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segunda-feira, 13 de maio de 2024

Corda Bamba - Adelaide Dittmers

 

 


Corda Bamba

Adelaide Dittmers

 

Antonio recostou-se na espreguiçadeira do hotel.  Os olhos perdidos na imensidão do oceano.  Sentia-se cansado. O acúmulo de responsabilidades do cargo que exercia naquela grande empresa americana, o estava deixando estressado.

As críticas veladas de seus pares ao presidente pela cobrança de informações necessárias ao bom funcionamento de sua área de trabalho chegavam ao seu conhecimento e o estavam deixando muito incomodado e inconformado por não chegarem diretamente a ele. Sentia-se traído.

Ocupava esse cargo importante por sempre ter se dedicado e se esforçado para alcançar os objetivos da empresa.  Não conseguia entender a displicência dos outros departamentos em lidar com questões importantes para o sucesso dos negócios.

O olhar de raiva e desprezo de Maurício, na última reunião, não saía de sua memória, por ele apontar vários erros em sua gestão.  Cruzou e descruzou as pernas para livrar-se do incômodo que esse pensamento lhe causou. 

A imensa área sob seu controle funcionava como um relógio suíço.  Seus funcionários eram eficientes e constantemente treinados, incentivados e elogiados pela dedicação aos seus trabalhos.  Era um bom chefe e se sentia admirado e estimado por eles.

O problema era a empresa em geral, que tinha muitos problemas a resolver. O presidente parecia aberto aos seus conselhos, mas sempre muito cauteloso em aceitá-los.  Ultimamente, Antonio estava impaciente e demonstrava isso com atitudes descontentes, e seu nervoso vinha à tona com frequência.

Até que na última reunião, o presidente diz-se estar muito preocupado com ele e que deveria tirar umas férias para não ter um esgotamento nervoso

Ficou surpreso com essa sugestão, mas realmente achou que tinha que descansar um pouco. E, por essa razão, estava ali naquele luxuoso hotel em um lugar paradisíaco para colocar as ideias no lugar, tentando equilibrar seu estado de espírito que ultimamente balançava de um lado para outro em um mar de dúvidas sobre si, sobre aqueles que o cercavam e sobre certas questões administrativas.

Balançou com vigor a cabeça de um lado para outro para expulsar seus pensamentos, depositou o copo na mesinha e levantou-se num ímpeto.  Respirou fundo.  Precisava caminhar. Foi até a beira do mar e parou por um momento, deixando as ondas lamberem mansamente seus pés.  O contato com a água o levou a um delicioso torpor.

Começou a andar devagar pela extensa praia de brancas areias. A brisa marinha aliviava o calor do sol. Uma sensação de paz, há muito não sentida, o invadiu e ele seguiu pela orla despreocupado, sentindo uma suave energia. O cheiro salgado do mar entrava pelas suas narinas e sua alma.

De repente, uma mão o agarrou com força, por trás.  Tentou virar o corpo e se desvencilhar, mas não conseguiu, algo pontudo perfurou um flanco de seu corpo e, quando se virou com dificuldade, viu um homem desconhecido correr para fora da praia, embrenhando-se na vegetação costeira. A dor o contorceu, mas juntando todas as suas forças, foi capengando e arrastando os pés para alcançar o hotel. Chegou ao jardim, quando então perdeu os sentidos.

O alvoroço se espalhou pelo local.  Pessoas correram para socorrê-lo.  Gritavam umas para as outras para que fosse chamada uma ambulância.  Um hóspede amarrou uma toalha fina em volta dele para estancar o sangue e deu ordens para carregá-lo até uma van pertencente ao hotel.  Não havia tempo para perder. Gritou ele.

Internado na emergência do pequeno hospital da cidade, teve que ser submetido a uma cirurgia de urgência.  Permaneceu alguns dias no hospital e logo que estava melhor partiu para São Paulo. Não quis que a família fosse avisada para não assustá-la.

Quem teria planejado esse ataque, não foi um assalto.  Ele não levava nada para ser roubado, apenas o celular, que permaneceu em seu bolso. Sua cabeça latejava mais que o ferimento. Maurício não gostava dele. Não, ele seria incapaz. Esses pensamentos o atormentavam.

Vários funcionários da empresa e o presidente foram visitá-lo. O misterioso acontecimento espalhou-se pela empresa como um rastro de pólvora. Cada um dando sua versão do que poderia ter acontecido.

