenúncio de um temporal. Ele
explicou-lhe rapidamente o que a garota tinha visto e saiu.
— Tome cuidado! Disse assustada.
O fazendeiro passou pelo pomar e entrou na plantação.
Devagar, seguiu pelo caminho, onde a sombra fora vista entrar. As botas pisavam
mansamente na terra para abafar os passos. Esgueirava-se às vezes pelo
meio dos pés de café, com ouvidos atentos a qualquer barulho ou movimento
estranho.
O silêncio era quebrado pelo uivar do forte vento e
pelo arengar dos sapos.
Subitamente ouviu um som de passos.
Vagarosos, pareciam seguir em direção do rio, que corria nos limites da
plantação. Ficou imóvel por um momento. Com muito cuidado para não
fazer qualquer ruído, que denunciasse sua presença, foi seguindo o homem à sua
frente, deixando metros de distância entre eles.
Um raio iluminou o céu, o que o fez se esconder
atrás de um pé de café. Logo a seguir um potente trovão sacudiu o negro
da noite e uma chuva forte despencou, rosnando como um animal enfurecido.
A visibilidade ficou quase nula, mas o fazendeiro
não desistiu de sua caçada, continuando a perseguir aquela sombra, que agora
caminhava mais depressa. O barulho da chuvarada permitiu que ele seguisse
o homem bem de perto.
Era um homem alto e forte e realmente carregava
algo nas mãos.
O fazendeiro, tentando cuidadosamente dar cada
passo, sem ser ouvido, chegou até ele. O homem percebeu e ia se virar,
quando sentiu o cano de uma arma em suas costas.
— Levante as mãos, senão atiro e vire-se devagar.
O homem obedeceu e ficaram frente a frente.
Nesse momento, outro raio acendeu a noite e qual não foi a surpresa do
fazendeiro ao se deparar com o seu capataz.
— Homem, o que está acontecendo? O que você está
fazendo aqui?
— Ah patrão! O senhor nem vai acreditar.
Cheguei em casa e minha mulher disse que minha filha saiu pela noite com um
moço, que num gosto, não. Ele num é boa coisa. A menina anda muito
diferente e respondona nos últimos tempos. Eles vieram para esses lados, acho
que foram para a cabana de pesca. Vou pegá ele.
— Você está louco! Estragar sua vida por causa de
um namorico. Há outros meios de tratar disso.
— Não ia matá, não. Só assustá!
— A gente nunca sabe o que pode acontecer numa situação
dessa. O sangue ferve...
— Volte para casa!
— Num volto não! Vou procurar os dois.
— Então vou com você. Não quero desgraças.
A chuva escorria pelos chapéus dos dois homens e
dificultava ainda mais a visão do lugar. O clarão dos raios deixava entrever o
rosto cheio de ódio do capataz. Chegaram ao rio e seguiram pela beira
enlameada até a pequena cabana.
Com um movimento brusco, empurraram a frágil
portinhola. Um grito aterrorizante ressoou. O casal estava lá. O
rapaz pegou com rapidez um farolete e dirigiu o foco de luz para a porta, o que
ofuscou a vista dos homens. A jovem encolheu-se e encostou-se à parede, os
olhos esbugalhados de pavor.
— Me dá isso, moço, senão atiro! Gritou o
fazendeiro.
O rapaz assustado lançou a lanterna para o homem.
— Sua desavergonhada! Vamos pra casa!
Vociferou com raiva, o capataz.
O fazendeiro encarou o jovem.
Conhecia-o. Era um mau-caráter, que se metera em várias confusões,
briguento e muitas vezes suspeito de roubos.
— E você, moço... Vem conosco!
— O que vão fazê? Vão-me matá? Perguntou
desesperado.
— Ninguém vai sujar as mãos com seu sangue!
Respondeu o fazendeiro com rispidez.
Com brutalidade, o pai puxou o braço da filha, que
chorava convulsivamente. O patrão, empunhando a arma, levou o rapaz, que
tremia de medo, despojado de toda a sua falsa valentia.
Encharcados, chegaram à casa da fazenda. O
patrão dirigiu-se ao empregado, pedindo-lhe para ter uma conversa séria com a
filha, sem agredi-la.
No terraço, mãe e filha esperavam ansiosas. O
fazendeiro as tranquilizou.
— Vou levar este homem para a delegacia. Me
dê a chave do carro.
A mulher obedeceu e lhe trouxe a chave.
— Não posso ir preso. Não fiz nada. Namorar não é
crime. Resmungava o jovem.
— Aqui é, quando se engana uma moça e a desonra e é
o que você tem feito por aí, infelicitando várias famílias. Sei tudo
sobre você. Vai pagar por isso.
E os dois seguiram para a polícia. Com seu
poder na pequena cidade, o fazendeiro sabia que o rapaz iria ser punido e ele
tinha evitado que uma desgraça desabasse sobre um homem de bom caráter e uma
jovem, que ele vira crescer.