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terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Cleuza entre o topo e o fundo. - Alberto Landi

 



 Cleuza entre o topo e o fundo.

Alberto Landi

 

Diziam na cidadezinha onde vivia que Cleuza nasceu para brilhar, mas a verdade é que a vida nunca lhe deu nada por obséquio. Cada passo era conquistado na unha e cada sorriso escondia o medo da pindaíba que rondava a sua porta.

No começo, ela acreditava em tudo, caía em qualquer lorota bem contada, achava que todo homem que aparecia era promessa do futuro, até que vieram os amantes e com eles os golpes.

Um dizia que ia tirá-la da pobreza, outro jurava amor eterno, mas tudo não passava de balela, vento leve que se desfazia no dia seguinte.

E quando ela resolveu parar de gorar os planos dos aproveitadores, ou melhor, parar de ser usada para que os planos deles não gorassem, começaram a virar a cara. Chamaram-na de lambisgoia, como se fosse a vilã da própria miséria.

Foi esse último veneno que a fez arrumar a mala e sumir sem retornar.

Na capital onde o luxo e a lama dividem a mesma calçada, Cleuza entrou como dama num cabaré elegante com aqueles olhos vibrantes que denunciavam mais do que ela permitia dizer. O rosto, ainda com certo frescor de quem correu contra o tempo, brilhava sob a luz avermelhada do salão. Os cabelos na altura dos ombros, úmidos como se tivessem acabado de escapar de um banho apressado, moldavam-lhe o perfil juvenil.

Aprendeu a sorrir sem sorrir, a dançar sem tropeçar, a rebolar com todo o frescor, a sassaricar entre as mesas para que os homens nunca se esquecessem de seu nome.

Ao passar, deixava atrás de si um rastro delicado de talco de bebê, um perfume que destoava da crueza do ambiente e por isso mesmo chamava a atenção. As costas bem torneadas surgiam sob a blusa branca de cetim, fina o bastante para revelar quase um segredo, a marca do sutiã. Era uma combinação de inocência e desafio, de promessa e despedida.

E foi assim, misturando fragilidade e coragem, que ela cruzou todo o salão, conquistando olhares sem ao menos se dar conta, ou talvez sabendo exatamente o poder que carregava no andar, no perfume e no silêncio.

Mas a vida tem mãos rápidas, quem não corre cai, quem não engana é enganado.

De degrau em degrau, ela virou acompanhante, de acompanhante a meretriz. Chamavam-na de rameira mundana, mas ninguém sabia dos silêncios que ela carregava, nem da força escondida atrás da blusa de cetim que tremulava como lua inquieta em noite de ventania.

Certa noite, um valentão tentou lhe dar um safanão, mas ela era ágil, como uma cabrita maltês, leve, esperta, impossível de agarrar, achando que ela era de fácil condução.

Acostumada ao topo e ao fundo, se defendeu com a força de quem aprendeu a viver na beira do precipício. Limpou o lábio machucado e seguiu adiante.

Ao amanhecer, parou diante de uma vitrine ainda embaçada pelo sereno da manhã, viu seu reflexo cansado, porém firme, e sorriu um sorriso pequeno, mas verdadeiro.

Nunca mais deixaria ninguém gorar seus sonhos, suas escolhas ou seu destino.

Quem quisesse falar dela que falasse, quem vivia de mexericos sempre acabava preso à própria balela. Mas, ela não era mais a mesma, era mais forte, resiliente, inteira e perigosa.

Enquanto caminhava com passos seguros pela rua vazia, uma certeza iluminava seu peito: ninguém mais escrevia sua história, agora o destino era ela quem comandava entre o topo e o fundo e tudo o que viesse pelo caminho!

 


A DIFÍCIL VIDA FÁCIL - Adelaide Dittmers

 

 


A DIFÍCIL VIDA FÁCIL

Adelaide Dittmers

  

O espocar de fogos de artifício, que riscavam a noite com luzes coloridas de diversas formas e chuvas de ouro e prata, brindava o nascimento de um novo ano, que trazia ao coração dos homens a esperança muitas vezes vã e incerta de dias promissores.

Em uma janela quase apagada, uma mulher já entrada em anos apreciava com um olhar triste e errante o espetáculo, que expulsara o silêncio e a placidez da noite.

