IMPOTÊNCIA
Leon Vagliengo
Ou, como
pequenas ofensas podem provocar uma grande tragédia.
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Casado com Mirtes
havia quarenta anos, até os sessenta e oito de idade Oswaldo nunca teve problemas
de saúde. No máximo um resfriado ou uma gripezinha, poucas vezes, nada mais. Sempre
se cuidou muito bem mediante uma alimentação saudável, a prática de esportes e
a realização dos exames médicos preventivos de praxe.
Tudo corria com
normalidade até que, à noite, começou a ter que interromper o sono para ir ao
banheiro urinar. De início não deu muita importância, porque acontecia
esporadicamente, uma noite ou outra, apenas uma vez. Mas ao longo de dois anos isso
começou a ocorrer com maior frequência, até que todas as noites passou a
levantar-se duas, três e até quatro vezes, para atender aos reclamos de sua
bexiga.
Na consulta
periódica seguinte, o médico urologista avaliou os exames laboratoriais de
Oswaldo, fez o toque, considerou os seus setenta anos de idade e sentenciou: sua
próstata está normal, mas a hiperplasia benigna avançou bastante e o senhor
deverá tomar este remédio de uso contínuo que está na receita, para urinar
melhor e evitar o risco de uma infecção urinária. Na sua idade começa a ser
perigoso.
Oswaldo voltou da
consulta profundamente encucado. Ouvira já, de seus amigos, que esse tipo de
remédio causa queda da libido e dificuldades também físicas para o
relacionamento amoroso. Chegou a comentar isso com o médico, mas ouviu dele que
isso é folclore, conversa mole, o remédio não tem esse efeito.
Nos dias
seguintes passou a tomar o remédio, seguindo a recomendação médica, mas o
receio não o abandonava. Pensava em Mirtes, sua linda esposa, oito anos mais
jovem, sempre muito disposta para ele, provocante e carinhosa, sua musa sensual.
Não poderia deixá-la frustrada em seus desejos. E, também, não queria passar
pela humilhação de dizer a ela de seus temores e explicar as dificuldades por que
passava. Não achava apropriado para um homem admiti-las.
Se o médico
estava certo e não foi o remédio, porém, a preocupação ou a idade começaram a
ter o efeito temido. No início, sempre que as intimidades com Mirtes começavam
a esquentar, o pensamento “será que eu consigo” aparecia, incomodava, mas era logo
dominado pela forte emoção erótica obtida com as preliminares e tudo funcionava
bem. Com o tempo, porém, a preocupação de Oswaldo foi aumentando e um dia venceu
ao erotismo, apagando o encanto que sustentava o ato, e ele falhou. Uma vez, alguns dias mais adiante outra,
depois novamente, e a autoconfiança acabou desaparecendo.
Mirtes, de início
compreensiva, tentou reanimá-lo, dizendo que “isso é normal, acontece de vez em
quando até com gente mais jovem”. Evidentemente, esse comentário de nada serviu.
A cada insucesso, a frustração e os temores de Oswaldo só aumentaram. Parou de
tomar o remédio, mas não adiantou; seu psicológico não reagiu. Mesmo querendo,
o receio de novo fiasco fazia com que evitasse ensejos de intimidade com a
esposa, e minava a sua vontade de possuí-la, antes tão frequente.
Temeroso, Oswaldo
se esquivava desses momentos; com as esquivas, deixou de receber os estímulos sensuais
que encontrava em Mirtes, e assim a libido também o estava abandonando. Mirtes percebeu
que já não o atraía mais e foi mudando de atitude. De início fora compreensiva
e confortadora, depois passou a sentir ciúmes, reclamando que ele não gostava
mais dela. Então, sem perceber como isso era torturante para o marido, tornava-se
exigente:
— Você tem que
conseguir! — Dizia. — Como não consegue? Está tudo igual, concentre-se! Faça um
esforço! A não ser que você não queira mesmo — completava irônica, piorando a
situação. Uma noite, chegou a perguntar ao marido se ele estava tendo um caso,
se tinha uma amante.
Foi-se a sedução.
Os momentos
íntimos outrora partilhados por tantos anos entre os dois, com tantas carícias
e palavras carinhosas, o clima romântico e a magia que se instalavam nessas oportunidades,
desapareceram. Foram substituídos por atitudes quase mecânicas, meros
exercícios físicos muitas vezes frustrados, que pouco ou nada tinham a ver com
amor.
