O
menino do semáforo
Adelaide Dittmers
Em um anoitecer frio, o
menino perambulava pelas ruas fervilhantes de carros, depois de ter vendido
pequenos pacotinhos de balas ao lado de um semáforo de uma grande avenida.
Conseguira apenas uns
trocados, que iria entregar à mãe. Estava
com muita fome e o ar gelado entrava-lhe pelos poros do corpo franzino e
desagasalhado. Pensou em entrar em uma
padaria para pelo menos comer um pão com manteiga, mas ficaria com menos
dinheiro ainda para entregar em casa.
Morava longe, no extremo sul
da cidade e a condução até lá era cara.
Seguiu, então, até o ponto de ônibus com o estômago vazio reclamando
alto.
Ao chegar lá, estranhou que estivesse
vazio àquela hora de intenso movimento.
O ônibus devia ter passado há pouco tempo e ele teria que esperar muito
até o próximo vir. Olhou para os carros,
que passavam, velozmente, com pessoas abrigadas e aquecidas em seus
interiores. Como queria ser uma daquelas
pessoas.
E seus pensamentos voaram
para a realidade de sua vida pobre e cheia de dificuldades. A mãe trabalhava como faxineira, mas perdeu o
emprego por causa da grave pandemia. O
pai os abandonara. Era um beberrão
inveterado e nunca mais o vira. Seus dois irmãos dependiam do trabalho da mãe e
dos centavos, que conseguia com a venda de balas. Ele tinha deixado a escola.
Na comunidade, em que
viviam, muitas pessoas os estavam ajudando para não passarem fome. Sempre havia essa solidariedade entre o povo
da favela. O que seria deles?
Nesse momento, levantou os
olhos tristes e viu a torre de uma igreja, que se erguia imponente atrás do
casario e com uma fé inesperada, rogou aos céus, que ajudasse a ele e a sua
família.
Momentos depois, um carro
parou à sua frente, uma senhora abriu a janela e gritou:
— Olá menino! Para onde você
vai?
— Para minha casa! Espantado, ele respondeu.
— Entre, eu levo você!
— Não obrigado! Minha casa é
muito longe. Respondeu surpreendido,
chegando mais perto da janela.
— Você está morrendo de
frio. Entre! Não tenha medo! Também moro
muito longe.
O temor e a surpresa lutavam
com a vontade de entrar naquele carro quente e acolhedor. E o desejo do aconchego e do conforto foi
mais forte do que tudo. Ele não tinha
nada a perder e a mulher tinha um rosto bondoso e afável.
Abriu a porta e entrou,
dizendo a ela onde morava. Não surpreendida com a distância e o bairro
periférico, dirigiram-se para lá, serpenteando pelas ruas movimentadas da
cidade.
Durante o longo percurso, a
generosa senhora perguntou-lhe sobre a vida, e o menino despejou sobre ela seus
infortúnios, incertezas e necessidades.
Com uma voz doce, ela acariciava a alma do pequeno passageiro com
palavras de incentivo e compreensão.
Ao chegarem à comunidade,
onde o pobre vendedor de balas morava, ele disse:
— Pode me deixar aqui. Seu carro não vai conseguir passar por esses
becos.
A mulher assentiu e abriu a
bolsa, de onde tirou um enorme maço de notas de dinheiro e estendeu ao menino,
dizendo:
— É para você!
Com os olhos arregalados, o menino respondeu
— Não, não quero. Vão pensar que roubei!
— Não vão. É um presente! Aceite e coloque nos bolsos para você não ser
roubado.
O garoto pegou o maço com as
mãos trêmulas e o distribuiu pelos bolsos rotos da calça. Num impulso, beijou o rosto de sua benfeitora
com os olhos marejados de lágrimas e saiu do carro.
Ela acenou para ele e deu
partida no carro. Parando para ver o
carro ir embora, qual não fo a sua surpresa ao ver o carro sumir na sua frente
como uma bolha de sabão, que estoura no ar.
Assustado, apalpou os bolsos
e percebeu as notas dentro deles. Aquilo
fora real e não um sonho. Lembrou-se que
rezara e pedira uma ajuda. Com certeza
era um milagre. Lágrimas continuaram a
rolar pelo seu rosto magro. Quem seria
aquela senhora? Uma santa? Um anjo? Uma
fada?
Com o coração cheio de
gratidão foi para seu barraco e quando olhou para o céu escuro da noite nublada
e sem estrelas, viu uma luz que subia em direção ao alto e por um segundo, tudo
ficou iluminado.