Completamente recuperado, voltou à empresa.  Todos o receberam efusivamente, até os supostos desafetos manifestaram solidariedade pelo acontecido.

Uma nuvem negra, porém, pousava sobre ele. Quem fizera aquilo e por quê? O seu temperamento forte não era motivo, nunca prejudicara ninguém.  Se o suposto facão tivesse sido enterrado um pouco mais fundo, ele não teria se salvado.  Quem teria desejado sua morte?

Chegou ao seu escritório e sentou-se, estendendo as pernas e os braços para tentar relaxar.  Um envelope pardo, em que se lia em letras garrafais “Confidencial”, endereçado a ele, estava sobre a escrivaninha. Pegou-o curioso e o virou.  Quando leu o remetente, jogou o corpo para trás para absorver a surpresa. A carta vinha da presidência do grupo, cuja sede era nos Estados Unidos.

‘Por que eles estavam lhe enviando uma carta confidencial diretamente para ele? ’ Perguntou-se.

Com muito cuidado, abriu o envelope.  Conforme foi lendo, sua expressão foi ficando alterada.  Nela foi avisado que o presidente da empresa brasileira tinha feito um grande desfalque e perceberam que ele, Antonio, estava muito perto de descobrir pelos relatórios e documentos enviados a eles. Por meio dessas informações, fizeram uma grande e secreta investigação e chegaram ao presidente. Pediam também para se manter discreto e disfarçar o que estava acontecendo até que o homem fosse indiciado.

Então, fora essa a causa verdadeira da sugestão de afastá-lo.  Lembrou-se que muitas vezes comentou com o chefe que alguma coisa estava acontecendo com as contas da empresa.

Um sorriso irônico surgiu no seu rosto crispado pela incredulidade. A empresa precisava mesmo de gente competente, o homem nem fora capaz de articular um crime perfeito. E, sem poder se conter, caiu numa gargalhada.

 

UMA CARTA! - Dinah Ribeiro de Amorim

 


UMA CARTA!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Amy, sentada num banquinho à frente da porta, aguarda Tom, o carteiro, passar. Estamos em Burnley, antiga e próspera cidade litorânea, ao sul da Inglaterra.

Há anos, sua rotina matinal é essa. Esperar a chegada de Tom, que se tornou mais um amigo que um estranho profissional dos Correios.

Espera por uma carta há mais de cinco anos, avisando o feliz retorno de John, seu marido, que partiu logo após o casamento, com o início da última grande guerra. Apaixonado por aviões, alistou-se como piloto na antiga RAF, mas prometeu voltar! “Logo nos veremos...” havia escrito na última carta.

Confiou nisso. A guerra acabou e ele não voltou, mas ainda o espera. Sabe que nunca mentiu e a esperança não morre, acredita na volta.

A cidade, atingida pela perda de muitos habitantes, alguns acidentes aéreos e outras catástrofes, tenta retornar ao seu apogeu em indústrias de algodão, mineração de carvão, fabricação dos primeiros aviões a jato, deixando de ser ponto estratégico aos inimigos com sua costa marítima.

Amy, atingida também em seus sentimentos, consola-se e espera, desacredita na informação recebida anos antes, a morte de John em combate aéreo.

Quando habitantes amigos a avistam, sentada à porta da pequena casa,  junto ao mar, olhando sempre ao longe, esperançosa, comentam entre si: “A guerra afetou sua mente, afastou a realidade, que tristeza! Também, quase acabou conosco!”

Tom, o carteiro, entristece-se ao vê-la, parando sempre para dar-lhe um dedo de prosa. “Quem sabe a mente volta, pensa ele, ela aceita que o marido morreu.”

Amy aproveita para dar-lhe um bom dia e perguntar as novidades da guerra. Quando voltarão todos para casa?

Tom responde sempre: “A guerra já acabou faz tempo. Graças a Deus, há grande recuperação na cidade, mudanças em todos os lugares, a Sra. ainda não viu?”

— Não creio. Meu marido não voltou e prometeu voltar logo. Não deve ter acabado, responde ela.

Tom se aquieta, entristece o rosto, afirma que talvez tenha se atrasado, e vai embora. “Até amanhã, Da. May. Quem sabe ainda escreve?”

Os habitantes, moradores à beira mar, vizinhos da região, compadecem-se dela e gostariam de resolver a situação. Tão jovem ainda, diziam, poderia refazer a vida, voltar a alegrar-se, como também fizemos.

