Cleuza entre o topo e o fundo.
Alberto Landi
Diziam na cidadezinha onde vivia que Cleuza nasceu para brilhar, mas a
verdade é que a vida nunca lhe deu nada por obséquio. Cada passo era
conquistado na unha e cada sorriso escondia o medo da pindaíba que rondava a
sua porta.
No começo, ela acreditava em tudo, caía em qualquer lorota bem contada,
achava que todo homem que aparecia era promessa do futuro, até que vieram os
amantes e com eles os golpes.
Um dizia que ia tirá-la da pobreza, outro jurava amor eterno, mas tudo
não passava de balela, vento leve que se desfazia no dia seguinte.
E quando ela resolveu parar de gorar os planos dos aproveitadores, ou
melhor, parar de ser usada para que os planos deles não gorassem, começaram a
virar a cara. Chamaram-na de lambisgoia, como se fosse a vilã da própria
miséria.
Foi esse último veneno que a fez arrumar a mala e sumir sem retornar.
Na capital onde o luxo e a lama dividem a mesma calçada, Cleuza entrou
como dama num cabaré elegante com aqueles olhos vibrantes que denunciavam mais
do que ela permitia dizer. O rosto, ainda com certo frescor de quem correu
contra o tempo, brilhava sob a luz avermelhada do salão. Os cabelos na altura
dos ombros, úmidos como se tivessem acabado de escapar de um banho apressado,
moldavam-lhe o perfil juvenil.
Aprendeu a sorrir sem sorrir, a dançar sem tropeçar, a rebolar com todo o
frescor, a sassaricar entre as mesas para que os homens nunca se esquecessem de
seu nome.
Ao passar, deixava atrás de si um rastro delicado de talco de bebê, um
perfume que destoava da crueza do ambiente e por isso mesmo chamava a atenção.
As costas bem torneadas surgiam sob a blusa branca de cetim, fina o bastante
para revelar quase um segredo, a marca do sutiã. Era uma combinação de
inocência e desafio, de promessa e despedida.
E foi assim, misturando fragilidade e coragem, que ela cruzou todo o
salão, conquistando olhares sem ao menos se dar conta, ou talvez sabendo
exatamente o poder que carregava no andar, no perfume e no silêncio.
Mas a vida tem mãos rápidas, quem não corre cai, quem não engana é
enganado.
De degrau em degrau, ela virou acompanhante, de acompanhante a meretriz.
Chamavam-na de rameira mundana, mas ninguém sabia dos silêncios que ela
carregava, nem da força escondida atrás da blusa de cetim que tremulava como
lua inquieta em noite de ventania.
Certa noite, um valentão tentou lhe dar um safanão, mas ela era ágil,
como uma cabrita maltês, leve, esperta, impossível de agarrar, achando que ela
era de fácil condução.
Acostumada ao topo e ao fundo, se defendeu com a força de quem aprendeu a
viver na beira do precipício. Limpou o lábio machucado e seguiu adiante.
Ao amanhecer, parou diante de uma vitrine ainda embaçada pelo sereno da
manhã, viu seu reflexo cansado, porém firme, e sorriu um sorriso pequeno, mas
verdadeiro.
Nunca mais deixaria ninguém gorar seus sonhos, suas escolhas ou seu
destino.
Quem quisesse falar dela que falasse, quem vivia de mexericos sempre
acabava preso à própria balela. Mas, ela não era mais a mesma, era mais forte,
resiliente, inteira e perigosa.
Enquanto caminhava com passos seguros pela rua vazia, uma certeza
iluminava seu peito: ninguém mais escrevia sua história, agora o destino era
ela quem comandava entre o topo e o fundo e tudo o que viesse pelo caminho!