Os olhos de sua alma não estavam ali. Vagavam por um passado distante, em que se via em um salão luxuoso sassaricando, bela na flor da mocidade e cortejada por mancebos, que disputavam a vez de com ela girar ao som dos boleros e tangos, que soavam da radiola.

Foi um tempo em que ela brilhava no lupanar da cidade como a mais cobiçada meretriz, atraindo burgueses jovens e velhos para usufruir de seus favores.

Seu rosto se contraiu ao recordar sua queda. 

A beleza gasta pela vida. Uma vida que dizem fácil, mas é difícil e efêmera. Controlada por um sacripanta, que a iludiu e a explorou por anos, abandonando-a à própria sorte, quando perdeu seu viço, o que a jogou em um bordel nos confins escuros da cidade e onde ela desceu a escada, degrau por degrau, até chegar ao porão da vida.

Ironicamente, foi uma carraspana, que a levou quase em coma a um hospital, que a salvou daquela pocilga. Lá, um enfermeiro de bom coração apaixonou-se por ela. Com pachorra, aquele homem simples a tirou do fundo do poço em que caíra.

Aquele homem a ensinou a amar e ser amada, tratou com desvelo as feridas mais profundas de seu ser, enterrando a rameira e a fazendo renascer com seu nome de batismo, Cleusa.

E agora, naquela janela, vendo o novo ano chegar com luzes e alegria, Cleusa se deixou levar pelo caminho duramente percorrido.  E a saudade daquele que foi seu salvador apertou seu coração tão castigado pela vida.

 

ERA UMA VEZ... PITICO E O ALCE-REI

 



ERA UMA VEZ…PITICO E O ALCE-REI

Dinah Ribeiro de Amorim

 

 

Num reino distante, pequeno povoado, governavam dois reis: D. Dario e Dona Lionela. Eram ótimos caçadores.

Viviam para a caça e a organização de troféus, nas salas do castelo.

Organizavam, às vezes, festas exibicionistas e chamavam outros reis vizinhos para mostrá-los.

Tinham uma ambição crescente, parte importante de suas vidas, caçar um alce real e colocá-lo como troféu, com sete galhos na cabeça. Nunca conseguiam pegá-lo, não sabiam o porquê?

Acontece que o alce, também real, possuía em seus galhos, na testa, um amigo passarinho que o avisava dos perigos da floresta.

Foi salvo pelo amigo alce de uma queda do ninho, abandonado pela mamãe passarinha, bem pequeno, morando nos seus galhos, à vontade, ficando também seu protetor.

Quando soube da ambição dos Reis Dario e Lionela, assumiu logo a sua defesa.

Numa tarde, os reis organizam grande caçada e convidam os melhores caçadores do reino. Comentam: “Esse alce não nos escapa!”

Assim que Pitico, o passarinho, soube, colocou-se de prontidão.

Como os caçadores, na hora do mal, se espalharam pela floresta, chamou logo outros passarinhos para auxiliarem o alce.

No início, em cada lugar de perigo, o alce era avisado: “Foge rápido que estão por perto!”

Quando ia para a direita, gritavam-lhe: “Vá para a esquerda. Estão sentindo o seu cheiro!”

Se o alce ia à frente, mandavam-no voltar. E assim passou o dia inteiro…

Os caçadores não desistiam e o alce foi ficando cansado. Queria dormir.

A passarada, nervosa e preocupada, piava à sua volta, o acordava, não o deixava dormir.

Chegou um momento em que o coitado do animal, lindo e esbelto, um orgulho da natureza, parou e dormiu, mesmo ouvindo aquela cantoria dos pássaros à sua volta.

Os caçadores inimigos chegaram perto e, quando iam atirar, as avezinhas, em bandos, bicaram seus olhos, fazendo-os fugir, apavorados. Não estavam preparados para matar passarinhos.

E assim, o alce-rei descansou sossegado, protegido por Pitico e seus amigos, o companheiro de estimação.

Os Reis Dario e Lionela desistiram dessa caçada e deixaram o animal em paz. Compreenderam que os animais da floresta também reinam e têm seus comunicados pessoais entre eles. Merecem ser respeitados.

Desistiram dos troféus e das exibições.

 

 

Cleuza entre o topo e o fundo. - Alberto Landi

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