Tom, um apaixonado pela profissão, transmissor de palavras escritas, tem uma ideia. Fazer uma reunião com os moradores mais chegados a Amy: Thomas, Grace, Lindsay, Ronnie e Frank. Quem sabe conseguiriam inventar novas cartas até chegarem numa última, final, de despedida.

—Não dará certo, exclama Lindsay. Vamos reavivar ainda mais o problema, dar-lhe maiores esperanças de uma falsidade.

Grace acha melhor escreverem nova carta, insistindo numa despedida. Quem sabe Amy acredita melhor na realidade.

Ronnie, um amante da verdade, acha melhor repetirem a carta oficial do Exército Inglês, que comunica a morte de John, notável piloto, em combate.

Cada um dá uma sugestão, mas não chegam a nenhuma em definitivo.

Tom, diante disso, acha melhor expor a sua ideia: contar que John não morreu, mas resolveu, diante de tantas tragédias que viu na guerra, permanecer numa aldeia nativa, na Tailândia, país que o recebeu e o recolheu muito doente, preferindo não voltar à Inglaterra. Ele e Amy viveram juntos muito pouco e preferia guardar somente boas lembranças. Não tem vontade de continuar um casamento que mal existiu.

Todos se entreolham, acham que uma carta, nesses termos, causaria enorme decepção em Amy. Teria uma recuperação abrupta ou uma fuga maior da realidade, não querendo mais viver.

Os amigos, preocupados, terminam o encontro e ficam de pensar noutro jeito, mas Tom, com maior esperança e firmeza na ideia, apaixonou-se por Amy, com as vindas diárias, e cansou-se de vê-la sofrer. Talvez estivesse meio louco também... Essa guerra....

Começa a imaginar uma carta e escrevê-la, endereçada a Amy:

“Querida Amy,

Escrevo-lhe após tantas promessas feitas em tempos passados. Essa guerra que aconteceu mudou meus pensamentos e vontades. Sinto-me outro homem, mais realista, mais pessimista, sem sonhos e desejos. Não vou retornar à Inglaterra, mesmo com saudades. Sofri muitos ferimentos, quase morri, recuperado por famílias nativas encontradas, longe de militâncias e guerras. Estou em paz. Espero que fique também, e consiga refazer a vida.

Beijos, John.”

Tom fecha o envelope, sela como correspondência estrangeira, coloca o carimbo dos correios e endereça a Amy.

No dia seguinte, entrega-lhe a carta e aguarda uns instantes, verifica sua reação.

Amy agradece e, ansiosa, entra em casa e fecha a porta.

Tom informa aos amigos o que escreveu, deixando-os preocupados e inseguros. Observam também que Amy não sai mais à porta.

Passam dias, algumas semanas, e Amy não abre a porta.

Grace, a vizinha mais próxima, dá muitas batidas, grita seu nome e, não obtêm resposta.

Tom, preocupado, sentindo um leve remorso, reunido aos amigos, pensa em chamar a polícia, mas é advertido a esperar um pouco. Escutam ruídos lá dentro, que se tornam maiores, cada vez mais.

Amy, como reação à forte dor que sente e com raiva de si mesma, quebra tudo que a lembre de John.

O tempo passa e todos percebem a nova Amy que reaparece. Bonita, bem-vestida, alegre, que aceita logo o convite para uma comemoração.

A carta de Tom deu certo. Amy irá refazer a vida, como era a vontade de John.

Percebe o interesse do carteiro e resolve dar-lhe esperanças, marcando  noivado e casamento, após alguns meses. Afinal, foi o único amigo que teve em todos os dias de espera.

Chega o grande dia para Tom e Amy. Convidados e amigos esperam a bela noiva entrar para iniciar a cerimônia.

Qual não foi o espanto de todos! Amy, ao dirigir-se à Igreja, avista ao longe um barco que se aproxima e, sem saber o porquê, volta e, curiosa, se aproxima para ver quem chega.

Um John mais magro, envelhecido, queimado de sol, cabeludo, mancando de uma perna, acena-lhe com as mãos, ao desembarcar na praia.

É, a voz do povo não é mesmo a voz de Deus!

O CASAMENTO REAL - Alberto Landi

  O CASAMENTO REAL Alberto Landi  Em uma manhã ensolarada de 22 de maio de 1886, as ruas de Lisboa se encheram de flores e música para cel...