Essa situação foi perdurando, sem
indícios de ser superada. Oswaldo já estava muito estressado. Sentia-se incapaz
de fazer aquilo que sempre fizera tão bem e com tanto prazer, que era deixar
sua esposa sexualmente satisfeita e feliz. Até que um dia os pensamentos lhe fluíram
na mente de forma precipitada, maldosa, apavorante: Mirtes está muito enciumada,
desconfiada, pode até procurar um outro homem; será que pode? Claro que ela
nunca faria isso, sempre foi uma mulher fiel, ela me ama; mas eu não a
satisfaço mais, ela pode, sim; não, ela não pode; não faria isso, não teria
coragem; eu não aguentaria, isso não pode acontecer...
Pensamentos assim atabalhoados se
repetiam de forma doentia, quase diariamente, aumentando a tensão de Oswaldo, e
ele, sem perceber, mudou muito as suas atitudes. Antes sempre alegre, sempre com
um sorriso nos lábios, sempre carinhoso e atencioso com todos, tornou-se
bipolar: às vezes triste e desanimado, parecia completamente derrotado; outras
vezes ficava muito nervoso, dava respostas ríspidas e tornava-se bastante
desagradável.
Mirtes não sabia
mais como agir. Não conseguia entender o que estava acontecendo com o seu
marido, antes tão calmo, tão educado, tão amoroso, tão carinhoso, tão fogoso, tão
ardente; agora nervoso, grosseiro, briguento, nem ligando mais para ela.
Precisava fazer
alguma coisa, tomar alguma atitude. Teve, então, a ideia de passarem uns dias
em algum hotel, num ambiente romântico, para tentar um recomeço. Procurou um
belo roteiro, esperou um momento tranquilo e propôs a viagem para Oswaldo. Ele entendeu,
gostou da ideia e logo concordou, também com a esperança fantasiosa de que
novos ares poderiam ajudá-lo a recuperar-se.
As curtas férias
de cinco dias tiveram mesmo bom efeito. O hotel era agradável e acolhedor, a
praia era tranquila, a pequena enseada oferecia um mar calmo, ótimo para
mergulhos refrescantes seguidos de quentes banhos de sol. Alguns passeios a pé,
de mãos dadas, conversas amenas nas boas refeições; especialmente no jantar, que
coroava o clima romântico de cada dia. Numa daquelas noites, completamente
esquecidos das dificuldades que haviam passado, até o amor teve cenário: total,
completo, tórrido, mas sublime, em sua expressão maior para o casal. No sábado,
na despedida com um jantar especial, dançaram e celebraram felizes o sucesso
daqueles dias maravilhosos de descanso.
O domingo, porém,
começou mal, anunciando que seria um dia difícil.
Muito vinho à
noite, Mirtes acordou com dor de cabeça, uma forte enxaqueca. Na refeição da
manhã, no hotel, derramou café na bermuda branca, a sua preferida, formando-se
nela uma grande mancha escura. Estragou a peça, sem dúvida.
Sim, apenas um
pequeno e desagradável acidente comum, pode acontecer de vez em quando com
qualquer pessoa. Ficou chateada e esperava ouvir palavras carinhosas de consolo
de seu marido, mas as férias foram curtas, e Oswaldo, novamente muito nervoso
já pensando no retorno, foi inesperadamente grosseiro:
― Você é uma
desastrada, mesmo! Sempre fazendo alguma besteira!
Foi aí que tudo recomeçou.
Mirtes sentiu-se
magoada, ofendida, indignada, e respondeu à altura:
— Estúpido!
O clima entre
eles ficou tenso, nem terminaram o café da manhã. Voltaram para o apartamento
do hotel, arrumaram as malas de cara feia e desceram para encerrar a conta.
Colocaram a bagagem no porta-malas do carro e partiram pela estrada em retorno
para casa. Mirtes estava mesmo enfurecida. Não se conteve e repetiu:
— Você é mesmo um
estúpido!
Para quê foi
dizer isso? A discussão se instalou novamente e não parou mais. Envenenado pelas ofensas mútuas, proferidas
com as vozes cada vez mais alteradas, Oswaldo foi acelerando, acelerando, a
velocidade aumentou muito, superou os limites de segurança, até que ele perdeu
o controle do veículo.
Foi de repente. O
carro preto derrapou no asfalto molhado, a alta velocidade o desestabilizou, passou
direto pela curva e seguiu descontrolado, em ziguezagues, até que desceu um
barranco e bateu numa árvore, lá embaixo, rodas para cima, longe das vistas de
quem passasse pela rodovia.
Então...
Mirtes estava
sangrando muito, presa nas ferragens. Desnorteada, olhou para o marido sem vida,
caído sobre o volante, um grande ferimento na cabeça. Ela não tinha a mínima
chance de sair dali sem ajuda. Suas forças se esvaiam muito depressa. Desistiu
do celular sem bateria, atinou para o ermo do local. Ninguém sentiria a falta
deles a tempo...
Em seus momentos
finais, Mirtes sentiu e entendeu como pode ser perversa uma impotência.
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