A VELHINHA DO FINAL DA RUA
Helio
Fernando Salema
Próximo
à minha casa, existe uma rua de terra com poucas casas. Devido à ausência de
postes de iluminação, a rua fica bastante escura durante à noite. A última casa
é uma construção muito antiga, as portas e janelas estão sempre fechadas.
Alguns moradores mais idosos afirmam que ali vive uma velhinha, mas ninguém detalha
sua história. As crianças têm receio, pois ouviram dizer que ela pega crianças.
Sempre
que ela ouvia o barulho das crianças, ia, com passadas não muito rápidas, mas ansiosa,
para alcançar a janela de frente, aquela que possui uma fresta. Enquanto a meninada
permanecia fazendo suas estripulias, ela encantava-se com cada gesto e palavras
que às vezes conseguia ouvir.
Depois
que todos iam embora, lembrava dos saudosos tempos em que também ali brincava
com suas amigas. Recordava e cantarolava as canções, falava o nome das amigas.
O que sempre lhe trazia saudades acompanhadas de tristezas, por não ter notícias
delas.
Naquela
casa, durante muitos anos viviam os três, ela e os pais. Sua irmã, que nasceu poucos
anos depois, faleceu antes de completar um ano.
Ainda
adolescente arrumou um namorado, rapaz mais velho que foi convocado para a guerra.
Na noite anterior a sua partida, ela deixou a janela aberta,e eles tiveram uma noite de despedidas e de prazeres. Poucos meses depois veio a
notícia do seu falecimento. Apesar da imensa tristeza, dentro dela uma vida
dava sinais de que teria em breve uma companhia.
Os
pais deram apoio a filha durante todo o período de gestação e ficaram contentes
com o nascimento do robusto neto.
A rua
fazia parte do sítio de seus pais, que após o falecimento deles, necessitou
vender parte para se manter, pois seu único filho ainda era uma criança. Já
adolescente e estudando começou a trabalhar, ajudando no sustento da casa e
fazendo companhia à mãe.
Num
final de tarde, enquanto algumas crianças brincavam naquela rua, viram um homem
entrando na casa da velhinha malvada. Ficaram atentas e curiosas, por algum tempo,
para ver o que aconteceria àquele senhor.
Após
alguns minutos, a porta se abriu e o homem saiu. Parecia estar carregando uma
caixa de sapatos. Ao se aproximar das crianças, colocou a caixa no chão:
— São doces que a vovó querida mandou para vocês.
Em
seguida, ele retornou a casa. As crianças, apreensivas, examinaram a caixa e se
encantaram com os coloridos doces. No entanto, o temor em relação à velhinha
fez com que elas hesitassem em pegá-los. Entreolharam-se com incerteza.
Nesse
momento, o homem sai de trás da casa, empurrando uma carroça de madeira, aproxima-se
e pergunta se gostaram dos doces. O silêncio prevaleceu. Então o experiente
senhor percebe no olhar das crianças o medo, calmamente explica:
— Eu
sou o vendedor de doces da praça perto da igreja. São todos feitos pela minha mãe.
Ela viu vocês brincando, pela fresta da janela, e quis participar da alegria de
vocês mandando esses doces.
Uma
das crianças reconheceu o homem. Pegou um doce e começou a saboreá-lo. Em seguida
as outras tomaram coragem, em poucos minutos devoraram todos.
As
crianças, agora contentes, deixaram de temer a VELHINHA DO FINAL DA RUA.