O
trem saudoso!
Amora
Estou velho, usado, gasto!
Parado aqui neste parque, sirvo apenas para exibição! Coisa antiga usada para
locomoção e atraindo curiosos!
Alguns entram, sentam-se,
exclamam” deveria ser gostoso viajar assim! Que época boa! ”
Era mesmo! Muito bons
aqueles tempos, quando minha obrigação era sair logo cedo da estação e levar
gente ocupada ao seu destino, trabalho ou passeio, ansiosos, alegres, felizes
para chegar.
Levava meu trabalho a sério,
obedecendo rigorosamente os horários. Assim que ouvia o apito do motorista,
disparava em direção a Santos, ou, na volta, para São Paulo. Meu roteiro era
esse. Ligar Santos a São Paulo e vice-versa, através dos trilhos.
Acho que hoje nem existem
mais trilhos! Era tão gostoso ouvir aquele barulho diário, equilibrando-me para
não sair deles. E as paradas, então, era um baque súbito que, levemente, eu
freava, para ninguém cair.
Gostava muito dos meus
passageiros. Muitos, andavam diariamente comigo. Ficávamos amigos. Assim que eu
apontava na estação, corriam para mim como se fosse um abraço apertado dado num
amigo. Eu ficava satisfeito!
Outros, desconhecidos, de
cara emburrada, meio preocupados, logo mudavam suas fisionomias, ao começar a
viagem. Sentavam tranquilos, olhando a bela paisagem, ainda mata cerrada.
Sorriam e observavam pela janela o tempo todo.
Quando próximo ao mar, então, dia claro, ensolarado, a admiração era
grande. Só ouvia exclamações de prazer.
Saudade daqueles
tempos. Havia vida, movimento. Não era
apenas um objeto. Lembrança de uma época
passada. Demonstração.
Nunca tive nenhum acidente
nem acontecimento triste. Ah! Lembro-me agora, sofremos uma perda, certa
ocasião. Quem nunca as teve.
Todos os dias levávamos a Santos
um senhor muito distinto, elegante, com sua bengala de cabo de prata e cartola
alta. Nunca soube se era passeio ou trabalho. Sr. Honório.
Acompanhava-o uma bela moça
morena, de cabelos cacheados puxados num coque alto, bem trajada, sempre
sorrindo. Parecia filha, afilhada, nada perguntamos. Cada passageiro era livre, desde que tivesse
sua passagem.
Acostumamo-nos com
eles. Gostávamos de vê-los sempre
bonitos, bem vestidos, felizes.
Numa manhã meio escura, com
neblina pelo caminho, paramos numa pequena estação para recolher um cavalheiro
meio agitado, fazendo muitos sinais. Logo que subiu, não sentou, mas começou a
percorrer os vagões como se estivesse procurando alguém. Parou bem à frente do
sr. Honório e sua acompanhante. Olhou-os feio e, sacando de um revólver, atirou
neles, bem no coração. Foi um escândalo. Gritaria por todo o lado. O bilheteiro,
o maquinista, todos correram ao local, mas não deu tempo para salvá-los.
Morreram os dois ali mesmo, ambos abraçados, enquanto o outro pulava minha
janela. Tivemos que voltar, teve polícia, ambulância, declarações.
Meu coração ficou apertado!
Mal conseguia dirigir. Dó, susto, medo,
não sei que sentimento me abateu. Fiquei pasmo por muitos dias! Justo comigo, tão calmo, uma tragédia dessas!
Soube depois que a moça
linda era casada, mal casada, pelo jeito, sendo sr. Honório seu amante. Iam a
santos para namorar.
O assassino, descoberto, foi
preso, julgado e, logo solto, achando os jurados que todo homem traído tinha
que lavar a honra com sangue. Leis antigas do nosso passado, abolidas com o
tempo, felizmente. Temos algumas mudanças, atualmente, que vieram para o bem.
Sem esse acontecimento,
posso dizer que minha vida de trabalho foi muito boa, deixando saudade. Gostei de ser um trem de passageiros, de
percorrer aqueles trilhos, ver paisagens pitorescas, conhecer gente amável e
alegre, que sabia vivenciar uma viagem, sem pressa de chegar
Fico aqui neste parque,
enferrujando minhas peças, atraindo olhares, tentando gostar. Não é mais a
mesma coisa!